Parte 2...
Sua pensão por invalidez era baixa e ela era obrigada a se virar de outras formas, fazendo vários serviços, geralmente para pessoas conhecidas, que ela sabia, a ajudavam por sentir pena de sua situação.
No começo isso a incomodou muito, mas não hoje em dia, depois de anos de tratamento. Agora compreendia e aceitava que a vida é assim, ela apenas acontece, independente do que você planeja.
Olhando para a clínica ela suspirou imaginando se gostaria de trabalhar ali. Amava animais, mas cuidar deles com a obrigação pesada de não cometer erros era algo que a assustava. Não tinha certeza de que seria capaz de fazer algo assim. Uma coisa é andar com cachorros pequenos que ela já conhecia e outra era cuidar de animais diversos.
Mas, estava ali. E de repente ela apenas falaria com o filho de Charlotte e pronto, não iria para a frente. Era uma responsabilidade muito grande e ela estava acostumada com uma vida diferente, dentro do que agora era sua normalidade. Ainda tinha um longo caminho pela frente até conseguir voltar a ter mais dinâmica na vida.
Tudo bem, ela estava se sentindo sozinha há muito tempo. As horas de seu dia passavam de forma única, onde ela tinha que fazer as coisas de acordo com sua capacidade. Se mantinha ocupada fazendo o que podia e da forma que podia, mas não reclamava. Hoje sua vida estava bem melhor do que a equipe médica a informou anos atrás.
Foi muito difícil, cansativo e dolorido, mas cada dia era um vitória para ela. Tinha dias que se sentia pra baixo, mas no geral ela era positiva sobre sua saúde e seu futuro, só evitava sonhar alto demais.
Ia um passo a cada vez. Era difícil, mas estava conseguindo.
Se conseguisse se manter serena, podia realizar muitas tarefas, se comunicar bem e até mesmo chegava o fim do dia bem ativa. Nos últimos meses ela até estava conseguindo ler pequenos livros de poesia e até romances. Claro que ela repetia a linha mais de uma vez, até pegar a frase completa e conseguir compreender o texto, mas no final era uma vitória.
Desde seu acidente ela não vinha lendo mais, apenas ouvia livros em aplicativos, porque era impossível ler corretamente. Até mesmo para ouvir os áudio livros era complicado antes. Ainda hoje às vezes tinha dificuldade porque se perdia nas palavras.
Então talvez aceitar esse trabalho fosse algo que acabasse lhe causando um prejuízo. Se e havia um se bem grande nesse meio, ela viesse mesmo a trabalhar ali, teria que deixar claro sua dificuldade para que as pessoas não se sentissem obrigadas a aceitá-la.
Estava tentada a se virar e ir embora, mas seria falta de consideração com Charlotte que ajeitara essa entrevista e também falta de educação com seu filho, que tirara um tempo para recebê-la. Não podia ser assim, tinha que valorizar a boa vontade das pessoas.
Sentiu um arrepio passar por seus braços e não era por causa do vento frio. Era por receio do que poderia acontecer ali. Não tinha certeza se seria capaz de administrar remédios para animais e menos ainda de ser capaz de tratar feridas ou fazer procedimentos mais pesados.
Não era alguém que se ligava ao fracasso antes mesmo de realizar algo, mas era honesta com relação ao seu estado físico e emocional. Sua parte psicológica estava bem, ela era capaz de compreender seus dias e suas limitações, mas e os outros? Não queria causar problemas.
Por outro lado ela queria ter um emprego fixo de novo e ter mais contato com outras pessoas. Isso a ajudaria muito em sua recuperação. E ainda tinha a vantagem de estar com animais que era algo que amava.
Se sentia isolada e sempre foi uma pessoa ativa, que saía com amigos, ria muito, conversava sobre vários assuntos e há tempos não fazia isso. Era bom ter contato humano, ter assuntos diversos, até mesmo ouvir fofocas já era bom.
Não era covarde, mas diante de sua situação se sentia receosa. Se continuasse se segurando para tudo, não voltaria a ter momentos assim mais livres e gostava disso, dessa sensação de ser acolhida em um grupo.
Obrigou-se a caminhar. Um passo de cada vez. Era forte, já tinha superado outras dificuldades. Agora era apenas ser realista e esperar para ver o que aconteceria. Pelo menos havia tentado.
Ela nem sabia se seria aceita, então não tinha porque ficar remoendo pensamentos de derrota ali fora, parada no vento frio e que em breve poderia até cair uma chuva. Seria honesta com o filho de Charlotte. Seria maravilhoso que ele quisesse lhe dar o emprego, mas se achasse que não serviria, agradeceria e vida que segue. Voltaria para seus afazeres normais.
Entrou na clínica com o pé direito, assim lhe daria sorte. Era sua perna lenta, como ela dizia, fazendo graça de si mesma, mas era a da sorte. Andou até a moça que estava no balcão da entrada e se apresentou.
Respirou fundo e acalmou o corpo que estava agitado. Seu problema não aceitava que ficasse ansiosa e agitada demais. Tinha que ir devagar e controlar a emoção. A garota levantou o rosto e lhe sorriu.
— Boa tarde, em que posso ajudar?
— E-eu me chamo... Camila - falou lenta, mas sorriu de volta para a garota — V-vim pa-para a entre...vista - falava separando as palavras.
A garota continuou sorrindo educada e não pareceu notar que ela tinha um problema de fala. Talvez tivesse pensado que era apenas nervosismo e não um grave problema de afasia que limitava sua fala. Mas ela não podia fazer nada sobre isso. Era assim que vinha se comunicando nos últimos anos após o acidente. E hoje em dia estava muito melhor do que ao sair do hospital.