- JAIR O LEÃO E A PROPOSTA

1535 Palavras
Ponto de vista de Jair " O Leão " Eu explico tudo o que aconteceu, informando que Killey está bem e que conseguimos salvá-lo de uma investida inimiga. Mas, ao invés de alívio, vejo apenas impaciência no rosto dela. — E o Dentuço? — ela insiste, incisiva. Solto um suspiro, tão frustrado quanto ela. — Fugiu. Vejo seus olhos se estreitarem, sua mandíbula se contrair. Também estou puto com essa situação, mas agora não adianta remoer isso. — Precisamos nos reagrupar e continuar a missão — sugiro. Ela não responde imediatamente. Em vez disso, muda o foco. — E seu amigo Netlinker? — Ele está bem. Mas sei que não é isso que ela quer ouvir. Ela me encara e ordena: — Então chama ele. Quero que comece a analisar esses datachips e tente quebrar as criptografias enquanto eu cuido do resto. — Certo, vou chamá-lo. Pego o rádio e faço a chamada sem hesitar. Enquanto espero resposta, noto que Kira mexe em algumas caixinhas cheias de datachips e me entrega e sua atenção logo se volta para o rio. — Jair, vou seguir pelo rio e chamar algumas pessoas para recolher o que consegui. Não confio em ficar aqui com tudo isso. — Ela fala ligando novamente a lancha e já começando a se afastar. Eu queria que ela fosse até minha tenda primeiro. Lá tem comida, água, um lugar seguro para ela descansar. Mas antes que eu consiga chamá-la de volta, ela já está partindo. Ainda a escuto dizer algo que me intriga e, ao mesmo tempo, me diverte: — Mas eu volto antes de você falar: "O peito do pé de Pedro é preto." Ela é linda, forte, implacável... e ainda tem esse senso de humor afiado. Quem mais pensaria num trocadilho desses? Pior é que fico feito um bobo tentando falar a frase rápido, mas me embolo todas as vezes. Tento mais algumas vezes, frustrado, até que finalmente desisto, rindo sozinho. Mas logo volto ao que realmente importa. Tenho algo a fazer. Preciso me encontrar com Ghost no acampamento e entregar esses dados para ele analisar. E, acima de tudo, preciso chamar a atenção dela. E eu sei exatamente como fazer isso: sendo eficiente. Kira admira quem entrega resultados. E eu vou dar a ela exatamente isso. Logo que me encontro com Ghost entrego os datachips, ele prontamente começa a trabalhar neles. Já se passou quase três horas e finalmente Ghost volta até mim com resultados. Ele descobriu sobre o Dentuço estar escondido em um Bunker, eu dou um sorriso orgulhoso por termos achado o local. Então Ghost lança a pergunta com um tom meio cínico, arqueando uma sobrancelha: — Cara, você tá interessado na Kira? Ela parece uma mulher difícil de acessar. Eu que até então tava focado no assunto do bunker, desvio o olhar por um instante, e pondero como responder. Então, com um meio sorriso, eu o respondo: — Kira é uma mulher linda. Tem uma sagacidade combativa enorme e uma desenvoltura em campo absurda… — Eu pauso por um segundo, mas as palavras vem sozinhas, sem esforço. — Além disso, o corpo dela… é incrível. As curvas, o jeito que ela se move, até o cheiro que exala… às vezes me pergunto se ela tem implantes de feromônios porque… De repente, eu paro de falar notando que estou ficando excïtado de novo e percebi que havia falado demais. Meu olhar fixa no vazio por um instante tentando me distrair para que meu päu não enrijeça de novo, e Ghost solta uma risada curta, cruzando os braços. — Você tá ferrado, mano. — Ghost debocha, balançando a cabeça. Tento me manter impassível, pigarreio e tento recuperar a compostura. — Foco no bunker. — digo, desviando o olhar, mas Ghost apenas sorri, claramente se divertindo com a minha situação. Ghost olha por trás de mim, com uma cara de surpresa e divertimento, quando ouço sua bela voz lançando a pergunta: — E então, quais as novidades? Conseguiu acessar as informações dos chips? Ghost troca um olhar rápido comigo antes de responder: — Sim. Descobrimos que a Dra. Chambers ficou sabendo de um plano do Dentuço. Ele já tinha roubado uma quantia absurda de diversos líderes da máfia, chefes de gangue e até políticos de Manaus. Esses caras lucram com o tráfico que rola aqui na Cidade da Sucata enquanto lavam dinheiro por meio de corporações de fachada na capital. Ghost pausa como se digerisse a ironia da situação, e então continua: — O Dentuço sabia que, quando descobrissem o rombo, esses figurões iriam atrás de alguém para culpar. Então ele decidiu se antecipar. Pretendia usar o ataque da resistência como cortina de fumaça, jogando a responsabilidade dos prejuízos nas nossas costas. Com isso, sairia limpo da jogada. Ficaria escondido no bunker até a poeira baixar e, quando tudo esfriasse, voltaria para reerguer seu império. Ghost solta um riso curto, cruzando os braços. — E o pior? Ele ainda sairia como herói da história. Ardiloso pra cacëte. — E ela tinha a localização do bunker? — Kira pergunta com um tom carregado de determinação. — Quero terminar o que comecei. Ghost a encara com um olhar astuto, um pequeno sorriso de canto de boca. — Tinha. E acabei de te enviar. — Ele dá um leve toque na lateral da própria cabeça, indicando a transmissão dos dados. Ela sorri levemente e acena positivamente. — Ótimo. Então, estou indo. — Ela sorri novamente mas agora com aquele sorriso que me arrebata toda vez. Mas eu desvio o olhar por um instante, claramente desconcertado, enquanto um leve rubor surge em seu rosto. Ghost, por outro lado, apenas sorri de volta, inocente como sempre. Respondo empolgado, notando que Ghost também fala ao mesmo tempo que eu todo empolgado. — Boa sorte. Até sinto uma pontada de ciúmes quando vejo Ghost tão animado com Kira, mas sou realista o suficiente para saber que ela deve estar acostumada com constantes investidas românticas. Ao mesmo tempo, percebo que ela desperta medo nas pessoas, e talvez seja isso que as mantenha afastadas—o que, para mim, é uma vantagem. Mäl consigo conter o sorriso ao pensar nisso. Na verdade, a ideia de largar tudo nesta cidade e ir para Manaus com ela está se tornando cada vez mais tentadora. Enquanto me perco em pensamentos, vou organizando tudo aqui e ali. Com a queda do Dentuço—porque tenho certeza absoluta de que Kira vai matá-lo—o poder mudará de mãos. Não iremos tomar o controle, claro, mas a resistência sim, e eles têm bons planos. Mas, para mim, o que importa agora é que todos os meus planos incluem Kira. Não posso deixá-la. Não fui até o bunker porque tenho muitas coisas a administrar, e, no fim das contas, sou apenas um Sicário. Mas estou tentando, dando o meu melhor. Quem sabe, ao me esforçar o suficiente para me aproximar do nível dela, Kira finalmente me enxergue como um macho confiável, alguém de atitude. Alguém digno de estar ao seu lado. Metade do dia se passa até que recebo a notícia: Dentuço está morto. Sua comparsa também. Mas não temos notícias de que Dentuço tinha uma comparsa tão íntima assim, a ponto de estar no tal bunker esperando por ele. E, como se tudo já não estivesse um caos, o bunker foi destruído. Mas dessa vez, Kira não teve nada a ver com isso. Alguém usou um explosivo de média potência com termite, projetado para queimar tudo por dentro e erradicar qualquer vestígio—micro-organismos, equipamentos, segredos. Tudo virou cinzas. Ainda assim, Kira e Killey saíram ilesos. De novo. Eu não devia mais me surpreender, mas não consigo evitar. Kira é incrível. Fria, letal, imparável. Essas foram as notícias que chegaram até mim. Logo mais, ao anoitecer, Kira e Killey retornam. Kira exibe um semblante tranquilo, sereno até demais para alguém que acabou de destruir um terço de uma cidade, mätar um monte de gente e sair ferida no processo. Para completar, está praticamente nua, com as roupas rasgadas e sujas de sangue, mas, de alguma forma, parece completamente realizada. Não há um traço de desconforto ou angústia em sua expressão. Ela está lindamente perfeita. Fico observando-a por um instante, deixando minha mente vagar. Essa mulher é um enigma—e talvez seja exatamente isso que me atraia tanto. Antes que eu possa me conter, as palavras saem da minha boca: — Vamos juntos para Manaus. Ela ergue o olhar para mim, surpresa por um breve momento, mas logo volta a sua postura impassível. Espero por uma resposta, meu coração batendo mais forte do que deveria. Eu nunca fui de pedir nada para ninguém, mas por Kira… bem, por ela eu abriria mão de muita coisa. — Você quer ir comigo? — ela pergunta, sua voz carregada de curiosidade. — Quero — digo sem hesitação. — Estou cansado daqui. Cansado desse jogo. Se você está indo, então eu também vou. Kira me encara por mais alguns segundos, como se tentasse decifrar minhas intenções. Não sei se ela aceita ou se apenas arquiva minha proposta para pensar depois. Mas, seja como for, eu já tomei minha decisão. E, no fundo, espero que ela me deixe segui-la.
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