- Capítulo Quatro "Suprimentos"

4997 Palavras
"Que demora dele..." pensou Isaac, sentando na calçada da frente da casa de Luiz Felipe. Amara caminhou lentamente até ele e encostou a mão direita em seu ombro. — Isaac? Você não acha que deveria ir atrás de Luiz? Essa demora me preocupa... — falou a mulher, franzindo o cenho e praticamente adivinhando o que Isaac pensara. — Sim, já faz mais de quarenta minutos... vou ver o que aconteceu e já volto! — decidiu o militar, conferindo sua Glock. Isaac levantou e bateu a poeira de sua roupa. — Bem, filho... com essa demora seu amigo ou está morto, ou está com caganeira! — ironizou Carlos, deitado no banco do terraço da casa em que estavam. Só de ouvir aquela brincadeira s*******o o militar sentiu vontade de xingá-lo. Como uma pessoa poderia ser tão i****a em uma situação dessas? Principalmente falando do rapaz que acolheu todo mundo em sua própria casa? — Meu Deus... perdoem ele! Ás vezes fala coisas sem noção... — pediu Maria, envergonhada com a atitude áspera dele. — Cala a boca, mulher! Eu só estava brincando! Ainda bem que esse policial b***a mole vai fazer alguma coisa, nunca vi alguém demorar tanto para tomar uma atitude... Isaac sentiu uma pontada de raiva ao escutar aquilo, porém decidiu manter a calma e seguir adiante, pois Carlos Nogueira poderia enfartar ao ter algum estresse extra. — Tudo bem, sei que o senhor está passando por uma situação complicada, mas TODOS NÓS estamos m*l. Provavelmente perdemos parentes, emprego, rotina e entre outras coisas que amávamos, e nós estamos tentando te ajudar! Porém parece que você não quer ser ajudado e fica falando merda a cada instante! Lembre-se: foi o Luiz que te trouxe aqui, se continuasse sozinho naquela casa você morreria na frente da sua esposa! Sorte sua que eu sou enfermeira e tenho um estoque de Rivotril, Pressat e outros medicamentos para pressão em casa, pois papai é hipertenso e quando vem me visitar geralmente esquece seus remédios! Então desde já agradeço se puder manter sua boca fechada! — falou Amara Nakamura, com um pouco de ignorância. O velho abriu a boca para poder rebater o que ela tinha dito, mas pensou duas vezes e decidiu aquietar-se. Isaac e Amara trocaram olhares rápidos e ela percebeu a gratidão no sorriso tímido dele. Carla saiu de dentro de casa devagar, pegou algumas mochilas plásticas com as coisas recém-trazidas por Amara, e entrou novamente. — Irei colocar tudo na sala, e aí quando Luiz chegar, ele decide onde você vai dormir, ok? — disse a mulher, tentando ser gentil com Amara. — Muito obrigada, Carla! Por mim está perfeito. E Maria... fique de olho em Carlos, depois do Rivotril ele vai se acalmar mais. Logo, logo irá cair no sono! Maria acenou com a cabeça e voltou a acariciar os cabelos de seu marido. Isaac esperou Amara fechar o portão da casa e começou a caminhar. Ele seguiu o trajeto pelo qual o amigo disse que iria e foi entrando de casa em casa para descobrir o paradeiro do rapaz. A pistola estava firme em sua mão suada, a noite já havia chegado e nem todos os postes de iluminação das ruas do condomínio estavam funcionando. "Relaxe Isaac, você está bem. A prioridade é encontrar Luiz... que ele esteja vivo..." pensou o militar, temendo pelo que poderia encontrar. ... A energia elétrica do condomínio finalmente começou a oscilar. As luzes começaram a piscar e foram ficando mais fracas. Em alguns momentos parecia que cairia, mas de repente voltava ao normal. "p**a que pariu... se a energia acabar tudo vai ficar ainda pior. Por favor, meu Deus... isso agora não!". Isaac continuou o seu trajeto quando reparou que uma das casas estava com o portão aberto. O homem segurou firme a Glock e se encostou no muro da residência. Ele até pensou em gritar pelo nome do amigo, mas imaginou que aquela não seria uma boa ideia, pois se tivessem loucos na área ele atrairia todos para si. O suor escorria lentamente pela testa do militar. Sua camisa estava começando a encharcar. O medo que ele sentia fazia suas mãos tremer, mas não podia desistir ali. Ele realmente não estava afim de entrar naquela casa escura, mesmo assim, Isaac começou a caminhar pelo corredor do local, até que chegou na sala de estar. O rapaz sempre andava com seu celular, e mesmo com a bateria fraca e sem área, ele ligou a luz do flash para ver o que tinha ali. Uma imensa bagunça. Piso imundo, muita poeira, livros e DVDs jogados no chão, vários móveis quebrados e por último... Luiz deitado de bruços. — Luiz... p**a que pariu, cara! Você está bem? Isaac colocou o celular no chão de modo que a luz ficasse apontada para o teto e chacoalhou o rapaz desmaiado. Não obteve nenhuma resposta. Ele encostou o ouvido no peito do amigo e conseguiu escutar sua respiração fraca e desregular. Luiz estava vivo. — Oxe... O que aconteceu aqui? — indagou ele. Isaac viu que o rosto de Luiz estava ensanguentado e que provavelmente alguém o tinha agredido. Ele levantou a camisa do rapaz para conferir suas costelas e percebeu que em alguns pontos tinham marcas roxas e pequenos cortes. Luiz estava muito machucado e precisava de ajuda médica urgente. Não dava para saber a gravidade dos ferimentos naquele local m*l iluminado. — Vou te tirar daqui! Isaac sentou o rapaz ferido e o colocou encostado na parede, foi até a cozinha e viu a cena da confusão. Parecia que um furacão tinha entrado no local. A mesa estava revirada, vidros quebrados, o chão muito ensanguentado, objetos soltos por toda a parte e um homem morto. O militar tomou um susto ao perceber o cadáver. Ao se aproximar com cuidado e colocar a luz do celular perto do corpo, Isaac pôde perceber que não se tratava de uma pessoa comum, e sim de um infectado. — Meu Deus... O militar deu dois chutes leves no corpo do doente e viu que aquela coisa não atacaria mais. De alguma forma Luiz lutou com o maníaco e conseguiu vencer. — Vamos, cara... Amara precisa dar uma olhada nos seus ferimentos! O militar levantou o homem do chão, apoiou-o ao redor dos seus ombros e o levou de volta para casa. ... — Ele está m*l. Irá repousar por algumas horas, mas não corre risco de morte. Longe disso. Creio que machucou uma das costelas da direita, feriu o nariz e abriu um pequeno pedaço do supercílio esquerdo. Tem sorte de não ter sido pior, porém não sabemos ainda se ele está infectado ou não... na verdade não sabemos como a infecção dessa doença se dá, então precisamos esperar ele acordar para ver o que acontece! — disse Amara Nakamura, dentro do quarto principal da casa, ao lado de Isaac, Milena, Carla e Maria. — Acho melhor deixar ele descansar. Vamos nos organizar pelos quartos restantes e a sala. Eu posso dormir em qualquer lugar, mulheres e crianças tem preferência aqui, mas eu acho melhor deixar a porta do quarto de Luiz aberta para caso ele acorde. Eu mesmo posso ficar de olho nele. O que me diz? — perguntou Isaac, percebendo que todos ali estavam de acordo antes mesmo de terminar de falar. — Por mim tudo bem. Irei analisar a situação dele de instante em instante, porém devo ser sincera... não temos medicamentos suficientes aqui, precisamos de todos os tipos de remédios. Remédios para dores, inflamações, febre, antibióticos, soro fisiológico, gaze e entre outros itens que só tem em farmácias. Mas nós sabemos que as ruas são extremamente perigosas com esses monstros à solta por aí... e se um deles fez isso com um de nós, imagina o que um bando deles faria? — Amara tinha total razão, a situação não estava boa. — O melhor a se fazer nesse momento é descansar, amanhã alguém poderia pensar em um jeito de trazer os medicamentos, sendo que a essa hora da noite... seria cedo antes da epidemia, mas agora a escuridão das ruas se tornou um perigo mortal! — comentou Carla Andrade, com as sobrancelhas arqueadas. — Amanhã de manhã eu vou no centro da cidade. Se precisamos dos medicamentos e eu sou o único com treinamento militar... sinto que tenho essa responsabilidade nas minhas costas. Peço que você e Amara vasculhem algumas das casas que já revistamos hoje, e tragam todo e qualquer suprimento necessário para nós. Isso não é roubo, não nessa situação. Estamos lidando com uma calamidade que mudará nossas vidas para sempre. O governo não deu as caras, o exército também não, as pessoas adoeceram e até o momento estamos sozinhos. Peguem tudo o que for necessário e vamos montar um acampamento aqui. Se Luiz acordar enquanto eu estiver fora acalmem ele e não se preocupem comigo. Eu sei me virar bem e estarei de volta antes do anoitecer. E também se eu não voltar... não vão atrás de mim. Eu provavelmente vou estar lascado! Aquele discurso de Isaac assustou a todos dali, fazendo com que Milena esbugalhasse os olhos. — Eu... tinha me esquecido que você estava aqui, Milena... me perdoe! A garotinha começou a encher os olhos de lágrimas e abraçou Carla. — Não fique assim, meu bem. Isaac voltará o quanto antes e com boas notícias, ok? — disse Carla, tentando acalmá-la. — Eu não sou idiota... sei que tem monstros lá fora e sei também que você pode morrer, Isaac. Só tente voltar vivo e com remédios, ok? — pediu ela, enxugando as lágrimas que escorriam pelo rosto. — Eu vou voltar. Cedo ou tarde. Não se preocupe comigo. Já passei por coisas piores... — Só uma última coisa... não seria melhor amarrar Luiz na cama? E se por acaso ele... sei lá... virar um daqueles maníacos? — indagou Carla, envergonhada por cogitar isso e ao mesmo tempo preocupada. Isaac e Amara se entreolharam. A enfermeira caminhou lentamente até o rapaz adormecido e tocou com a palma da mão na sua testa. — Desnecessário. Nem febre ele está tendo, então eu realmente creio que não tem riscos de se transformar. Seria desumano tratar uma pessoa que nos acolheu em sua própria casa dessa maneira... vamos dar tempo ao tempo, Luiz precisa se recuperar! E percebam também que todos os doentes que vimos tinham veias pretas bem grossas saltadas do corpo todo, além de olhos negros, o que visivelmente não está acontecendo com ele — respondeu Amara, conferindo também a temperatura do pescoço do homem ferido. Carla abaixou a cabeça e, junto com ela, todos que estavam no quarto saíram, deixando a porta entreaberta como combinado. Depois de se alimentarem com um arroz recheado de carne, os sobreviventes se aconchegaram na sala de estar. Eles colocaram colchonetes pelo chão, pegaram lençóis e almofadas, ligaram o PS5 e a TV, colocaram para rodar os filmes da saga Harry Potter enquanto não caíam no sono e tentaram esquecer todos os problemas. Porém era inevitável não pensar naquela situação. Isaac passou um bom tempo do lado de Luiz, mas depois decidiu descansar e foi deitar no sofá, olhando para a televisão sem muita vontade de assistir. Carla estava em um dos colchonetes no chão junto com Milena; Maria e Carlos ficaram com o quarto de hóspedes no térreo e, por fim, Amanda tentava dormir em um dos colchonetes da pequena sala do primeiro andar (perto do quarto principal, onde Luiz se recuperava). Milena já tinha apagado junto com Carla e, mesmo estando sonolento, Isaac não conseguia relaxar. O clima era agradável, o ventilador não fazia barulho e refrescava as pessoas que estavam ali. Além disso, o som da TV estava bem baixo, fazendo o militar se lembrar de quando dormiu em alguns hotéis, deixando a televisão ligada só para poder cair no sono mais rápido. Isaac sentia muita falta de seus amigos e de seus pais. A angústia corroía seu corpo por dentro, pois no fundo ele sabia que nunca mais iria ver o rosto de sua mãe novamente. Mesmo assim ele precisava ser forte. Várias vidas dependiam dele naquela situação. Lembrou-se de Milena e de como era triste a situação da garotinha. Também se lembrou de Luiz e de como o rapaz acolheu todos ali sem reclamar. E finalmente também pensou em Amara. Aquela mulher o tinha atraído um pouco. O jeito meigo e simpático dela mexeu com os pensamentos de Isaac, porém ali era o local e hora errada de se tentar algo a mais, então resolveu esquecer. A única coisa que realmente importava para ele agora era descansar para poder no dia seguinte tentar trazer os suprimentos de que precisavam. A situação deveria estar feia também nos outros países, mas pensar naquilo poderia enlouquecer qualquer um. Se o mundo sucumbiu ou não, eles não podiam fazer nada para mudar isso. Somente sobreviver... O próximo dia prometia ser muito longo. Isaac não conseguia parar de se lembrar dos infectados. Ele sabia que talvez não sobrevivesse a essa busca de medicamentos na cidade, porém precisava manter a calma e dormir para recuperar suas energias. Mesmo com as mãos trêmulas, o militar tentou fechar os olhos. Ele desligou a TV e, aos poucos, sua consciência foi se esvaindo, entrando em um sono profundo. Mal sabia Isaac os problemas que estavam por vir. ... — Isaac, acorde! O café já está na mesa! — chamou Milena, cutucando o braço do rapaz. — Hãn? Ah... Obrigado... já estou indo! Ele levantou do sofá aos poucos e foi direto para o banheiro. Amara, Carla, Milena, Maria e Carlos estavam espalhados pelos aposentos da casa e provavelmente já estavam acordados a algum tempo. — Bom dia, Isaac. Você precisa de alguma coisa? — perguntou Amara, sentada em uma das cadeiras da cozinha, que era perto da sala principal e não tinha paredes dividindo os dois espaços. — Bom dia. Bem... vou tomar um banho e depois me arrumar. Preciso me preparar para ir até o centro da cidade! — respondeu ele, com a voz levemente rouca. — Apronte-se então. Enquanto isso farei um sanduíche pra você! O carro de Luiz está com mais da metade do tanque de gasolina, dá pra ir tranquilamente! — disse Carla, lavando alguns pratos sujos. — Certo. Muito obrigado! Isaac se dirigiu ao banheiro e tomou seu banho. Em pouco tempo ele já estava pronto, vestindo uma blusa cinza de gola careca e calça jeans preta, alimentando-se em seguida. Antes de sair deu uma conferida em Luiz e viu que a situação do rapaz estava a mesma. A qualquer momento ele poderia acordar. Ou não. Isaac entrou no Siena e deu a partida. Ele sempre andava com sua bolsa, e dessa vez deixou ela bem vazia (somente contendo um pente de munição e uma garrafa de água). — Boa sorte, rapaz! Traga de tudo um pouco! — disse Carlos, sentado no banco do terraço. — Vou tentar! Se a situação estiver muito feia eu volto. Não quero correr risco à toa! Além disso, temos uma grande mina de ouro dentro desse condomínio! Espero que vocês encontrem vários utensílios por aqui! Carlos acenou com a cabeça e Isaac saiu com o carro da garagem, colocando a pistola no console do veículo. Até chegava a ser estranho ver aquele homem sendo gentil. "Acho melhor estacionar alguns quilômetros antes da entrada da cidade" pensou o militar, já imaginando o caos instalado em Palmares. Isaac tinha certeza que o barulho do veículo atrairia a atenção de milhares daqueles maníacos, então decidiu deixar o carro em algum local seguro longe das áreas de pico populacional. Ele abriu o portão principal do condomínio com o controle remoto e seguiu seu destino. Cerca de vinte a trinta minutos depois, Isaac chegou na entrada da cidade. "BEM-VINDOS A PALMARES! TERRA DOS POETAS!" Sinalizava a imensa placa erguida no meio de uma praça circular cor de cimento, com alguns canteiros de flores. Do outro lado tinha um piso com uns trinta centímetros acima do chão com as letras "PALMARES" de concreto e bem grandes, a fim de embelezar a entrada da cidade. E por incrível que pareça, o local estava totalmente deserto. A estrada tanto de ida como de vinda para adentrar na cidade tinha diversos carros abandonados, e nenhum sinal de pessoas ou infectados. Na divisória das vias havia uma fina calçada com várias palmeiras ao longo do caminho, até chegar em uma ponte, a qual levava na direção da Sulanca, um ponto tradicional da cidade, onde ocorriam festas e bares. — Que estranho... Isaac estava surpreso, pois antes de fugir junto com Luiz, Carla e Milena, vários infectados dominaram as ruas e começaram a matar as pessoas em plena luz do dia, causando uma confusão irrefreável. Porém agora tudo estava quieto. Nenhum sinal de vida. Alguns corpos estavam jogados pelo meio da pista e pelas calçadas, estraçalhados e com bastante sangue coagulado sujando as ruas. Dezenas de pessoas mortas, mas... onde estavam os assassinos? Onde estava todo mundo? Várias perguntas e nenhuma resposta. Mesmo assim o militar decidiu continuar entrando na cidade, porém com extrema cautela. — Ok... tem uma farmácia enorme bem no coração da cidade... Farmácia Boa Vida. Vou tentar alcançá-la... — disse ele sozinho, deixando a pistola em cima do banco do passageiro. Isaac desviava dos obstáculos da pista, decidindo não olhar diretamente para os mortos e tentar não pensar naquilo. Seu coração disparava e suas mãos tremiam. O suor escorria como se estivesse do lado de fora do veículo naquela manhã quente, porém o ar-condicionado estava ligado no máximo. O homem percorreu as ruas palmarenses e não viu um infectado sequer. Alguma coisa estava errada. "Será que a infecção foi controlada? Ou o exército passou por aqui e eliminou todos? Meu Deus, o que tá havendo?" Definitivamente ele não saberia responder o porquê das ruas estarem desertas. Mas sua intuição alertava do perigo a cada segundo que passava, fazendo com que o militar se arrepiasse a cada instante. — f**a-se... vou aproveitar a brecha para estacionar na frente da farmácia... seja o que Deus quiser! Isaac seguiu seu caminho lentamente até chegar na frente da Farmácia Boa Vida, que era bem perto da praça Paulo Paranhos (a principal de Palmares). Ele olhou de relance para o supermercado onde estava antes de tudo acontecer e viu vários corpos dilacerados na frente do estabelecimento. O rapaz estacionou o veículo com calma, desceu, pegou sua arma e fechou a porta bem devagar. — Bem... não se desespere... — cochichou para si mesmo. Aquilo parecia um campo de batalha. Muito sangrento. Centenas de pessoas que antes tinham suas vidas pacatas estavam jogadas de forma desrespeitosa no chão. Uns sem cabeça, outros sem pernas e outros sem forma de tanto que foram esquartejados, reduzido a grotescos pedaços de carne humana. Isaac tentou segurar o vômito, mas não conseguiu. Ele se encostou na porta do veículo, agachou-se e colocou tudo o que tinha comido de manhã para fora. — Ugh... Aquela cena foi demais para ele. Nunca antes tinha visto um m******e naquelas proporções. Mas onde estavam os autores daquela barbárie? Realmente algo de muito errado estava acontecendo. ... Isaac se aproximou da entrada da farmácia. Todo o local havia sido saqueado e depredado. As luzes estavam queimadas, vários objetos jogados pelo chão, cacos de vidro espalhados, os balcões quebrados e sujeira em tudo que é canto. — Deus... Um dos corpos provavelmente seria de um trabalhador da farmácia, pois tinha um crachá preso na camisa ensanguentada. O homem deveria ter uns 50 anos. Ele era n***o, alto, trajava o uniforme dali e não tinha uma das pernas e a cabeça. Os membros arrancados estavam ali perto, espalhados. Já o outro corpo estava irreconhecível. Era somente um poço de sangue coagulado e carne. "Quero sair daqui o mais rápido possível" pensou Isaac, sentindo calafrios. Então o militar começou a vasculhar o local. Remédios, suplementos vitamínicos, água, chocolates e diversos outros suprimentos essenciais foram sendo pegos e colocados dentro da mala do veículo. Medicamentos para hipertensão, para dores, febre, tosse, antibióticos, e de todos os tipos de doenças possíveis foram sendo "saqueados" por ele. Ao terminar de encher a mala do carro, Isaac percebeu que não precisava de mais nada, e que era hora de ir embora, mas antes que pudesse sair, viu algo que despertou sua curiosidade. As manchas de sangue dos dois corpos esquartejados guiavam para os confins da farmácia, ao qual tinha uma porta branca com uma placa dizendo: "SOMENTE FUNCIONÁRIOS". — Eu sei que vai dar merda... — cochichou ele para si mesmo, sentindo que não deveria conferir aquela sala. Contudo a curiosidade era maior que o medo. E se estava tudo indo tão bem agora... o que poderia dar errado? Isaac fechou o carro, colocou as chaves no bolso direito e tocou na pistola que estava na parte de trás da calça só para acalmar a mente e saber que ela estava ali em caso de emergências. Ele caminhou lentamente pela escura e abafada farmácia até chegar perto da porta. No chão, perto do corpo irreconhecível, tinham dois itens que passaram despercebidos por ele: um revólver calibre 22, preto e pequeno, e um facão do tamanho de seu antebraço, melado por sangue coagulado. — Hoje é meu dia de sorte! Isaac pegou a arma suja, limpou-a rapidamente, colocou na parte lateral da calça e segurou o facão com sua mão direita. A porta ainda estava ali, quase que pedindo para ser aberta. O militar foi até a entrada dos funcionários e girou a maçaneta. E ela se abriu. A porta rangeu e a fraca luz do dia entrou no local malcheiroso e mofado. — Quem... Isaac arregalou os olhos ao ver a merda que tinha acabado de fazer: três infectados estavam de frente para a parede dos fundos da pequena sala, imóveis, mas ao perceber a movimentação estranha soltaram um grito assustador. Um deles gritou intensamente, como se estivesse convocando os outros dois para atacar a presa. Os olhos eram totalmente pretos, com as veias pulando da pele, traços de ferimentos em todo o corpo e pedaços de cabelo faltando. Isaac travou momentaneamente, mas logo decidiu tomar uma decisão: virou de costas e começou a correr de volta para o carro. — p***a! Os três infectados partiram em disparada para cima do militar, tentando alcançá-lo. Um dos maníacos pulou em cima do balcão e chocou-se violentamente contra o corpo do sobrevivente, derrubando-o no chão. O pequeno revólver escorregou de sua calça e rolou para longe. — UGH... O facão caiu da mão de Isaac e ele o perdeu de vista durante o ataque também. Tudo foi muito rápido, questão de segundos. O infectado mais próximo tentou se jogar em cima dele, mas ao perceber a manobra, Isaac juntou as duas pernas e chutou com força o peitoral do doente. O monstro caiu para trás, batendo no infectado que vinha logo após e derrubando-o também. O sobrevivente começou a se arrastar à procura do facão e o encontrou uns dois metros atrás de suas costas. Ele pegou o objeto, segurou firme e partiu para o contra-ataque. Uma coisa era verdade: os infectados atacavam sem nenhuma coordenação, como se fosse somente por instinto, e isso poderia ser utilizado como uma vantagem. Isaac esperou o primeiro monstro chegar perto o bastante e desferiu três golpes certeiros nele: um no braço esquerdo, outro na clavícula e o último no meio da cabeça, matando o doente. Dois dos maníacos eram homens, sendo que um já tinha sido eliminado, e a última era uma mulher magra, porém ágil. — VAMOS LÁ! — chamou ele, olhando alternadamente para os seus inimigos restantes e começando a perder o medo. Os infectados atacaram de uma vez só. A mulher veio com tudo e levou dois golpes, um no punho direito, decepando-o, e outro no pescoço, fazendo jorrar sangue da ferida aberta. Já o segundo aproveitou a brecha e veio por trás dela, surpreendendo Isaac. O doente acertou um soco desgovernado em cheio no rosto do homem, fazendo-o cair no chão e ficando desorientado por milésimos. Por sorte o infectado também caiu ao durante o ataque, dando tempo suficiente para Isaac se recuperar. Depois disso o militar se levantou o mais rápido que pôde e golpeou sem nem ver onde estava o monstro, errando por duas vezes. — p***a! O monstro veio para cima de Isaac novamente, dando chance de o homem atacar. O golpe atingiu a parte lateral do abdômen do maníaco, fazendo o facão ficar preso ali. Com isso Isaac ainda levou mais dois socos no rosto e soltou a arma branca presa, caindo por causa das pancadas sofridas. Mas ele não exitou: sacou a Glock e disparou na cabeça do infectado. O doente perdeu todas as reações no exato momento em que a bala atravessou sua têmpora, desabando com tudo. — Merda... Ugh... Isaac passou a mão no rosto e sentiu que seu supercílio direito estava sangrando, mas independente disso ele precisava sair dali o mais rápido possível. Se três inimigos deram todo esse trabalho, o que aconteceria se outros aparecessem? E o medo de Isaac se concretizou: Ao voltar à calçada, ele percebeu que tinha sido uma péssima ideia atirar ali, no centro da pequena cidade. Vários gritos começaram a ecoar em diversos locais. Centenas de infectados saíram de dentro de casas, lojas e becos. O coração do militar estava batendo com tanta rapidez que ameaçava explodir, o suor que saía de sua pele estava frio como a neve, as suas mãos tremiam ainda mais e sua cabeça só conseguia pensar em uma coisa: correr. Antes de sair em disparada, ele voltou para dentro da farmácia para procurar o revólver. — CADÊ ESSA MERDA? Isaac finalmente encontrou o pequeno calibre 22, colocou-o de volta na cintura e depois disso correu até o carro. O tempo desperdiçado procurando por um mero revólver foi significativo para atrapalhar sua fuga. Ele não conseguia pensar direito, mas sabia que tinha feito merda. Uma horda gigante de infectados estava correndo na sua direção, e não daria tempo de entrar no veículo. Ao tentar colocar as chaves na porta do carro, ele falhou e sua última chance de salvação caiu na calçada. Definitivamente não daria mais tempo de nada. Isaac deixou as chaves ali mesmo e começou a correr. Ele disparou de volta pelas ruas que tinha vindo anteriormente de carro e olhou de relance para trás. Uma imensidão de infectados corria loucamente para tentar alcançá-lo. Dezenas de monstros caíam no chão durante a corrida e eram atropelados violentamente pelos outros que estavam ali, atrapalhando a eles mesmos e se derrubando. Aquilo parecia uma avalanche de doentes, atrás da única presa, que na ocasião era Isaac. Durante a corrida, apontou a arma para trás e efetuou dois disparos, atingindo alguns dos monstros e fazendo-os cair. Mas aquilo só fez os atiçar ainda mais. Isaac estava perto da rua da calçada alta, uma rua antiga da cidade que tinha duas calçadas de concreto elevadas em ambos os lados com parapeito de grade de ferro na altura da cintura, e decidiu subir pela mais alta (que era a da direita). Ele passou quase tropeçando nos degraus e ao chegar no topo, recomeçou a correr. A descida da calçada estava perto, mas ao olhar para o lado, Isaac foi surpreendido por outro infectado que estava dentro de uma das casas. O doente pulou e chocou-se com violência contra o corpo do militar, fazendo-o bater com força em uma parte frágil do parapeito, que quebrou. — AAAH! A queda deveria ter uns dois a três metros, e machucaria bastante (mais pelo fato das ruas abaixo estarem cheias de entulhos, como pedaços de madeira, lixo, lama, barracos antigos e outras coisas). Isaac bateu com força no asfalto enlameado, caindo por cima do braço esquerdo e sentindo uma dor alucinante. — ARGH!!! Provavelmente ele teria deslocado ou fraturado o ombro esquerdo, mas não tinha tempo de ajeitá-lo ali, ele precisava fugir. Isaac se levantou, ainda sob efeito da adrenalina que corria no seu corpo, e voltou a correr desesperadamente, procurando por ajuda. A única coisa que poderia fazer era se esconder. Mas onde? O militar continuou correndo até encontrar uma rua que descia à esquerda, no fim das calçadas altas. Ele conseguiu ver um prédio que era um colégio vermelho e grande no fim dessa rua, estando com as portas de vidro abertas e alguns carros abandonados perto dele. — ALI... Isaac disparou até lá, sendo seguido de perto pela imensa horda de infectados. Ao entrar no colégio era tudo ou nada: ele precisava encontrar algum lugar para se esconder. Dentre vários corredores escuros tinham diversas salas de aula pequenas, porém todas elas estavam com janelas quebradas ou com portas destruídas. "MERDA! MERDA!" O coração de Isaac estava prestes a explodir de tanta pressão. Até que uma pontada de esperança surgiu: no final do corredor tinha uma pequena porta cinza com uma plaquinha que dizia "ZELADOR". O militar entrou rapidamente no local apertado e sem luz, fechando a porta logo em seguida. A pequena salinha era claustrofóbica. Tinham diversos materiais de limpeza, como vassouras, alvejantes, limpa-vidros, esfregões etc. Além disso, a única coisa que não deixaria Isaac morrer sufocado sem oxigênio era uma janelinha aberta no alto. A respiração do homem estava descontrolada. Ele também não conseguia diminuir seus batimentos cardíacos, sentindo o coração pulsar violentamente e os calafrios se alastrando por todo o seu corpo. Até que uma gritaria incessante começou a invadir o prédio. Definitivamente a horda tinha alcançado o local. — Deus... por favor... senhor... não deixe que me vejam... — implorava desesperadamente Isaac, agachado no canto da apertada salinha e falando baixinho. Ele rezava incessantemente enquanto as lágrimas desciam pelos seus olhos. A imensa horda já tinha invadido o colégio, porém até o momento nenhum dos infectados descobriu seu paradeiro. O ombro latejava, mas mesmo assim ele não conseguia ter outra reação a não ser chorar e esperar. Agora o destino de Isaac estava incerto. Tudo poderia acontecer.
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