CAPÍTULO 7

1093 Palavras
POV RAY O caminho até a zona norte foi... silencioso. O tipo de silêncio que machuca os ouvidos de tão carregado. Cam dirigia. Ele parecia o único tranquilo no carro, mãos firmes no volante, expressão serena como se estivesse indo pra um jantar de família. Já Ian, no banco do passageiro, estava com as pernas esticadas e um cigarro pendurado no canto da boca. Ele não falava. Só respirava fundo às vezes, como se a presença dos outros o sufocasse. E eu… bem, eu estava no banco de trás, com a mão na faca que ficava presa ao meu tornozelo. Não porque planejava usá-la, claro. Bom… talvez um pouco. — Alguém vai explicar por que, de todos os lugares possíveis, a gente tá indo pra uma fábrica abandonada no meio do cu da cidade? — Ian quebrou o silêncio com a voz carregada de tédio. — Porque uma das nossas informantes rastreou movimentação noturna lá. — respondeu Cam, sem tirar os olhos da estrada. — A mesma movimentação que apareceu antes de cada entrega de DreamFire. — Informantes — Ian resmungou. — Sempre confiáveis. — E o que você sugere, Sr. Câmera em fúria? — perguntei, sem esconder o deboche. Ele se virou, os olhos âmbar queimando de ironia. — Eu sugeriria voltar no tempo e impedir que vocês dois nascessem, mas acho que já é tarde demais. Cam soltou um suspiro pesado. — Vocês dois são piores que crianças brigando por brinquedo. — Não. Crianças têm salvação. — respondi, voltando o olhar para a estrada escura. A fábrica apareceu no horizonte como um monstro adormecido. Uma estrutura enorme, enferrujada, coberta por mato alto e pichações. Havia janelas quebradas no segundo andar e um guindaste tombado no canto do pátio. O lugar parecia abandonado há décadas, mas as luzes — fracas e irregulares — entregavam o contrário. Cam parou o carro a uma distância segura. — Entramos pelos fundos. Nada de confronto se pudermos evitar. Observamos, registramos e recuamos com as informações. — Sem confronto? — Ian murmurou, saindo do carro — Quem vai dar essa notícia pra Ray? — Talvez você, se quiser testar quantos ossos consegue quebrar antes de gritar por socorro. — retruquei, já me movendo na direção da cerca. Subimos pela lateral, uma trilha de concreto rachado e lama que dava acesso a uma entrada secundária. Cam foi na frente, agachado e atento. Ian veio atrás, tropeçando em uma raiz como um civil de filme B. — Você é mesmo o melhor deles? — perguntei, sem virar o rosto. — Eles me escolheram por talento. E porque o bonito da equipe precisava de alguém pra equilibrar. — respondeu com um sorriso torto. Segurei o riso. Mas não sorri. A porta estava semiaberta. Cam a empurrou com cuidado. O cheiro de ferrugem e óleo velho tomou nossos sentidos. E algo mais. Químico. Adoçado. Artifício demais pra ser natural. DreamFire. O corredor interno estava escuro, iluminado apenas por um fio de luz vindo de uma sala ao fundo. Ouvíamos passos. Vozes abafadas. Três. Talvez quatro pessoas. Cam fez sinal com a mão. Dividimos posições. Eu fui pela lateral, escondida entre máquinas antigas. Ian foi para o corredor oposto. Cam ficou mais perto da porta de entrada. Observei um dos caras pela fresta da parede. Jovem. Tatuagem no pescoço. Corvo. O nome queimou na minha mente como uma lâmina em brasa. — Temos que pegar isso em vídeo — sussurrou Ian pelo ponto de comunicação. — A cara dele vai valer ouro. — Você tem 10 segundos. Depois eu quebro a cara dele ao vivo. — rosnei. — E eu achando que você era sutil. — Eu sou. Até não ser. Cam interveio. — Calma. A gente tá aqui pra observar. Nada mais. Eu queria responder. Gritar. Arrebentar aquela porta e arrancar a língua do Corvo com as próprias mãos. Mas então... — A entrega para o território leste sai amanhã — disse um dos homens, abrindo uma caixa repleta de pacotes reluzentes. DreamFire puro. — A da zona sul também. Mas o contato novo da Laurent vai pagar o triplo. Parece que o "fotógrafo" tá desesperado pra conseguir controle. — outro homem zombou. Congelamos. Fotógrafo? Ian. Cam me olhou. Ian engoliu em seco. — Isso é mentira. — disse ele, baixo, frio. — Ninguém aqui disse que acredita. — Cam respondeu, mas os olhos dele diziam outra coisa: dúvida. Leve, mas presente. — Isso é armação. Eu nunca comprei nada. Nunca vendi. — Ian completou. — Você já usou. — sussurrei. Ele se virou pra mim, olhos duros. — E você já matou. A gente pode seguir ou quer começar um duelo de pecados? Cam entre nós, de braços erguidos. — Baixem a voz. Mas foi tarde demais. O barulho chamou atenção do grupo na sala. Um dos homens se aproximou com uma lanterna. A luz varreu o chão até encontrar o rastro da nossa pegada na poeira. — Droga. — Cam murmurou. — Retirada. Agora. Começamos a recuar, mas a lanterna virou e nos iluminou por completo. — Ei! Tem alguém aí! Merda. O caos começou. Corri pela lateral, puxando a faca. Cam sacou a pistola com silenciador e disparou para cima, distraindo os perseguidores. Ian rolou sobre uma das mesas e agarrou a câmera, filmando tudo enquanto corria. Tiros. Gritos. Uma explosão repentina em uma das caldeiras desativadas. Corvo fugiu. Eu quase o alcancei. Quase. Mas o desgraçado se jogou por uma escada lateral e desapareceu numa moto antes que eu pudesse cravar minha lâmina entre as costelas dele. Cam puxou meu braço antes que eu saísse correndo atrás. — Não agora, Ray. Não assim. — Ele tava ali! Ele tava ali, Cam! — Eu sei. E a gente pegou ele no vídeo. — disse Ian, ofegante, levantando a câmera. — Cada palavra. Cada rosto. Cada droga. Paramos, ofegantes, sujos, suando. O céu estava escuro. A cidade parecia observar em silêncio. — Isso vai dar merda — murmurei. — Isso já é merda. — Ian respondeu. Cam apenas olhou para o céu. Pensativo. — Mas pela primeira vez… a gente tem algo. Ficamos ali, quietos, respirando como sobreviventes de uma guerra curta, mas intensa. E foi naquele momento — naquele exato momento — que percebi algo que me fez estremecer: Eles não eram tão insuportáveis quanto eu pensava. Ainda não confiava em Ian. E Cam era bom demais pra ser real. Mas... algo tinha começado ali. Uma rachadura. Uma faísca. Ou talvez… apenas o primeiro passo de algo que poderia se tornar perigoso demais até mesmo pra mim.
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