NARRAÇÃO DE BRADY DAWSON...
Eu não tenho paciência para frescuras.
Levei as duas até o hospital apenas para poupar a criança da chuva, e ainda segurei o guarda-chuva sobre a cabeça delas. Mas quando a pequena reclamou de fome, percebi a empregada cheia de manias, tentando negar o óbvio: ela não queria ir a um restaurante.
Ignorei. Pelo retrovisor, vi a menina deitada no colo dela, mexendo distraída em um fio de cabelo da mãe.
Quando parei em frente ao restaurante, desci e aguardei. Odeio esperar. Acendi um cigarro, controlando a vontade de ser hostil.
Fui surpreendido quando a garotinha correu até mim, segurou minha mão e me puxou com ansiedade, como se já tivesse alguma i********e comigo. Me peguei sorrindo.
Entrei no restaurante, ignorando os olhares. Conhecem minha fama. Muitos achavam que eu não sairia mais da mansão, não depois do que aconteceu. Talvez precisasse mesmo cortar o cabelo, estava desleixado demais.
Escolhi uma mesa. Julie sentou-se ao meu lado, sorrindo, balançando as pernas, ansiosa pelo almoço.
Sara, a empregada, entrou logo depois, ajeitando a touca, visivelmente envergonhada. Caminhou até nós e sentou-se à nossa frente, coçando o braço, olhando ao redor como quem queria desaparecer.
Peguei o cardápio, já irritado.
— Está com vergonha de mim? — perguntei entre os dentes.
Ela parou de olhar em volta e me encarou. Abaixei o cardápio só o suficiente para encontrar seus olhos. Vi as sobrancelhas dela se juntarem.
— Estou com vergonha de mim. — disse. Ri, sem humor, e voltei a olhar o cardápio.
— Que tédio… se auto-depreciando. — resmunguei.
— Com todo o respeito, meu mundo é bem diferente do seu, senhor Dawson.
— Claro... — respondi com desdém.
Julie observava nossa troca afiada, os olhos arregalados.
— O que você quer comer? — perguntei a ela.
— Batatas! — respondeu animada. Sorri, mas o sorriso se apagou ao encarar Sara.
— E você?
— Não estou com fome. — respondeu, olhando para a janela. Arqueei as sobrancelhas, voltando ao cardápio.
— Que seja… — murmurei.
A garçonete se aproximou sorridente e pedi nossa comida. Não demorou para chegar.
Sorri ao ver Julie devorar os nuggets e as batatas. Enquanto isso, Sara permanecia de braços cruzados, o olhar perdido no vidro. Ela tem traços delicados: maçãs do rosto marcantes, olhos escuros como o cabelo. Uma beleza perigosa, do tipo que envenena e destrói qualquer homem que se aproxima. Ignorei-a e me concentrei na refeição com Julie.
Depois do almoço, as levei até a entrada do hospital.
Julie me abraçou na perna com força. Fazia tempo que não sentia um abraço tão sincero. Olhei para Sara.
— Posso pegá-la? — perguntei. Ela hesitou, mas assentiu. Peguei a menina e sorri, erguendo-a à minha altura.
— Foi bom te conhecer, Julie. — ela riu, mas o sorriso sumiu ao olhar para a mãe, espantada.
— Meu coelhinho… — lembrei do brinquedo largado no meu escritório, brincando com os cavalos.
— Eu vou te devolver, prometo. — garanti.
— Mas eu não durmo sem ele… — choramingou. Sara a tomou nos braços; instintivamente, Julie escondeu o rosto no ombro da mãe e chorou baixinho.
— Obrigada, você já fez muito. Amanhã cedo estarei no horário combinado. — disse Sara. Assenti.
— Ah, se precisar levá-la para a mansão, não tem problema. Eu… — ela apenas assentiu e entrou no hospital, sumindo com a menina.
Inspirei fundo, mãos no bolso, observando-as desaparecer. A vontade de manter aquela criança por perto era estranha, mas eu sabia o motivo. A pureza dela me arrancava do meu mundo sombrio. Quando estou com Julie, paro de lembrar, paro de me torturar. Porque minhas lembranças queimam como fogo na pele.
Carrego o peso de ter matado duas pessoas em quem confiei e amei. A traição ainda me persegue, um castigo sem fim.
Voltei para a mansão. Ao chegar, vi a empregada mais nova na varanda, mexendo nos vasos de margaridas. Saí do carro, rangendo os dentes.
Odeio essas flores. Se deixei que morressem, foi por um motivo. E agora ela estava plantando mais.
Entrei na varanda e derrubei um vaso com força, espalhando a terra pelo chão. Ela estremeceu, deu passos para trás, assustada.
Aproximei-me, sentindo o peito queimar de raiva. A lembrança da minha esposa traidora me corroía. Ela cuidava dessas margaridas com zelo. Vê-las secas era minha resposta ao rancor.
— Quero essas plantas secas. Não ouse tocar nisso.
— M-me desculpe, patrão. — disse ela, abaixando a cabeça. Olhei para o chão sujo e espalhei mais terra com o pé.
— Limpe isso. — ordenei, antes de seguir para o escritório.
A cada passo, o punho cerrava mais, o peito queimava. Os olhos ardiam. Odeio isso. Odeio sofrer e não conseguir chorar. É como um castigo.
No escritório, o tremor das mãos me fez correr até a gaveta. Peguei os calmantes, mastiguei um, ignorando o gosto amargo, querendo apenas que o efeito viesse logo.
Fechei os olhos, engoli com dificuldade e, ao abri-los, vi o chão. Os cavalos de enfeite ainda estavam lá, junto com o urso da Julie.
Aproximei-me devagar, peguei o urso. Um dos olhos estava pendurado, a orelha manchada de chiclete velho. Suspirei, lembrando do jeito distraído dela, da inocência.
Ela disse que a mãe me chamou de ogro. Ri sozinho, olhando o brinquedo.
— Ogro… — murmurei.