BRUTOS
Fui até o portão com eles, só pra dar aquele migué de educação, mas era só desculpa mesmo... eu queria olhar mais um pouco pra ela. Guardar a imagem na retina até o próximo domingo, ou sei lá quando. Joaquim agradeceu o almoço, abraçou dona Maria, e foi se despedir de mim com aquele sorriso moleque dele.
— Valeu pela recepção, garoto. Qualquer dia retribuo.
— Tranquilo, tio. Aqui é tudo nosso. Só colar.
Betina veio logo atrás, cabelo preso num coque bagunçado, uma mochilinha surrada nas costas e os olhos... pqp, aqueles olhos lindos eram uma armadilha. Meio sem saber pra onde olhar, meio sem graça. Ou só fingindo. Essa garota me deixa doido.
Ela tava de costas, indo em direção ao portão junto do pai, e eu ainda parado no batente da porta, braço cruzado e coração em guerra com a mente.
— Tchau, dona Maria. Brigada pelo almoço, tava ótimo — ela falou, educadinha como sempre.
— Imagina, minha filha. Voltem sempre! — mamãe respondeu toda simpática, se derretendo.
E aí veio. A frase. A p***a da frase.
Betina virou a cabeça de leve, sem nem me olhar nos olhos, e soltou:
— Quem sabe da próxima eu trago minha escova de dente… — deu um sorrisinho, safado ou inocente demais pra ser entendido — ...vai que a gente dorme por aqui, né?
Mano… eu congelei. Sério. Meu corpo inteiro ficou rígido, menos a parte que não devia ficar nesse momento. Quase mandei o Joaquim ir embora sozinho e puxei ela pelos cabelos de volta pra dentro.
Mas respirei fundo. Só fechei a porta com calma, trancando por dentro, como se aquilo fosse impedir os pensamentos sujos de saírem pela casa. Encostei ali mesmo, olhando pro chão e pensando:
“Essa garota vai me matar.”
Minha mãe foi pra cozinha ajeitar a pia. Eu fui direto pro meu quarto. Tranquei a porta. Me joguei na cama e olhei pro teto como se tivesse perdido alguma guerra.
A verdade era que eu tava obcecado. Não era mais só t***o, era mais fundo. Tinha algo nela que mexia com o que eu não entendia. Ela era misteriosa, calada, cheia de gestos pequenos que me confundiam. Um dia sorria de um jeito que parecia provocação, no outro agia como se eu fosse só o filho da dona Maria.
E isso me corroía por dentro.
Liguei a TV só pra ter algum som no quarto, mas não vi nada. Na cabeça, só ela. O jeitinho que ela ajeitava o cabelo, o modo que passava a língua nos lábios quando tava concentrada, a risada abafada quando escutava alguma besteira.
Pior: o corpo dela. Magrinha, cintura fininha, mas o quadril… Deus do céu, o quadril dela era castigo. E aquele vestidinho lindo grudado no corpo, com a alça fininha caindo? p***a, ela fez aquilo de propósito. Tinha que ter feito.
Levantei, impaciente. Peguei o celular, abri o i********:, fui no perfil dela — fechado. Segui ela, claro, mas ela quase não postava nada pelo jeito. Entrei no perfil do pet shop só story da lojinha onde tava trampando agora. Dois dias só e já era assunto em tudo que era canto do morro. A gata do pet shop, nunca ia imaginar que era ela. Os caras passando pra comprar ração só pra ver ela. Aquilo agora me dava ódio.
“Se ela soubesse que é minha”, pensei, sem nem me dar conta da gravidade do que eu sentia.
Desci pra cozinha já no final da tarde. Minha mãe tava sentada com um copo de chá.
— E aí, gostou da menina? — ela perguntou, de olho em mim. Sabia que eu não era bobo.
— Ué, achei ela na moral — respondi, fingindo.
— Na moral, sei… teu pescoço quase virou quando ela passou.
— Tá viajando, mãe.
Ela riu.
— Olha, o Joaquim falou que tão apertados na casinha. Já estavam pensando em mudar mesmo.
— É… — olhei pra janela e deixei a ideia maturar.
— Cê quer que eu fale com ele?
— Não precisa… eu mesmo resolvo.
No fundo eu já sabia. Ia fazer de tudo pra eles virem pra cá. Nem que eu bancasse tudo sozinho, com meu trampo dinheiro não me falta. O importante era: ela por perto. Betina aqui, todo dia, sob meu teto, dormindo a três paredes de distância de mim. Eu podia fingir que era sobre ajudar, mas era egoísmo, pura e simplesmente.
Voltei pro quarto. Tentei jogar videogame, tentei ouvir música. Nada adiantava. Ela tinha se infiltrado em mim como veneno. E pior: eu nem sabia se ela gostava de mim. Às vezes parecia que sim, às vezes não.
Naquela frase dela… “Vai que a gente dorme por aqui, né?”… tinha um tom. Mas será que era só brincadeira? Ou era desejo?
Deitei de novo. Me virei pro lado. Fechei os olhos.
Comecei a imaginar ela ali. No colchão comigo. O cabelo espalhado, a camiseta larga, o cheiro doce de sabonete barato misturado com desejo. Ela dizendo “calma…” e eu sem conseguir ter calma nenhuma.
Era errado. Mas não dava pra controlar.
“Se ela soubesse o que passa na minha mente… corria de mim”, pensei. Ou talvez não.
Talvez ela quisesse me provocar de propósito.
Talvez… ela também quisesse.
No outro dia, antes mesmo de ir pra rua, mandei mensagem pro Joaquim:
“E aí, parceiro. Pensei melhor naquela ideia. Se quiser, cês podem vir morar aqui sim. Espaço tem. Minha mãe curte tua presença. Vai ser mais fácil pra todo mundo.”
Demorou uns minutos e ele respondeu:
“Sério, irmão? Isso ia ajudar muito a gente. Mas deixa eu conversar com a Betina antes. Te aviso.”
Respirei fundo. Ela ia decidir. E eu, que sempre tive tudo na mão, agora tava refém de uma garota que talvez nem gostasse de mim.
Mas se ela dissesse sim…
Se ela topasse vir…
Aí era questão de tempo até eu fazer ela ser minha de verdade.
E o Brutos, que nunca se apaixonou, tava ali… sentado na beira da cama, coração acelerado, esperando uma resposta.