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1455 Palavras
Na manhã seguinte ao churrasco. Bruna acordou com o coração apertado. Não pelo excesso de vozes na noite anterior, mas por algo que não sabia nomear. A sensação de estar sendo observada, de que o silêncio escondia mais do que parecia. Ao pegar o celular, uma nova mensagem desconhecida havia chegado: “Achei que você gostaria de saber... JH se reuniu ontem à noite com dois homens que vieram do Norte. Estão rastreando Gabriel. Eu tenho provas. — VM” O nome salvo no celular era apenas "N.03", mas Bruna sabia. Era ele: VM — Vítor Mateus. Desde o vídeo enviado na semana anterior, ela passou a guardar cada mensagem como um fragmento de quebra-cabeça. “Provas?” — ela respondeu com dedos trêmulos. Poucos segundos depois, chegou um arquivo de vídeo. O lugar era um beco escuro, a gravação tremida, mas as vozes eram claras. JH falava com alguém: — “Se a gente pegar o irmão, RR perde o controle. A garota não vai aguentar outra perda. Ela é a chave.” Bruna pausou o vídeo. O sangue esfriou em suas veias. Era real. Tudo. As ameaças. As mensagens. A perseguição. E agora, ele queria Gabriel. “Por que está me ajudando?”, ela digitou. A resposta não demorou: “Porque ele já destruiu a vida de muita gente. E porque você é diferente, Bruna. Você sobreviveu.” Naquela mesma noite, ela decidiu manter o contato. Queria respostas. Mas no fundo, sabia que também queria controle. Saber onde JH estava, o que sabia, até onde iria. VM parecia ter acesso a tudo, como se caminhasse pelas sombras dos inimigos. Dias depois, uma nova mensagem: “JH esteve perto do bairro onde Gabriel estuda. Está monitorando seus horários. Se você puder me confirmar por onde ele anda, posso antecipar os passos.” Bruna hesitou. Seria ajuda? Ou apenas vigilância disfarçada? — Não posso envolver Gabriel nisso — sussurrou para si mesma, apagando a conversa. Mas as mensagens continuaram. Sempre com trechos de conversas gravadas, imagens, informações sobre veículos, telefones. VM dizia que só ela poderia entender o peso daquilo. Certa noite, enquanto todos dormiam, Bruna marcou um encontro. Escolheu uma lanchonete discreta perto do centro. Ele já a esperava. VM era mais novo do que imaginava. Tinha pouco mais de trinta, usava uma jaqueta escura e olhos fixos demais. Mas o tom era calmo, quase gentil. — Então você é a Bruna. — Ele estendeu a mão. — Finalmente nos encontramos. Ela não respondeu o gesto. Sentou-se, encarando-o. — Por que me mostrar tudo isso? — Porque você quer justiça. Eu também quis. Mas depois de um tempo, entendi que justiça não vem. A gente toma. E pra isso, precisa saber quem são os inimigos de verdade. Ele colocou um pen drive sobre a mesa. — Aí dentro tem conversas entre JH e um policial do seu bairro. Ele comprou silêncio. RR não pode confiar em ninguém — disse ele, frio. — Isso não é problema meu. — Bruna respondeu, mais firme do que sentia. — Não ainda — ele rebateu, com um leve sorriso. — Mas vai ser. Quando ela voltou para casa naquela noite, não conseguiu dormir. O pen drive queimava em sua mochila. Sabia que, se entregasse aquilo para RR, poderia impedir algo. Mas e se fosse verdade? E se RR também estivesse mentindo o tempo todo? Dois dias depois, uma nova mensagem: “Quero sua ajuda. Preciso saber onde RR guarda os arquivos dele. Posso acabar com JH, mas não sem isso.” Bruna parou. Tudo que havia sentido desde o sequestro, toda a desconfiança do mundo ao redor, concentrava-se agora nessa pergunta: de que lado ela realmente estava? E ali, no escuro do quarto, segurando o celular com a respiração presa, Bruna compreendeu: O passado não estava atrás dela. Estava à frente. E cobraria caro por cada passo m*l dado. .... Lorenzo percebeu a diferença no olhar de Bruna antes mesmo de qualquer palavra. Na primeira visita após o churrasco, encontrou-a mais calada do que o habitual, os olhos vazios mesmo quando ela tentava sorrir. — Você tá me escondendo alguma coisa — ele disse, sentado ao lado dela no sofá da sala. — Não é nada. Só tô cansada — respondeu, olhando para o chão. Ele segurou sua mão. — Eu te conheço, Bruna. E isso aqui — apontou para os olhos dela — não é cansaço. É medo. É dor. E eu não vou embora até você me contar. Ela fechou os olhos, tentando conter as lágrimas. Mas elas vieram. Lentas, como chuva depois de um dia abafado. — Eu só... não aguento mais sentir que tudo vai desmoronar a qualquer segundo, Lorenzo. Que qualquer passo meu pode destruir alguém que eu amo. — Você não está sozinha. Me deixa te ajudar. — Eu tenho medo — ela confessou. — Medo de você se afastar se souber de tudo. Medo de não ser suficiente. Medo de... merecer tudo isso. — Ei — ele se aproximou, a voz firme. — Você não merece dor nenhuma. Você merece paz, Bruna. Merece alguém que fique, mesmo quando tudo estiver desabando. Ela olhou para ele, com um traço de esperança misturado ao cansaço. — Você ainda vai ficar? — Sempre. Mesmo quando você tentar me afastar. Bruna sentiu um nó na garganta. Era como se, pela primeira vez, alguém visse através da máscara. Lorenzo não exigia explicações, oferecia presença. E isso, naquele momento, era mais do que ela poderia pedir. Mas conforme os dias avançavam, e as mensagens de VM se intensificavam, ela começou a se fechar de novo. Lorenzo percebeu. Na terceira visita, notou que Bruna já evitava contato visual. — Tem alguém te pressionando? — ele perguntou, direto. — Não — respondeu rápido demais. — Se tiver qualquer coisa... RR, Gabriel, esse tal de JH... ou outro. Eu preciso saber. Ela hesitou, a mente dividida entre a confiança e o segredo. — Eu prometo te contar. Só não agora. Lorenzo assentiu, mas o olhar dele dizia outra coisa. Ele estava perdendo Bruna para algo que não conseguia ver, e isso o destruía mais do que qualquer verdade. Sozinha novamente no quarto, Bruna leu mais uma mensagem de VM. “Eles estão chegando mais perto. Está na hora de você escolher de qual lado está.” E naquele momento, a dúvida não era sobre quem eram os inimigos. Era sobre quem ela estava disposta a sacrificar para sobreviver. .... Mais tarde, Gabriel entrou no quarto de Bruna sem bater. — Preciso falar com você — disse, sério. Ela ergueu os olhos do caderno onde tentava escrever. — Que foi? — Alguém me seguiu ontem, Bru. Tô sentindo que tem coisa estranha acontecendo. E você... tem andado estranha também. Bruna respirou fundo, controlando o impulso de negar tudo. — Gabriel, tem coisas que você não entenderia. — Tenta. Porque se for sobre o que eu ouvi RR falando hoje cedo... tem coisa grande aí. E não confio mais em ninguém. Ela ficou em silêncio por um momento, depois o olhou com sinceridade. — Eu recebi mensagens. De alguém que diz saber tudo sobre JH... e até sobre RR. Alguém chamado VM. Gabriel arregalou os olhos. — E você respondeu? — Tive que responder. Ele me mostrou coisas, Gabriel. Coisas reais. Tem gente vigiando você. E eu não posso só ignorar isso. — Você devia ter me contado. Sou teu irmão! — Eu tô tentando proteger você! — Então deixa eu te ajudar também, Bruna. Não carrega isso sozinha. Ela tremeu. Pela primeira vez, permitiu que a dor se esvaísse. E que a verdade começasse a emergir. Mas ela sabia. Isso era só o começo. Naquela noite, ela sonhou com o porão onde esteve presa. Revivia o cheiro úmido das paredes, o som dos passos do irmão gêmeo de JH se aproximando. E, mais uma vez, via a faca em suas mãos. O corte. O sangue. O corpo caindo. A sensação desesperadora de que, para viver, precisou matar. Acordou suando frio, com a garganta apertada. Sentia que estava à beira de algo muito maior, e que, se caísse, levaria todos consigo. Na manhã seguinte, tomou coragem e foi até o quarto de Gabriel. Ele ainda dormia. — Gabi — sussurrou, sentando-se à beira da cama. Ele abriu os olhos devagar. — Aconteceu alguma coisa? Bruna hesitou por segundos eternos. — Preciso te contar tudo. Sobre o que aconteceu quando fui sequestrada. Sobre as ameaças. E sobre o que eu tenho escondido. Gabriel sentou-se, surpreso, mas atento. — Me conta, mana. Eu tô aqui. E ali, no quarto escuro, ela começou a falar. Sem filtro. Sem esconder as partes feias. Pela primeira vez, sentiu que talvez... só talvez... não estivesse mais sozinha.
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