A Descoberta da Gravidez

1206 Palavras
As manhãs voltaram a ter o mesmo cheiro de café e distância. Leonardo saía cedo, voltava tarde e fingia que o mundo seguia igual. Mas nada estava igual. Nem ele. Nem eu. A noite que deveria ter sido esquecida ainda vivia nos meus ossos. Cada lembrança, cada toque, cada palavra dita entre a chuva parecia me acompanhar como uma marca invisível. E, a cada dia, eu sentia mais — o corpo mudando, o humor oscilando, o coração descompassado. A primeira vez que percebi foi ao acordar. O enjoo veio de repente, ácido, brutal. Corri até o banheiro e m*l tive tempo de respirar. O gosto amargo da dúvida veio junto. Não quis pensar. Preferi acreditar que era nervosismo. Mas os dias seguintes vieram com os mesmos sintomas: enjoo, tontura, cansaço. E então, o atraso. Fiquei em frente ao espelho por longos minutos. O reflexo mostrava uma mulher que não reconhecia. Pálida. Cansada. Mas com um brilho nos olhos que eu não sabia nomear. Toquei o ventre, hesitante. — Não pode ser… — murmurei pra mim mesma. Mas no fundo, já sabia. Os fragmentos da lembrança daquela noite vieram como flashes: o calor da pele dele, o som da chuva, a forma como me segurou quando tudo acabou. Não havia volta. Não havia “talvez”. Respirei fundo, tentando me acalmar. Mas o coração já havia entendido o que a razão recusava. Naquela manhã, ele saiu sem dizer uma palavra. Deixou apenas o cheiro do perfume e o silêncio no ar. Senti um peso no peito — o mesmo de sempre, mas dessa vez misturado com medo. Peguei o celular e disquei o número da minha mãe. Ela atendeu na terceira chamada. — Isabella? Filha? Está tudo bem? Tentei responder, mas a voz falhou. — Mãe… preciso te ver. — Aconteceu alguma coisa? — Eu não sei. Mas preciso falar com você. — Venha agora. Estou em casa. Desliguei e sentei na cama. Por um instante, pensei em contar tudo — sobre o casamento forçado, a prisão dourada, o homem que virou tormento e abrigo. Mas não sabia nem por onde começar. O trajeto até a casa dela pareceu mais longo que o normal. Cada rua parecia carregar um pedaço da minha história que eu queria esquecer. Quando cheguei, minha mãe abriu a porta antes mesmo que eu tocasse a campainha. — Filha… — Ela me abraçou com força. — Você está pálida. O que houve? — Eu… não sei como dizer isso. — Dizer o quê? Sentei no sofá, as mãos trêmulas. — Acho que estou grávida. O silêncio que se seguiu foi ensurdecedor. Ela me olhou, sem piscar, por longos segundos. — Você tem certeza? — Ainda não. Mas sinto. — Toquei o ventre. — Aqui dentro… algo mudou. Ela respirou fundo, tentando conter as lágrimas. — Isabella… — Eu não planejei. — As palavras saíram em um sussurro. — Eu juro que não planejei. — Eu sei, meu amor. — Ela segurou minha mão. — Mas precisa ter certeza. — E se for verdade? — Então você vai ter que ser mais forte do que nunca. As lágrimas começaram a cair, silenciosas. — Mãe, eu não sei o que fazer. — Respire. — Ela me abraçou de novo. — Você sempre soube o que fazer, mesmo quando dizia que não. Ficamos assim por alguns minutos, em silêncio, até que ela se levantou e foi até o armário. Voltou com uma sacola nas mãos. Dentro, um pequeno teste. — Faz agora. — Agora? — Antes que o medo te convença a não fazer. Peguei o teste como se fosse uma sentença. Entrei no banheiro e encarei o espelho. Meus dedos tremiam. O tempo nunca passou tão devagar. Cada segundo parecia uma eternidade. Quando finalmente olhei, o ar me faltou. Dois traços. Nítidos. Incontestáveis. Meu mundo parou. Sentei no chão, sem força pra ficar de pé. As lágrimas vieram sem aviso, misturadas com riso nervoso e desespero. A cabeça girava. O coração batia em descompasso. Minha mãe bateu na porta. — Filha? — É positivo. — A voz saiu trêmula. — Mãe… é positivo. Ela entrou, me abraçou e chorou junto comigo. Por um instante, não éramos mãe e filha. Éramos duas mulheres tentando entender o peso da vida. — O pai sabe? — perguntou, por fim. — Não. — Vai contar? — Eu… não sei. Ela segurou meu rosto. — Ele precisa saber, Isabella. — Ele não vai querer. — Você não pode decidir isso por ele. — Mãe, ele não é um homem comum. — A voz falhou. — Ele é frio, calculista. Não sabe o que é amor. — Então talvez esse seja o momento de aprender. — Ou de me destruir de vez. Ela suspirou. — Filha, essa criança não tem culpa. Essas palavras ficaram ecoando na minha mente. A criança não tem culpa. Era verdade. Mas e se ele me culpasse? Voltei pra mansão ainda em choque. O mundo parecia em câmera lenta. O vento, o som dos carros, até os próprios passos. Cada detalhe daquela casa me sufocava. O sofá onde ele lia, o copo de whisky no bar, a escada onde nos cruzamos tantas vezes em silêncio. Subi pro quarto e fechei a porta. Toquei o ventre de novo, e o medo se misturou com algo que eu não esperava: ternura. — Oi, meu amor… — sussurrei, entre lágrimas. — Eu não sei o que vai ser da gente, mas prometo que vou te proteger. O som da porta se abrindo me fez congelar. Leonardo. Como se o destino tivesse escolhido o pior momento possível. Ele parou na entrada, o olhar cansado. — Onde estava? — Na casa da minha mãe. — Sem avisar? — Não achei que precisasse. — Tudo o que você faz me afeta, Isabella. — E tudo o que o senhor faz me destrói. Ele respirou fundo, como quem engole a própria fúria. — Não quero brigar. — Ótimo. Então vá. — O que está escondendo? — Nada. — Está mentindo. — Estou tentando respirar. Ele deu um passo à frente, me observando com aquele olhar que parecia atravessar a alma. — O que está acontecendo? Fechei os olhos. Não podia dizer. Ainda não. — Nada, Leonardo. Eu só… estou cansada. — De mim? — De tudo. Ele hesitou, e por um segundo, a máscara caiu. O homem frio deu lugar a algo mais humano. — Isabella… — murmurou. — Eu não quero te perder. As lágrimas ameaçaram cair de novo. Mas me contive. — Tarde demais. Virei de costas e caminhei até a janela. O vento frio entrou, arrepiando minha pele. Por dentro, algo me dizia que aquele era apenas o começo. A partir dali, minha vida deixava de ser só minha. E o que quer que viesse, eu enfrentaria. Com ou sem ele. Peguei o diário e escrevi: Dois traços. Um novo destino. Eu queria gritar, mas o som não saiu. Ele nunca quis ser pai. Mas o universo nunca pediu a permissão dele. Fechei o caderno e deixei que a noite caísse sobre mim. No escuro, uma certeza me abraçou: por mais que ele tentasse negar, o amor que nascia em mim seria a única verdade que ele jamais conseguiria controlar.
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