Capítulo 4

1087 Palavras
ANELISE STEIN Quatro horas. E nada da Cecília. Nem uma ligação. Nem uma mensagem. Eu tô igual uma maluca sentada nesse sofá, roendo todos os cantos dos meus dedos, porque as unhas eu já comi faz tempo. Tô igual zumbi de filme r**m, de um lado pro outro. Já perdi as contas de quantas vezes abri e fechei esse bendito w******p. Queria conseguir desligar minha cabeça, sério. Só que não dá. Meu coração tá tiltando já faz tempo, e quanto mais o relógio gira, mais a minha angústia cresce. Pego o celular, abro novamente e mando uma mensagem pra Bárbara. E logo depois, outra pro Lucas. O meu noivo. Mas em seguida escuto o barulho da chave rodando na porta. E quando olho pra entrada... É ela. Lise: Nossa, Cecília! - falo, indo até ela e a abraçando. Tô nem aí se ela odeia abraço. Eu tava agoniada, entendeu? Meu desespero tava gritando nas veias. E, juro por Deus, quando ela não reclamou do abraço, e só retribuiu e ficou ali parada, gelada... Eu travei. Porque pra Cecília aceitar um abraço assim do nada, é porque alguma coisa não tá bem. A gente desfaz o abraço e ela tira a bolsinha do ombro. Deixa sobre o aparador de vidro e vai andando até se despencar no sofá. Se deita toda torta, cobre o rosto com o braço e estica as pernas, se ajeitando nas almofadas. Lise: Quer uma água? - pergunto baixinho, passando a ponta dos dedos pela perna dela, que n**a só balançando a cabeça. Ceci: Cadê meu pai? - pergunta, ainda com o rosto escondido. Lise: Ainda não chegou. - cruzo os braços, parada ao seu lado, a observando. Ceci: Será que temos uma madrasta? - fala ironizando e eu sorrio sem mostrar os dentes. Lise: Seria ótimo se ele tivesse mesmo alguém. Talvez seja isso que ele precise. Ceci: Ele podia arrumar uma namorada e parar de me infernizar! - fala descobrindo o rosto e me olha com um sorrisinho malicioso, mas seus olhos... Estão marejados, cansados. Ela tá segurando o choro. Lise: Como foi lá? Conseguiu recuperar o carro? - pergunto, meio na esperança de ouvir um sim, mas sabendo que a cara dela já tinha entregado a resposta. Ceci: Não. Lise: E agora? Vai fazer o quê? Ceci: Isso que eu tô tentando descobrir. - a voz dela sai fraca. - Mas fica tranquila que amanhã eu dou meu jeito. Agora eu só quero tomar um banho, deitar e dormir na santa paz de Deus. Se levanta, inclina sobre mim e me dá um beijo no rosto. E sem dizer mais nada, vira as costas entrando no corredor que leva aos quartos. A minha ligação com a Cecilia é bizarra. Tipo assim, não é só questão de ser irmã, não. Nem só de ser gêmea. É outra parada... um nível acima. Um troço que eu nem sei explicar direito. Deve ser algum código que Deus colocou só no nosso DNA. Porque, ó... tem dia que ela tá m*l e eu sinto antes mesmo dela abrir a boca. Já acordo com a sensação de que tem alguma coisa errada. É como se eu carregasse um sensor grudado nela. Um radar interno que apita quando ela tá triste, quando alguém fala uma merda que a machuca, ou quando ela tá tentando disfarçar que tá tudo bem, mesmo quando tá tudo um caos dentro dela. Não dá pra fingir pra mim. Ela pode enganar o mundo todo menos a irmã dela, aqui. Eu sei cada movimento do olho, cada vez que ela aperta a unha no dedão de leve quando tá nervosa, cada puxada de ar disfarçada quando quer engolir o choro. E, se eu não vejo, eu sinto. E o contrário também rola. Quando eu tô m*l, é ela quem sente antes. Só ela consegue me acalmar. Só ela consegue me convencer sem forçar. Eu e a ela, brigamos, nos xingamos, nos zoamos... mas é tudo nosso. Ninguém entra. Ninguém entende. Tem coisa que nem a gente entende. Minha irmã é a parte mais bonita da minha alma, mesmo quando me tira do sério. E se alguém encosta nela... eu viro bicho. Cecilia é minha melhor amiga, minha outra metade e minha base. E eu nunca vou abrir mão dela. Nunca. (..) Levanto igual alma penada. Arrastando o chinelo pela casa, cabelo todo esculachado, cara que nem precisa de espelho pra saber que tá péssima. Tô feia, inchada e com uma cólica insuportável. Mas a vontade de comer doce grita mais alto que a dor. Me obrigando a ir pra cozinha preparar o meu combo de sobrevivência. Brigadeiro de panela. Meu tarja preta natural. Minha receita secreta pra não socar ninguém e assim manter meu reu primário. Abro o armário, pego os ingredientes e jogo tudo na panela leite condensado, achocolatado e uma colher bem generosa de manteiga. Mexo até o braço dar sinais de falência. Quando desligo o fogo escuto meu celular chamar no sofá. Vou mancando até ele, como se tivesse cem anos nas pernas. Sempre que fico nos meus dias de mocinha a dor na perna me consome. Pego o celular lendo a mensagem dele. Lucas: Precisei subir pra Maricá. Deu merda aqui na obra do meu pai. Amanhã te ligo, meu amor. Te amo. Fico encarando a tela igual por uns cinco segundos, mastigando cada palavra como se fosse pedra. Como assim Maricá? Até a tarde ele tava falando que vinha dormir aqui. E agora do nada tá indo pra Maricá? Sem nem me avisar antes? Ah tá bom, Lucas. Respiro fundo e respondo p**a. Lise: Ok. Boa noite. Curta. Fria. Sem carinho, sem emoji, sem 'eu te amo'. Só a raiva digitada. Ele responde na hora. Lucas: Te amo, te amo, te amo, te amo, te amo... você tá em casa? Reviro os olhos com tanto ódio e não respondo ele mais. Pego o celular e vou direto pro meu banheiro. Tomo um banho quente e coloco um moletom. Ligo o ar e volto pra cozinha, pego minha panela de brigadeiro e uma colher de respeito. Sento na cama e boto qualquer filme só pra ter uma voz no quarto que não seja a minha xingando o Lucas. Fico deitada. Com a colher indo e voltando da panela pra boca, e a cabeça pensando mil coisas ao mesmo tempo. Até que o sono vem. E eu apago, do jeito que tô. Com brigadeiro no canto da boca, a colher caída do lado e a panela no canto da cama.
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