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1304 Palavras
Lili Harris Eu desço do carro que está em frente a uma casa pequena. Apesar de não ser nada parecida com a mansão que morei por anos, essa aqui é bonita e parece aconchegante. Ela tem uma pintura em creme, um cercado perto dos degraus, o terreno em volta é pequeno e eu fico curiosa para ver por dentro. O carro da mudança chega logo depois e eu vou entrando com o meu pai ao lado. Nossa! Tudo muito diferente mesmo. Os móveis parecem antigos, o chão é em carpete que me faz se questionar quando foi limpo e a decoração é em madeira. Tudo de madeira! As luzes são brancas, o aroma tem uma mistura de poeira e um pouco de “limpeza” e alguns itens tem cobertores em volta. É nítido que ninguém entra aqui há um tempinho ou se entraram, tiraram apenas o grosso da sujeira. É, essa é a minha nova casa! Ela é um andar só, não tem escadas e só vejo um único corredor que deve levar aos quartos. — Lili, a cozinha fica ali. Só tem dois quartos e os dois tem banheiro... — Ele vai me explicando enquanto entramos. — Eu sei que é pequeno e que é tudo bem estranho, mas logo nos acostumamos. — É, eu... — Um espirro vem forte em mim. Um não, dois. — Eu acho que dá... eu não tenho frescuras. Eu posso ter nascido e vivido anos dentro de uma mansão rica, mas eu nunca me apeguei às coisas. O meu pai me criou de um jeito que eu não dependesse de coisas pequenas. Tanto que, eu nunca fui indiferente com as funcionárias, pelo contrário, as via como até amigas. Eu nunca tive outras. Então, eu fazia certas coisas e aprendi muito com elas. E ele sabe bem disso. — É, eu sei disso. — Ele toca no meu ombro com carinho. — Os quartos não têm closet, mas tem mobílias para guardar as roupas e eu espero que caiba tudo seu. A casa não é tão espaçosa, mas dá para nós dois. — Eu vou dar um jeito, mas... vamos ficar um bom tempo aqui ou é até você resolver algo? — Ele suspira com pesar e já tenho uma resposta antecipada. — Essa será a nossa casa por um tempo... é isso ou ficar na rua. — Isso veio como um tapa no meu rosto, porque mostra que tudo é bem pior. Mas vou me acostumar. — O dinheiro que eu tenho é para comprar comida básica. Pouco antes de tudo piorar, eu consegui guardar um dinheiro e é a nossa salvação... vamos ter que economizar em tudo. — Eu aceno me sentindo muito perdida. É muita coisa para digerir assim. As caixas começam a ser colocadas na sala principal e quando não dá mais, elas são arrastadas para o corredor. Eu dou uma olhada no local primeiro e chego na cozinha. Ela é minúscula. Tem freezer, fogão, micro-ondas, lava louças e outros itens que são essenciais. Tudo está ligado e funcionando bem. Depois da cozinha, tem uma porta que leva aos fundos e tem o espaço de lavar roupas e tudo mais. Tudo de limpeza é aqui e eu vou já pegando umas coisas para poder dar um jeito no quarto. Esse jeito de poeira está me incomodando. Ao entrar no meu novo quarto, eu noto que ele não exagerou ao dizer que é pequeno. Tem uma cama de solteiro, um guarda-roupa pequeno e uma mobília com gavetas. Não vai caber as minhas coisas aqui. Muitas ficaram em caixas. A cama também é de madeira e eu vou retirando os lençóis organizados nela. A poeira sobe e mais espirros aparecem. Os minutos seguintes são passando vassoura, panos molhado, espanador e produtos de limpeza para melhorar o ar e a vista de ter algo limpo. Depois, é a vez de fazer o mesmo no quarto do meu pai. Ainda bem que as garotas me ensinaram muita coisa. Depois de anos dentro de uma casa, eu tinha que aprender algo. — Lili, não precisa disso... — E ele espirra também. — Eu ia fazer isso aqui. Vamos nos organizar, que dá certo. — Nada disso. O senhor não pode fazer esforço... eu faço a limpeza. Sei como fazer! — E assim, eu vou continuando. Os minutos duram horas e o mundo inteiro se passa na minha cabeça. Vez e outra, eu vou beber água e noto que mais coisas aparecem no frízer e nos compartimentos da cozinha. Não vai dar tempo de limpar a casa toda hoje, mas, pelo menos, não dormiremos com a poeira. Amanhã eu recomeço pelos outros cômodos. Eu arrasto as caixas para os quartos e nesse tempo que eu organizo aqui, o meu pai cuida da cozinha. Eu começo a sentir um certo aroma de comida e ouso achar que deve ser um macarrão. É uma das poucas coisas que ele sabe fazer e pela fome, eu posso comer qualquer coisa. { . . . } De banho tomado, eu coloco uma calça de tecido e uma blusinha de alça fina. Eu passo a escova nos cabelos e saio do quarto louca para comer. Eu estava certa, ele fez macarrão com peitö de frango em cubinhos ao molho com queijo. Bem elaborado! Nós nos servimos para comer aqui na bancada e essa é a nossa mesa. Aqui não tem mesa de sala de jantar. — Espero que goste... está gostoso. — Ele me entrega o prato servido e um garfo. — Obrigada, pai. — O cheiro é ótimo e a aparência também. — O que vai fazer amanhã? — Eu vou lhe ajudar com a organização e também tenho que ir ao banco resolver os detalhes dos itens que serão confiscados. — Isso me dói. — A mansão, os carros, jóias e tudo que tiver... ainda vou ficar devendo umas coisas. — Eu ainda acho que eu posso trabalhar... — Eu volto ao assunto e noto que ele não gosta nada disso. — Lili, não dá! Você estaria correndo perigo de vida e sinceramente, o valor é alto demais para você conseguir pagar. — Eu tenho até medo de perguntar. — Flávio já sabe da nossa situação e logo vai saber aonde estamos... eu preciso também resolver o assunto sobre o seu casamento. — Isso não entra na minha cabeça... como vou me casar com quem não conheço e nunca vi na vida? — Eu nem olho mais para a comida à minha frente. — Isso pode ser resolvido. O meu amigo Gustavo tem três filhos muito bem sucedidos e um deles pode muito bem te proteger. — Ele cismou mesmo com essa conversa de casamento. — Pediu dinheiro emprestado a ele? — Mesmo com medo, eu faço a pergunta. — Já e eu não consegui pagar... — Bem que suspeitei. — Ele é um bom homem, mas homens de negócios não gostam de emprestar um valor e não ter de volta. Nós estamos nessa situação por culpa minha e eu que tenho que resolver... confia em mim. — A fome que eu tinha vai evaporando, mas eu vou comendo à força. Eu me recuso a pensar dessa forma, mas a sensação é que eu fui vendida já que ele não conseguiu pagar a dívida. O dinheiro que ele pediu emprestado e essa casa também emprestada tem um custo e eu estou no meio. É isso, eu fui vendida. Nós comemos em silêncio agora e apesar de gostoso, o sabor parece ralo por causa do nó na minha garganta. Depois de comer eu limpo tudo na cozinha e vou para o meu quarto e fecho a porta. Eu sinto o colchão duro ao me deitar e em segundos, as lágrimas vem como rios correntes. Apesar de cansada, hoje eu não durmo como preciso.
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