MARGARETH
Anos Antes
Trabalhar sempre foi algo que eu aprendi desde que tinha idade suficiente para entender matemática simples. Os meus pais perceberam as minhas habilidades rapidamente e me ofereceram um emprego. Aceitei sem hesitar e não me arrependo, pois preparar comida e fazer contas são coisas que realmente gosto. Aos dezessete anos, posso dizer que sou mais independente do que qualquer garota da minha idade. Os meus pais sempre me pagaram de forma justa e me ensinaram o valor de economizar e trabalhar para conseguir o que se quer. Quero até usar esse dinheiro para comprar a minha própria casa.
No entanto, hoje hesito pela primeira vez. Esta universidade prestigiosa vai nos pagar muito para administrar o refeitório, mas estou com medo. Já ouvi muitas vezes que essas pessoas são insuportáveis e menosprezam pessoas como nós, que, embora não sejam pobres, não têm um nome prestigiado.
— Filha, você não pode deixar os seus preconceitos de lado por um momento? A minha mãe me repreende enquanto tiramos as nossas coisas do carro. Você vem aqui para trabalhar, não para ficar com essas crianças.
— Eu sei, mas você sabe como eu sou. Se algum deles nos olhar feio...
— Você vai se conter e ignorá-los. Eles não são sua família, então não deveria se importar com o que eles pensam. Ninguém, filha, ninguém, nem eu, seu pai ou qualquer estranho, tem o direito de menosprezá-la. E eu não quero que você faça nada se eles fizerem isso. Eu só me importo em receber o pagamento.
— Mas sua dignidade...
— A minha dignidade está intacta. Algumas palavras de crianças cabeças-ocas não vão me machucar. Pelo contrário, servem como fofoca para a hora do jantar.
Eu rio. Eu adoro a mamãe, e ela é meu modelo. Nunca conheci ninguém com mais autoestima do que ela, e tenho certeza de que é por isso que o papai a ama tanto.
Depois de terminarmos de desfazer as malas, entramos pela porta dos fundos da cozinha. É tão grande que me sinto num sonho, mas há tão poucos funcionários que parece estranho. Mamãe, como a chef incrível que é, distribui os pedidos sem hesitar, embora o faça de um jeito que deixa todos felizes. Eu também. Ter a orientação dela é um privilégio.
Ao contrário do que eu pensava, as pessoas na escola não são rudes. Algumas têm olhares e tons de voz mais pedantes do que outras, mas m*al notam os funcionários servindo a comida, o que é um luxo.
Quando finalmente penso que vou passar o primeiro dia sem incidentes, o desafio finalmente chega. Uma garota de pele muito clara e olhos escuros e penetrantes me olha quando lhe entrego a bandeja.
— Quem é você? Ela pergunta num tom severo, incomum para alguém tão jovem. Ela deve ser mais jovem que eu um ou dois anos. — Onde está a cozinheira anterior?
— Ela foi demitida. Respondo calmamente, esperando que ela entenda e vá embora com um sorriso irônico.
— Eu não como nada que não seja preparado por ela. Responde a garota que parece a Ravenna. As pessoas na fila estão em silêncio, me encarando como se eu fosse uma prisioneira medieval condenada à morte. — Isso deveria ter sido comunicado aos alunos. Onde estão as suas credenciais que...
— Querida, se tiver algum problema, mostro o meu diploma quando terminar o almoço. A minha mãe intervém com um sorriso gentil. — Por favor, se não vai aceitar a comida, por favor, vá em frente.
A garota ri despoticamente. Oh, não, lá vem ela.
— Quem ela pensa que é para me dizer isso?! Eu sou filha de...
— Você pode ser filha do reitor ou de quem você quiser, isso não lhe dá o direito de gritar conosco. Digo a ela. — Se tiver algo a nos dizer ou uma reclamação, pode levar isso às autoridades da universidade. Estamos apenas fazendo o nosso trabalho.
O rosto da Ravenna passa de pálido a completamente vermelho. Ela passa de lábios cerrados para mostrar os seus dentes perfeitos. O que eu acabei de dizer causará problemas, mas não me importo. Nunca deixarei ninguém me menosprezar.
A estranha pega a bandeja e a levanta para jogá-la em nós, mas um garoto muito alto corre até nós e a impede.
— O que você está fazendo, Laura? Ele pergunta antes de olhar para nós.
No momento em que o faz, as minhas bochechas coram de repente. Ele é, sem dúvida, o garoto mais bonito que já vi, e apesar da abundância de olhos azuis neste lugar, os dele são diferentes. De repente, não estou mais interessada na garota rolando nos seus braços, gritando insultos e xin*gando metade do planeta.
Ele franze a testa e dá um sorriso surpreso, com os lábios entreabertos, examinando o meu rosto. O calor que isso produz é tão agradável e envolvente. Só que a minha mãe me tira desse estado, puxando o meu braço para me fazer reagir, e então percebo, com decepção, que eles estão namorando.
No entanto, o olhar intenso do garoto me diz que ele está tão preso quanto eu.
***
Dias Atuais
Afasto essas lembranças da cabeça para poder continuar dirigindo sem bater. Lembrar do meu marido dói na alma, embora eu nunca tenha sido fraca com a minha filha, especialmente agora que ela está esperando os meus netos e ainda está tão deprimida com a partida do Caio. Se ela ainda está viva, tenho certeza de que é só por causa deles.
Claro que não vou permitir que ela tire a própria vida. Não sei o que fazer, mas Micaela não nos deixará e voltará à vida. Ela será feliz novamente, assim como eu não pude ser desde que perdi o Theo. Mas o meu caso é diferente. Ele não me deixou. Pelo contrário, desde o dia em que nos conhecemos, ele lutou por mim e deixou tudo para ficarmos juntos. Ele até me devolveu cada centavo que eu dei para que ele pudesse terminar os seus estudos de arquitetura. O seu primeiro ato de amor foi renunciar à sua importante e rica família e ao trabalho para sustentar a nossa filha no caminho. Se eu dissesse que os meus pais não nos ajudaram, estaria mentindo, mas Theo demonstrou que me amava acima de tudo, e também retribuiu toda essa ajuda com fartura.
Só vale a pena sofrer por homens como ele, não por uma criança idi*ota que escolheu luxos em vez do amor verdadeiro. Mas mesmo eu, sofrendo como estou, não desisti. E nem desisto.
Estaciono em frente à delegacia. Sei muito bem a resposta que me darão. No entanto, não perdi a fé de que desta vez será diferente.
Ao entrar, as pessoas me cumprimentam, já que me conhecem de vir aqui pelo menos uma vez por mês. O tio Wilfred, vestido com o seu uniforme de oficial e se inclinando para ver o que a recepcionista está fazendo, olha para cima e sorri para mim.
— Oi, sobrinha. Diz ele. Ele sabe para que estou aqui, mas pelo menos tem a decência de não me fazer sentir como uma id*iota.
— Oi, tio. Respondo, tremendo um pouco. Não importa quantos anos tenham se passado, não consigo evitar. — Estou aqui para...
— Claro, eu sei porque está aqui. Ele responde. — E estou com muita fome.
Ele pega a sacola de comida que eu trouxe.
— Vou deixar vocês dois sozinhos, vou para a cozinha servir a comida. Obrigado. Diz Jeniffer a recepcionista.
— Eu que agradeço. Digo sorrindo. — Incluí biscoitos desta vez.
— Ah, que ótimo. Você é um amor, minha menina.
— Como está a minha pequena Micaela? Pergunta o meu tio.
— Muito triste, mas tentando seguir em frente. Respondo. — Sem notícias.
— Sinto muito dizer que também não há notícias para você, querida. Diz ele, tristemente. — Filha, por que você não se resigna? Ele morreu. Te deram as cinzas dele, que...
— Não me peça para parar de perguntar. Respondo, com a voz trêmula. Não choro por isso há meses, mas a situação da Mica me deixou m*al e pensativa. — Não quero uma caixa de cinzas, quero respostas. Eu quero...
— Você precisa reconstruir a sua vida. Detesto te dizer isso, mas você precisa.
— Só farei isso quando tiver certeza de que estou contando a verdade para minha filha, que o pai dela está morto. Mas até eu ter certeza...
— A única maneira é encontrar a funerária que o cremou.
— Eu tentei, mas não consigo encontrá-los. Não consigo encontrar aquela m*aldita família. Muito menos a família do Theo. Eles nunca quiseram...
Agarro-me ao balcão de madeira. Sinto-me furiosa, com vontade de gritar e chorar de frustração.
— Não se preocupe, tenho certeza de que eles vão aparecer um dia e...
O toque do meu celular interrompe as minhas palavras. É a Micaela. Ela não costuma me ligar mais, então atendo imediatamente, sob o olhar curioso do meu tio.
— Aconteceu alguma coisa, querida? Pergunto.
— Mãe, um advogado chegou no restaurante. Fiz ele esperar para te ligar. Ela responde, perplexa. — Acho que tem a ver com a família do papai. Venha o mais rápido possível, por favor.
Fico boquiaberta, sem saber o que dizer. Tio Wilfred olha para mim e pergunta o que houve.
— Alguém foi procurar a Micaela e a mim. Respondo, depois de me despedir da minha filha e desligar. — Acho que finalmente vamos ter algumas respostas.