Capítulo 2 - Érina

1193 Palavras
Era uma gritaria infernal. A feira era um misto de gritos, línguas que eu não entendia e minha cabeça estava totalmente zonza e perdida. Eu tentava de algum modo me adaptar, já que eu teria de forçar a minha cabeça a aprender o idioma ou estaria ferrada. — Eu vou levar essas beterrabas aqui. — falei pro homem que me olhou com cara torta — Beterraba. — repeti no meio do barulho. — Remolacha. — respondeu ele, confuso. — Não, beterrada. — peguei a pelota vermelha escura, levantei na mão e olhei para ele. — Isso aqui, ó! — Remolacha! — gritou o homem tomando o negócio da minha mão — Remolacha, chica! Remolacha! Respirei fundo, odiando aquele homem, a bocceta da remolacha e a chica também. — Remolacha, “su i****a!” — entrei na onda, também falei alto e apontei o dedo — Põe remolacha na “sacolita” e “calaboquitos”, que eu tenho mais o que fazer! Viramos dois idiotas, eu insisti em mandar ele calar a boca de saco cheio dos seus gritos, enquanto ele repetia “remolacha” não sei quantas vezes. No final, tirei uma nota da carteira, peguei o troco desconfiada e mostrei a língua. O homem imediatamente voltou a chiar coisas que eu não estava nem aí para entender, e se ele me xingasse, melhor não saber. Andei mais adiante, resolvi que ia pegar legumes de outro feirante, parei na frente de uma barraquinha de bugigangas, olhei alguns brincos coloridos e encontrei uma moça sorridente dentro dela. — Viu alguma coisa que gostou? — perguntou no meu idioma, me pegando de surpresa. Lembrei sobre o que Dom falou deste lugar e sobre alguns "refugiados'', ilegais tentando recomeçar a vida e sem fazer muito barulho. Ela era jovem, talvez mais nova que eu e muito bonita. Seria também uma refugiada? — Fala a minha língua? — perguntei curiosa. — Falo sim. — respondeu numa boa — Pelo menos comigo não vai precisar brigar por causa de uma “remolacha”. — eu ri e aquilo nos deixou mais confortável — Seu irmão não está te acompanhando? Eu abri a boca para dizer que não tenho irmão, mas fiquei desconfiada sobre aquilo ser algum assunto com Dom. Fazia dois dias que ele havia saído, quando m*l chegamos. Eu já estava tentando me adaptar ao inferno sozinha. Então, eu não saberia dizer se foi algum assunto dele, ou se a moça estava supondo algo. — Desculpe. — respondeu a jovem ao meu silêncio — Não tinha tanta i********e quando os vi, não ouvi ele te chamando por nenhum apelido ou… Supus algo mais familiar. Não que eu tenha me interessado ou algo assim, ou só… — Tá tudo bem, você supôs certo. Não somos íntimos. — respondi ao ver a moça tão desconcertada, mas tomei cuidado para não revelar mais nada. — Érina. — estendi minha mão, enquanto ela relaxava um pouco mais. — Briana. Também não sou daqui. — ela relaxou os ombros e então olhou para as peças penduradas — Gostou de alguma coisa? — Gostei, eu vou levar esses aqui. — apontei para ela um conjunto de argolas metálicas, e ela os pegou para embrulhar. Eu entreguei a nota, agradeci pelo troco e sai com meu pacote. Senti um certo pesar, notando que não ia ser mole se adaptar sem ter algo para evitar os curiosos. m*l consegui discutir de novo com um feirante e já tinha minha cabeça cheia e quando entrei no apartamento com as sacolas, quase tive a droga de um infarto. Tinha uma pilha de músculos dentro da cozinha, ele estava olhando a geladeira meio vazia e por ter sido pega de surpresa, supri um grito, mas deixei toda a compra cair no chão esparramando os frutos adiante no piso de madeira. Dom me olhava com a cara de pato choco, fechou a geladeira silenciosamente e colocou a mão no peito como quem sentia alívio. — Estranhei não te encontrar. — falou, parecendo mesmo aliviado. Eu me ajoelhei irritada, peguei o saco e comecei a guardar a compra esparramada. — E estava me procurando na geladeira? — Ah qual, é. Isso se chama fome. Porque se assustou? — perguntou se abaixando e disposto a me ajudar. — Porque quando saí deixei o apartamento sozinho. Eu não sabia que você tinha as chaves. E faz dois dias. Seu serviço rápido, deu certo? Ele ficou em silêncio, pegou as sacolas e as colocou na mesa. Comecei a esvaziar e separar as coisas, ele viu um refrigerante em lata abriu e começou a bebericar. O silêncio era estranho, mas eu decidi esperar. Nós chegamos, ele me mostrou um lugar, me apresentou um processo e saiu. O que íamos fazer agora, trabalhos ilegais? Dom vestia um jeans, botas coturnos, colar fino e camisa colada. Não parecia um mercenário em ação, apenas um homem saindo casualmente. Eu o vi caminhar em direção ao banheiro tranquilamente, mas ainda fugindo de algo. Ou ele estava se preparando para me contar algo, ou estava se preparando para me esconder algo. Olhei ao redor, procurei por malas de dinheiro e não vi nada. Ouvi a descarga ser ativada e franzi o cenho quando o vi sair do banheiro sem camisa, agora sem o curativo no ombro e uma cicatriz no formato de um furo. — Vai pegar um bronze? — perguntei indo até o armário e guardando os alimentos. — Vou, gracinha. — respondeu colocando a mão nos gominhos da barriga e mostrando os dedos em seguida — Se eu suar mais, derreto. Lugar quente do caramba. Se incomoda? — perguntou me dando uma piscadela — Se você ficar encantada, volto a me vestir. — i****a… — resmunguei com uma negativa — E então, deu certo? Dom se sentou na mesa, pegou a lata de refrigerante e terminou com o líquido. Bateu a b***a da lata em cima da madeira frágil e me olhou sério. — Deu, com um pequeno detalhe. — parei o que estava fazendo e dei minha atenção — A transferência me custou alguns trabalhos, inclusive uma promessa. Aqui não tem mafiosos, eles levam o nome de gangster. Eles querem a minha colaboração num serviço sujo, com isso a barra fica limpa. Se fosse diretamente com Iron, seria mais fácil, já que eu sou um soldado, mas não “o” soldado. Eu vou ter que fazer o serviço, entendeu? — E se não fazer? — perguntei preocupada, cruzando os braços e me vendo perdida no meio das “remolachas”. — Acredite, vai ser um inferno. — respondeu tentando se esticar na cadeira. Dei de ombros. Parece que o espírito infernal que assombrava Iron ia me acompanhar de qualquer jeito. Voltei a guardar as coisas no armário, tentei não dar atenção naquilo e procurei alguma outra coisa para pensar. Mercenários, mafiosos, gangsters. Que ao menos no final não morra mais ninguém… No fim, eu já estava chorando. Não tinha o que fazer, tudo o que fiz foi sumir da cozinha, me trancafiar no quarto e chorar. Seria mais fácil se Iron estivesse aqui, mas ele não está. Não, ele não está.
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