Capítulo 15

1390 Palavras
Os dias seguintes se arrastaram como sombras longas em um entardecer sem fim. Bruna tentava manter a rotina, mas o mundo ao redor parecia girar rápido demais para os seus passos incertos. As mensagens anônimas se tornavam mais frequentes, sempre com ameaças veladas, nomes conhecidos, pistas do que ela lutava para esquecer. Ela lia cada uma com os olhos ardendo, mas nunca respondia. Apenas apagava e fingia que nada tinha acontecido. Mas por dentro, ela estava desmoronando. A comida que m*l tocava retornava em força nas madrugadas silenciosas. O vômito não trazia alívio, apenas uma dor surda que se juntava às outras. Alex, que acreditava que a irmã estava melhor, não percebia os sinais. Gabriel andava ocupado demais lidando com a confusão interna com Juliana. E RR... seu pai era um fantasma poderoso que rondava a casa, mas nada via. Bruna sentia-se só. Naquela tarde, Lorenzo apareceu. Não avisou. Apenas chegou com uma mochila pendurada no ombro e um olhar preocupado. Ele sabia. Sabia que Bruna vinha escondendo algo. Não em detalhes, mas em silêncios, em olhares vazios, em mensagens não respondidas. Ao entrar, encontrou a casa vazia. Alex havia saído, Gabriel estava com RR, Fernanda tinha ido visitar uma tia. Lorenzo subiu devagar e bateu na porta do quarto dela. Nenhuma resposta. Quando entrou, o quarto estava na penumbra. Bruna estava deitada, os cabelos grudados na testa, a pele pálida demais. O quarto cheirava a ácido e suor. Um balde vazio estava ao lado da cama. As cobertas desorganizadas. — Bruna? — ele chamou, se aproximando. Ela abriu os olhos, mas parecia não reconhecê-lo por um segundo. Sua boca estava rachada. Os olhos fundos. Lorenzo sentiu o coração apertar. — O que você... — ele tentou perguntar, mas ela já estava virando de lado, tentando se sentar, falhando. — Tô bem... — ela murmurou, mas sua voz era um sussurro de vidro quebrado. Ele não respondeu. Pegou o celular e ligou para o SAMU. Bruna tentou protestar, mas não teve forças. Enquanto esperavam, Lorenzo sentou ao lado dela e pegou a sua mão. Os olhos dele estavam vermelhos. — Eu sabia que você não tava bem... mas não assim. Por que você não me disse nada? Ela não respondeu. Apenas olhou para ele com os olhos cheios de lágrimas, mas não chorava. Era como se estivesse vazia por dentro. — Eu achei que você soubesse. — ela disse, com a voz rouca. — Achei que tava óbvio... — Eu sabia. Mas queria ouvir de você. Queria que confiasse em mim. Ela sorriu triste. — Eu gosto de você, Lorenzo. Gosto muito. Mas... eu não sou pra você. Não sou pra ninguém. — E quem disse isso? — ele perguntou, firme. — Eu. Depois de tudo que passei... depois do que eu me tornei... você merece alguém que não precise ser salvo o tempo todo. Lorenzo apertou sua mão. — Bruna, eu não quero te salvar. Eu quero estar com você. Mesmo com seus silências, seus dias ruins, sua bagunça. Porque eu amo você. E eu tô aqui. Bruna fechou os olhos, e as lágrimas finalmente caíram. — Eu não me sinto digna de você, Lorenzo. — Eu te amo como você é. E você não precisa se sentir nada. Só precisa ficar viva. Quando os paramédicos chegaram, Lorenzo foi junto no ambulância. A mãe de Bruna chegou logo depois, desesperada. Alex e Gabriel também. No hospital, o diagnóstico veio rápido: desidratação severa, quadro de bulimia agravado e sintomas de crise de ansiedade extrema. A médica recomendou observação e acompanhamento psiquiátrico. Fernanda ficou o tempo todo ao lado da filha. Não perguntou nada. Apenas cuidou. Alex, ao saber que tudo ainda acontecia, ficou arrasado. Gabriel não largava o celular, tentando descobrir de onde vinham as mensagens. Mas Lorenzo... ele ficou ali. Sentado ao lado da cama, de mão dada com Bruna, até que ela dormisse. Quando ela acordou, olhou para ele com ternura. — Você ainda tá aqui? — Sempre vou estar. E ela acreditou. Pela primeira vez em muito tempo, acreditou. ... A semana de recuperação foi lenta, mas transformadora. Nos primeiros dias, Bruna m*l falava. Tomava os medicamentos em silêncio e respondia com acenos. Mas com o tempo, e com a terapia iniciada ainda no hospital, ela começou a se abrir aos poucos. Fernanda lia para ela à noite, como quando era criança. Gabriel e Alex revezavam as visitas, e Lorenzo voltava sempre que podia, mesmo com o desconforto de saber que RR estava por perto. Ele entrava, deixava flores, e sentava em silêncio, só para ver se ela sorria. Durante esse tempo, uma notícia mudou completamente o clima entre o grupo de amigos: Reinaldo, o padrasto de Sabrina, havia sido encontrado morto após uma emboscada. Não se sabia ao certo quem tinha feito aquilo, mas rumores diziam que RR havia agido após reunir provas suficientes. Sabrina foi levada temporariamente para a casa de parentes, e a polícia arquivou o caso como "acerto de contas". A tensão que a consumia aos poucos se dissipou. Sophia e Sophie foram visitá-la nesse mesmo dia, levando flores, chocolates e palavras de carinho. — A gente sabia que algo tava errado, mas não queria forçar — disse Sophia, segurando a mão da amiga. — Vocês não têm noção do quanto isso me salvou. Eu me sentia presa, sem saída — Sabrina respondeu, com lágrimas nos olhos. — Agora você tá livre. E a gente tá aqui, sempre — completou Sophie, puxando as duas para um abraço apertado. Sabrina sorriu, frágil, mas genuína. Pela primeira vez, parecia enxergar o futuro com alguma luz. Na casa dos irmãos, Juliana apareceu para visitar Bruna, mas era Gabriel quem ela queria ver. O clima era estranho, até que Bruna os deixou sozinhos. — Você veio por mim? — Gabriel perguntou, cruzando os braços. — Eu vim por nós — Juliana respondeu. — Eu sei que você errou. Aquela aposta me destruiu. Mas eu também fugi quando achei que você já estava com outra. Talvez a gente só precise conversar de verdade. Eles ficaram em silêncio por um tempo, até Gabriel se aproximar e segurar a mão dela. — Vamos tentar de novo? Sem orgulho dessa vez? Juliana assentiu. Era um recomeço. Quando Bruna recebeu alta, o sol do fim da tarde a abraçou com uma leveza nova. Em casa, ela encontrou o quarto limpo, flores frescas e um bilhete de Lorenzo sobre a cama: “Se você ainda estiver com medo, segura minha mão. Tô aqui.” Ele veio visitá-la três vezes naquela semana. Em todas elas, RR não apareceu. A tensão entre ele e o pai de Bruna era conhecida. Mas Lorenzo não se importava. Sentava no sofá, falava pouco, e sorria quando ela ria. Na terceira visita, ele trouxe um pote de sorvete. — Achei que a gente podia dividir. Como nos velhos tempos. Bruna aceitou e, entre risadas e memórias, percebeu que o amor não precisa gritar. Às vezes, ele só precisa permanecer. E naquela noite, quando voltou a dormir em sua própria cama, sem aparelhos ou remédios ao lado, ela recebeu mais uma mensagem anônima. “Você saiu viva, mas os que você ama ainda estão marcados. Gabriel é o próximo.” O gelo percorreu sua espinha. O medo voltou. O gelo percorreu sua espinha. O medo voltou com força. Por um instante, ela sentiu o pânico antigo crescer dentro do peito, como um nó de lembranças e dor que não passava. Ela queria gritar, mas apenas segurou o celular com as mãos trêmulas. Lágrimas escorriam. Por que nunca acabava? Por que, mesmo quando tudo parecia melhorar, o passado voltava para arrastá-la de novo? Olhou ao redor do quarto escuro e se encolheu. Por um instante, pensou em ir até o quarto do irmão. Pensou em acordar Alex. Mas não. Eles não podiam saber. Ainda não. Bruna se levantou e foi até o quarto da mãe. Entrou em silêncio. Fernanda dormia profundamente, mas acordou ao sentir o colchão afundar. — Bruna? O que foi, meu amor? A garota não respondeu. Apenas deitou ao lado dela, com a cabeça no colo da mãe. Fernanda acariciou seus cabelos em silêncio. Não fez perguntas. Apenas acolheu. Bruna fechou os olhos e permitiu-se respirar. Naquele momento, tudo que precisava era estar ali. Sentir que, mesmo em pedaços, ainda era amada. Ainda era filha. Ainda estava viva.
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