Na manhã seguinte, Alex acordou sozinho, recebendo de bom dia apenas o perfume deixado nos travesseiros.
As concubinas o aguardavam na sala de jantar para o desjejum, eram moças lindas, de rostos gentis, meigos e ansiosas por uma pequena atenção do rei.
Era nítido que estavam descontentes, estavam ficando velhas sem dar à luz a nenhuma criança. Se perdessem a hora, iriam morrer sem glórias.
― Majestade. ― Saudaram todas curvando-se assim que ele surgiu na escada.
― Bom dia, deviam ter começado sem mim, perdi a hora.
― A sua primeira mulher, a rainha é a mais importante, sabemos. ― Murmurou Ysdora, a primeira moça que Elisie havia levado, ela a resgatou de ir para o templo das sacerdotisas no segundo ano depois da morte de Dixon. Era tagarela, quase sempre rude, tinha enormes olhos lilases e cabelos loiros esvoaçados. Acabou se tornando uma grande amiga para Alexyan.
― Ysdora, por favor, não comece.
― É verdade, eu vi quando você entrou e não saiu do quarto dela. Fiquei por muito tempo, esperando pela brecha da minha porta.
― Senhoritas, eu não toquei em nenhuma de vocês, não pretendo realmente tomar nenhuma como minha, espero que entendam.
― Mande-nos para o templo das sacerdotisas. Porque pelo que parece, nossas vidas aqui será o mesmo que lá. ― Retorquiu Safira.
― Mulheres que nunca terão o prazer de dar à luz a uma criança? Lamentável, não é? ― disse Elisie, sentando-se à mesa. ― Se não querem acabar como eu, espero que façam o que puderem para conquistar nosso marido.
― Elisie. ― Exclamou Alex irritado
― Alex, precisamos de um herdeiro, você sabe.
― Jeremy é suficiente.
― Claro que não é. ― ele não possuía o sangue dos Leican, nem dos Allen. Apesar de Elisie ama-lo, talvez os deuses desaprovassem alguém reinar sem ter o sangue predestinado. E Elisie sabia o quanto os deuses eram cruéis quando desaprovavam alguma coisa.
― Apenas tenha um filho, Alex, por favor. ― O clima tornou-se pesado, as concubinas ficaram em silêncio com os olhos fixos em seu desjejum, e os ouvidos focados na conversa dos reis.
― Então vamos ter um filho, eu e você, Elisie.
― Você sabe que eu não posso.
― Você tentou? Não, depois daquele acidente você apenas começou a se auto intitular como infértil. ― A rainha, bateu os talheres na mesa. A face pálida tornou-se rubra.
― Levante-se, precisamos visitar a prisão de ossos. ― Era a sétima reclamação que chegava ao castelo, coisas estranhas estavam acontecendo com frequência na prisão. Segundo relatado nas cartas, começaram a aparecer prisioneiros mortos em um poço.
É certo que em uma prisão sempre há mortes e brigas, todavia nesse caso era magia perversa de uma bruxa, pelo que foi escrito nas cartas, eles conseguiam sentir o pesado ar das trevas pairando sobre aquela prisão no meio do pântano. Depois de procurar por todos os continentes do mundo, a bruxa apareceu, tardiamente, mas apareceu.
Elisie não queria admitir, porém carregava no peito uma pequena chama de esperança, não importava se a bruxa fosse maligna, ela estava preparada para sacrificar o que fosse preciso.
― Não use o cabelo assim, e use sapatos confortáveis. Teremos que atravessar uma extensa área a pé.
― Sou a rainha, não preciso caminhar.
― Claro, majestade, faça isso. Os ladrões à espreita vão adorar ver quem atravessa suas estradas. ― disse Alex, abotoando o casaco próximo a janela.
Ele estava sentindo um m*l pressentimento, que se intensificou quando um de seus botões caiu, no inverno as viagens eram limitadas tanto pelo perigo de acidentes, como os ladrões.
Horas mais tarde, seguiam para a prisão de ossos, ele se surpreendeu ao ver que sua esposa, estranhamente havia escutado o conselho, e estava vestida como antigamente, simples e angelical, porém ainda em trajes escuros pelo luto. O caminho foi cercado pelo silêncio.
― Chegamos. ― gritou o cocheiro do lado de fora. ― Agora devem ir a pé.
A estrada estreita impedia qualquer carruagem de atravessar, Elisie saiu, a lama fez seu pé inteiro, um guarda a segurou.
― Majestade, é arriscado irmos todos juntos. Os ladrões sabem que caravanas por essas bandas só podem ser de duas coisas, príncipes exilados, ou homens de posse vindo subornar os guardas para um tratamento especial.
― Sua argumentação é incompreensível, não seria mais fácil atacar os grupos pequenos de pessoas?
― Sim, todavia, a senhora, majestade, foi sabia ao se vestir dessa forma, por essa razão peço que vá, você, o rei e um guarda. Eu e os outros iremos logo atrás.
Relutante, Elisie, seguiu Alex que já seguia o caminho sozinho.
Andar novamente por uma trilha estreita na floresta era como voltar ao passado. Suspirando, ela olhou para o céu, a tarde amena trazia no céu uma cor alaranjada.
― Você nunca veio a esse lugar antes, não é?
― Não, de Darkeng e suas redondezas só conheço a cidade principal, e o vilarejo onde fica o orfanato.
― Que bom, esse lugar é nojento.
― Com o nome que tem, duvido muito que fosse bom.
― É muito pior do que o nome. ― Elisie tropeçou, agarrou-se ao casaco de Alex. ― Cuidado. ― Os lábios da rainha se curvaram em um raso sorriso.
― Eu te trato como um lacaio qualquer, e você continua atencioso.
― É para isso que serve os amigos.
― Ainda me considera uma amiga? É tão ingênuo. Eu passei a odiá-lo um pouquinho por ser meu esposo. Não queria me casar novamente, queria ser só dele, até minha morte. ― Ele soltou um riso sem ânimo.
― Passei a odiá-la um pouco também. Vamos, essa parte é mais estranha, veja como os galhos estão quebrados, desse lado e do outro, pessoas passaram por eles não faz poucos dias, talvez nem horas.
Prisão de ossos, este era o motivo de ter um nome arrepiante. Era um enorme forte, construído com pedras deformadas e ossos como decoração nos dois lagos ao lado.
O cheio se tornou insuportável, um clima de morte pairava como alerta de perigo, nem a neve ocultava o cheiro. Elisie engoliu em seco, segurou a mão de Alex em uma tentativa de se livrar da sensação r**m que se apossara dela. Ele a apertou em consolo.
― Majestades, se fosse em outras circunstancias, e em um lugar agradável, eu ficaria absolutamente honrado com vossa presença. Entrem, aqui o ar é menos podre. ― disse o oficial abrindo espaço para que entrassem no saguão do forte. No fim da tarde, o lugar já estava coberto pela escuridão. Alguns archotes iluminavam a passagem até uma saleta, o escritório. O cheiro forte de arranjos de lavanda ofuscava o cheiro r**m da podridão.
― Gostariam de um chá? Ou uma bebida mais forte? Não sei como recebe-los, é inusitado ver os dois reinantes em um lugar perigoso como esse, a maioria dos reis manda seus generais ou braços direito para resolver assuntos dessa magnitude.
― Não gosto de rodeios, vá direto ao ponto. ― Interrompeu a rainha sentando-se na cadeira que foi puxada por Alex.
― Sim, certo, perdoe-me. Faz quase nove noites que vem ocorrendo mortes no poço, pensamos se tratar de fugitivos que foram atacados por animais próximo ao poço, porém, o rosto de todos estavam completamente desfigurados, sem a pele, os órgãos, uma cena indigesta. Um bruxo preso aqui, afirma que é obra da bruxa.
― Isso é impossível, creio eu, a bruxa é a alma de nossa deusa, que é amável e bondosa. ― disse Alex, aturdido.
― É essa a história, eu disse isso ao bruxo, no entanto, negou veemente, disse que há a possibilidade que nessa reencarnação da deusa Bruxins, tenha nascido duas crianças, uma com a parte boa outra com a má.
― Isso não é possível, crianças gêmeas morrem. O parto é complicado.
― Não toda vez, minha rainha, há exceções.
― Logo de todos os humanos e bruxos, logo ela a bruxa nasceu gêmea de sua própria alma. É azar demais. ― Exclamou Elisie alterada. ― Sendo duas, é mais difícil se esconder, como, pelos deuses... ― parou para tomar um ar, terminou em um sussurro desconsolado: ― como não achamos ela? Alex.
― Querida, acalme-se, Sevan, leve-nos até esse bruxo. ― O oficial assentiu conduzindo os reis por entre outro longo corredor, desceram duas escadas até o subterrâneo.
― Sei que todos que estão presos aqui cometeram crimes hediondos, entretanto, eu não acho que mereçam.
― Ah, majestade, merecem, é viver assim ou a morte. Liolavi, você tem visita. ― Gritou Sevan batendo nas grades. Uma mão surgiu, em seguida um rosto. De fato, ele era um bruxo, possuía a beleza estonteante de todos os bruxos, a pele escura e bacia como o veludo mais caro. Elisie engoliu em seco.
― Princesa. ― disse o bruxo, Alex puxou Elisie para perto de si, adquirindo a postura de guerreiro.
― Como sabe? Não estamos vestidos como nobres. ― Indagou ele.
― Não se pode esquecer a essência de nossa princesa, a única cuja a alma é de todos os bruxos do mundo.
― Viemos tratar de outros assuntos.
― Sei disso, as mortes no poço. Deixem como esta, ela precisa ser alimentada.
― Quem?
― A bruxa má, ela precisa comer a vida desses presos aqui, se parar vai atacar outras pessoas.
― Não nos disse antes, por quê? ― reclamou Sevan
― Se eu dissesse, jamais teria a chance de ver a minha princesa. Agora vá, deixe os maus apodrecendo, e viva em seu belo castelo.
― Alex, quero ver esse lugar.
― Majestade, não procure a bruxa. Ela irá destruir você. ― Ignorou o aviso e seguiu com Alex escada a cima.
O poço rodeado por altas rochas cobertas de neve e musgo se encontrava atrás da prisão, numa região afastada próxima ao muro. Elisie olhou para dentro, podia até ouvir o som do profundo vazio lá dentro.
― Como ela consegue derruba-los?
― Segundo relatos, os presos seguem até aqui em um estado de hipnose. O certo será tapar o poço. ― Decidiu o oficial, disfarçando o medo de se aproximar daquele lugar.
― Não, quero que passem a mandar homens para cá. Os mais cruéis para servir de alimento.
― Isso é c***l. ― Alexyan falou, sua face tornando-se apavorada.
― É menos c***l do que deixar crianças e pessoas inocentes morrerem.
― Agora pensa assim, antes fazia questão que o seu Cordial devorasse mocinhas inocentes. ― Sussurrou. O fio de sarcasmo retornou afugentando-os naquele clima de inimizade.
― Era diferente. ― Rebateu dando as costas para o poço, ergueu as saias do vestido e caminhou a passos rápidos para longe deles, o oficial se moveu, Alex o parou com um aceno e seguiu Elisie.
― Diferente como? Aqui são criminosos terríveis, antes eram moças que m*l chegaram a conhecer a vida.
― Dixon era diferente, ele queria parar de sofrer.
― Ah, entendo, seu sofrimento cessava quando matava aquelas... ― Elisie o estapeou a face.
― Pare. Guarde o seu veneno para si. ― O guarda real se aproximou confirmando que o aposento para sua rainha já tinha sido preparado.