- Mais sal no assado de pato! Eu quero mais açafrão neste molho! Mas que... p***a! Onde vocês estão com a cabeça? - Mr. Spotinik, o doce e gentil senhor que conheci uma semana atrás, desapareceu e não tem previsão de retorno. Em seu lugar está um tirano c***l que poderia competir com o próprio Hitler.
Quando cheguei ao restaurante, meia hora antes do meu turno começar, diga-se de passagem, estava com um sorriso esperançoso na boca e com um milhão de borboletas no estômago. O Grease Stars é imponente e intimidante como o inferno com seu pé direito duplo, teto carregado de lustres de cristais, piso brilhante de mármore italiano e garçons em ternos mais caros que o meu carro.
Assim que bati na porta de serviço, que fica num beco mais isolado na lateral do edifício e dá acesso a cozinha, parecia que eu estava no meio do mais empolgante sonho de todos. Nicholas me recebeu com um sorriso atencioso e covinhas em suas bochechas gordinhas, me apresentou a cada m****o da equipe, desde seu braço direito até o rapaz das louças, e me fez um tour com todos os ambientes de trabalho.
Enquanto a equipe se preparava para um turno difícil de sexta-feira, eram todos sorrisos e piadas. Nunca fui tão bem recebida em toda a minha vida. Mas tudo foi para o inferno quando o relógio marcou oito horas. Por ser sexta, o restaurante lotou rapidamente, além das diversas reservas em aguardo para o fim da noite. Nicholas deixou de ser o agradável e sorridente chefe para o tirano c***l que é seu álter ego Mr. Spotinik, que não aceita nada além da perfeição de todos nós, seus pequenos soldados.
Presenciei a cozinha se transformar em um campo de guerra, com pessoas correndo para lá e para cá. A estação dos fogões estava tão quente quando um campo minado. Os sorrisos gentis dos meus colegas de trabalho foram substituídos por carrancas de concentração e suor desenfreado.
E eu? Bem, fiquei um pouco perdida no meio disso tudo. Arriscaria até mesmo dizer que fui um pouco de peso morto, mesmo com Chef St. Claire, braço direito do Nicholas, me auxiliando. Quer dizer, apesar dos gritos descontrolados e das palavras irritadas, toda a equipe funcionou como uma máquina bem lubrificada. Um antecipando o movimento e a necessidade do outro. Fiquei relegada à trabalhos mundanos como cortar um pouco de legumes aqui, experimentar e ajustar um molho ali, e até mesmo tarar a b***a de alguns dos cozinheiros não muito gostosos do lugar. Apesar da simplicidade dos trabalhos, fiz tudo com um sorriso no rosto e o sentimento de satisfação total no peito.
Até que o erro fatal aconteceu. Por volta das nove e meia um dos garçons retornou ao palanque de finalização com um dos pratos quase intacto. Um cliente devolveu, falando que o risoto estava salgado demais. Mr. Spotinik quase teve um ataque cardíaco quando pegou o prato e jogou com tudo dentro do latão de lixo no canto da cozinha. Depois disso, tudo o que podia se ouvir eram gritos indignados e palavrões.
Qualquer outra pessoa que presenciasse a cena poderia dizer trabalhar aqui era para loucos e suicidas, mas gosto de pensar que sou completamente sã e dona das minhas faculdades mentais. Isso é o que eu amo fazer: cozinhar, e bem, comer também. Há uma razão para eu me matar na academia durante minhas manhãs: eu como feito uma porca de noite.
O relógio cuco na parede canta, e quase não pode ser ouvido através de todo o barulho no lugar, mas alerta a todos que já são meia noite, o que significa que meu turno está quase no fim. Meus pés latejam e minhas costas estão molhadas de tanto suor. Suspiro, e começo a organizar minha estação de trabalho. Não fiz muito, mas tenho um sentimento maravilhoso de dever cumprido.
- Stewart, como foi seu primeiro dia na cozinha do inferno? – Clara, uma mulher de quarenta e três anos e dona das mãos mais doces que já conheci até hoje, pergunta.
- Foi tudo o que eu esperava e mais. – Respondo, sorrindo, e olhando para seus olhos negros.
Ainda nesta tarde Clara perguntou qual era a minha afinidade na cozinha, que acabou de ser a mesma que a dela: doces, e me puxou para debaixo de sua asa, me mostrando o pré-preparo da maioria das sobremesas do menu do restaurante. Apesar da idade, a mulher alta, de pele chocolate, se movia com a graça de um gato, enquanto trilhava seu caminho na cozinha e me contava histórias sobre sua vida, os países em que visitou e os restaurantes que trabalhou.
Ela foi casada oito vezes. Sim, isso mesmo, oito. Afirmando para mim, uma moça jovem e bonita, palavras dela, que trabalhar numa cozinha era como um casamento em constante crise. Exige dedicação total de você e um comprometimento inabalável para segurar as pontas quando tudo parece prestes a desmoronar a sua volta.
Apesar de ser uma romântica incurável, ela nunca teve filhos. Seu atual marido tem dois e de acordo com ela, eles são tudo o que seu pequeno coração pode aguentar, já que ela se considera uma mamãe coruja mimando e correndo para ajuda-los sempre que possível.
- Isso é uma coisa maravilhosa de se ouvir! Espero que você tenha vindo para ficar, querida. Eu realmente gostei de você. – Ela fala e passa por mim, indo para o corredor que dá acesso á porta de saída, e bate no meu ombro com tapinhas amáveis. – Lembre-se do que eu te disse, quando tudo estiver um caos, este é o momento de levantar a cabeça e seguir em frente. É uma vida exigente, mas te recompensa em dobro.
- Totalmente acredito em você. Boa noite, Clara. – Me despeço e entro numa sala que fica a direita no corredor.
Abro meu armário e pego meu celular. Cinco mensagens de texto
Mamãe: Estou torcendo por você!
Sorrio. Minha mãe é a alma mais doce e solícita que já vi na vida.
Eu: Foi tudo um sonho, obrigada mãe!
Amanda: Você levou suas roupas para hoje à noite?
Amanda: Óbvio que não. Estou olhando para elas agora, em cima da sua cama. Vou levar para você. Espero que aí tenha chuveiro.
Amanda: Aliás, seu quarto é uma bagunça do c*****o.
Gargalho, enquanto sinto minhas bochechas arderem. Posso ter aceitado meu traço de bagunceira, mas é sempre constrangedor quando outras pessoas presenciam o meu caos pessoal. A última mensagem chegou há apenas três minutos. Também da Amanda afirmando que estava a caminho.
Hoje estamos dando continuidade a celebração do novo emprego. Minha amiga decidiu que apenas nos embriagar em casa não era o suficiente, então quase me chantageou para topar sair com ela hoje depois do meu turno. Apesar do horário tardio, o movimento nas casas noturnas está apenas começando a ficar bom, afinal de contas isso é Nova York, vadias, a cidade que nunca dorme.
Infelizmente, meu corpo não concorda comigo. Gemo em dor quando me sento e tiro meus sapatos de vovó. Só espero que Amanda não tenha me trago um enorme salto matador para usar. Tomando uma respiração profunda, me levanto e vou até a porta que dá acesso ao beco, e enquanto espero, ligo para minha mãe.
- Olá, querida! Como foi o seu primeiro dia? – A voz melódica de Margareth Stewart chega até mim.
- Foi incrível, apesar de ter sido um demolidor de músculos. Estou tão dolorida. – Suspiro, enquanto minha mão livre tenta, em vão, massagear meus ombros duros.
- Oh, meu amor, estou tão feliz por você! Não tinha dúvidas de que você ia passar por isso com tranquilidade e segurança.
- Obrigada, mãe.
Assim que termino a ligação, o honda usado da Amanda para no estacionamento logo a frente. A loira de um metro e setenta e cinco de altura mais parece uma modelo, mas na realidade minha linda amiga é uma contadora júnior numa das maiores empresas de capital de risco da cidade.
Ela veste um vestido de paetê prata que bate logo acima dos joelhos, mas que tem as mangas compridas. Seu cabelo está em ondas selvagens e bate na cintura, enquanto os olhos esfumaçados e boca nude complementam o visual. E, desconsiderando toda sua altura natural, um scarpin preto de doze centímetros enfeitam seus pés.
Ela está matadora, e eu gemo por dentro, porque muito provavelmente a minha roupa é algo parecido. Não, nada de traje confortável para mim hoje.
- Hooola, estranha! - Fala ela, enquanto passa os braços pelo meu pescoço e me puxa para um abraço.
- Hey, pegajosa! - falo, enquanto desgrudo ela de mim.
- E então? Preparada para nossa noite?
- Mais do que estou, impossível. Só tenho que tomar uma chuveirada e me preparar o melhor que posso, devido as minhas condições de ambiente. Estou cheirando a fumaça e suor.
- Claro... mas seja rápida. Estou sem tempo para o seu ritual de transformação hoje.
- Eu não fui abençoada com os genes de fada como você. Se você quer esta menina arrumada, então você precisa dar tempo a ela. – Exclamo logo antes da porta bater atrás de mim.
Escuto ela gargalhar enquanto entro no banheiro compartilhado. Amanda e eu somos como água e vinho. Mais diferentes impossíveis. Enquanto ela era extrovertida, alegre e brincalhona, eu era mais marrenta e tímida. Puxei o gênio do meu pai completamente. Entretanto, quando nos encontramos pela primeira vez foi como se fogos de artifícios explodissem a minha volta e tudo clicasse no lugar.
Era apenas a segunda semana de aula na St. Andrew’s HS e eu já tinha me tornado oficialmente a DUFF dos meus irmãos mais velhos, quero dizer, Josh e Travis, que estavam mais perto da minha idade, apesar de ambos estarem na faculdade no momento em que comecei o ensino médio. Isaac, o primogênito Stewart, já estava no programa da aeronáutica americana.
Você tem noção de como é frustrante tentar se entrosar com outras pessoas, mas quando elas olham para você só enxergam pontes para outras pessoas? Josh estava muito ocupado lendo cada livro conhecido pelo homem para se dar ao trabalho de lidar com garotinhas do ensino médio, palavras dele, não minhas, já começando a trilhar seu caminho para o mundo corporativo antes mesmo de se formar oficialmente na universidade. O que fez com que a maior parte da atenção se voltasse para Travis, não que ele se importasse. Ele apreciou cada elogio, sorriso e atenção constante da população feminina enquanto treinava suas jogadas de hóquei e se tornava o mais novo capitão do time universitário em que jogava.
Os rapazes me evitavam, devido às ameaças constantes que os meus irmãos faziam sempre que viam um garoto a um metro de distância de mim, enquanto as garotas só se aproximavam para perguntar sobre os rapazes. Quem vem de uma cidade pequena como eu, sabe como as pessoas se comportam . Tudo isso era estressante e irritante ao mesmo tempo.
Mas Tudo mudou quando uma loura com cara de poucos amigos me perguntou se eu era estúpida por ficar encarando o chão enquanto caminhava pelos corredores da escola. Quando retruquei e ela arregalou os olhos e sorriu, sentimos a ligação mútua. Desde então somos como unha e carne. O resto é história.
Suspirando e saindo do meu devaneio, saio do chuveiro e começo a saga que é tentar me arrumar no banheiro do meu trabalho.