JAYME
A vida segue.
É o que dizem, não é?
Mas ninguém me avisou que seguir em frente seria tão doloroso. Cada dia é uma batalha silenciosa, uma luta contra a ausência que parece ter se instalado em cada canto desta casa, em cada pedaço do meu coração.
Arthur, meu pequeno Arthur, já não é mais o mesmo. Ele era uma criança tão alegre, tão cheia de vida. Rafaella costumava dizer que ele tinha o riso mais contagiante que ela já tinha ouvido.
Agora, ele está calado.
Introspectivo.
Ele não pronuncia mais palavras, nem mesmo "papai" ou "mamãe". É como se ele tivesse se fechado em um mundo onde as palavras não existem, onde só há silêncio.
Eu tento.
Deus sabe que eu tento.
Mas como preencher o vazio que ela deixou?
Como ser pai e mãe ao mesmo tempo?
Como equilibrar o trabalho, que exige minha atenção total, com a necessidade de estar presente para ele?
---
Flashback
Lembro-me de uma noite, pouco antes de tudo acontecer. Rafaella estava sentada no chão da sala, com Arthur no colo, lendo uma história para ele. Ele ria, batendo as mãozinhas no livro, tentando pegar as figuras coloridas.
— Olha, Jayme! Ele adora essa parte — ela disse, olhando para mim com um sorriso que iluminava o quarto.
Eu me sentei ao lado deles, envolvendo os dois em um abraço.
— Ele é esperto, igual à mãe — eu brinquei, dando um beijo na cabeça dela.
Ela riu, e Arthur imitou o som, balbuciando algo que parecia "mamãe".
— Ouviu? Ele disse "mamãe"! — ela comemorou, com os olhos brilhando de orgulho.
Naquele momento, eu senti que tínhamos tudo. Que éramos uma família completa, feliz.
---
Voltando ao presente
Agora, o silêncio é ensurdecedor.
Arthur está sentado no chão, brincando sozinho com blocos de montar. Ele não ri, não fala, só fica ali, concentrado, como se o mundo ao redor não existisse.
— Arthur, filho, você quer um suco? — eu pergunto, tentando chamar sua atenção.
Ele não responde. Nem sequer olha para mim.
Eu me ajoelho ao lado dele, colocando uma mão no seu ombro.
— Filho, eu sei que você sente falta dela. Eu também sinto. Mas eu estou aqui, tá bom? Eu não vou embora.
Ele continua calado, mas, por um breve momento, ele olha para mim. Seus olhos, tão parecidos com os dela, parecem carregar uma dor que nenhuma criança deveria sentir.
---
Flashback
Lembro-me de outra noite, quando Arthur estava com febre. Rafaella passou a noite toda ao lado dele, segurando sua mãozinha, cantando baixinho para acalmá-lo.
— Ele vai ficar bem, Jayme — ela disse, com uma voz suave, mas firme. — Eu prometo.
Eu me sentei ao lado dela, observando nosso filho dormir.
— Como você faz isso? — eu perguntei, admirando a força dela.
— Faz o quê? — ela respondeu, confusa.
— Ser tão forte. Tão presente.
Ela sorriu, cansada, mas com um olhar cheio de amor.
— É fácil, Jayme. Eu só amo ele. E você. É isso que me faz forte.
---
Voltando ao presente
Agora, eu me vejo sozinho, tentando ser forte por ele.
Mas não é fácil.
O trabalho me consome.
Reuniões, relatórios, decisões que precisam ser tomadas. E, ao mesmo tempo, há Arthur, que precisa de mim mais do que nunca.
— Jayme, você precisa se cuidar — meu chefe diz, durante uma reunião. — Você está se desgastando.
— Eu sei — eu respondo, tentando manter a compostura. — Mas eu não tenho escolha.
Ele não entende.
Ninguém entende.
Como explicar que, enquanto meu corpo está aqui, minha mente está em casa, preocupada com Arthur?
---
Flashback
Lembro-me de uma manhã, quando Rafaella e eu estávamos tomando café juntos. Arthur estava dormindo, e nós aproveitamos aquele momento de paz.
— Jayme, você já parou para pensar como a vida é curiosa? — ela perguntou, olhando para mim com um sorriso pensativo.
— Como assim? — eu respondi, curioso.
— Bem, a gente passa tanto tempo correndo atrás de coisas... trabalho, dinheiro, sucesso. Mas, no fim, o que realmente importa são esses momentos. Aqui, agora, com você e o Arthur.
Ela tinha razão. Ela sempre tinha razão.
---
Voltando ao presente
Agora, eu me vejo dividido.
Dividido entre o trabalho, que exige minha atenção total, e a necessidade de estar presente para Arthur.
Eu me sinto culpado.
Culpado por não conseguir preencher o vazio que ela deixou.
Culpado por não ser o pai que ele precisa.
— Arthur, filho, vamos brincar? — eu pergunto, tentando mais uma vez.
Ele olha para mim, mas não responde. Em vez disso, ele pega um dos blocos e o entrega para mim.
Eu sorrio, tentando esconder a dor.
— Obrigado, filho. Vamos construir algo juntos?
Ele acena com a cabeça, e, pela primeira vez em semanas, eu sinto uma pequena conexão. É pouco, mas é algo.
---
Flashback
Lembro-me do dia em que Rafaella e eu decidimos tentar ter um filho. Estávamos deitados na cama, conversando sobre o futuro.
— Jayme, você acha que estamos prontos? — ela perguntou, com um tom de insegurança na voz.
— Prontos? Não sei. Mas eu quero isso. Quero construir uma família com você.
Ela sorriu, e eu sabia que estávamos no caminho certo.
---
Voltando ao presente
Agora, eu me pergunto se estou pronto.
Pronto para ser o pai que Arthur precisa.
Pronto para enfrentar o silêncio que parece ter tomado conta da nossa vida.
Mas eu sigo.
Um dia de cada vez.
Porque, no fim, é isso que ela faria.
Ela seguiria.
Por nós.
Por ele.
E eu prometi a mim mesmo que faria o mesmo.