6. A Verdade Que Faltava (Parte II)

2152 Palavras
A batida na porta se repetiu. Theo ficou ao meu lado, como se a proximidade fosse uma forma de me proteger. Eu respirei fundo, tentando manter a calma, mas o incômodo crescia no peito. O professor chamou de novo: — Lívia, preciso falar com você. É rápido. Theo olhou pra mim com firmeza. — Eu vou junto. O professor respondeu pela porta, num tom controlado: — Eu prefiro falar só com ela por um minuto. Theo ficou rígido. Eu também. Um “só com ela” nunca vinha sem motivo. Ele se inclinou um pouco na minha direção e falou baixo: — Se sentir qualquer coisa estranha, me chama. Assenti. Abri a porta devagar. O professor estava no corredor, com uma prancheta na mão e uma expressão tensa — não irritada, mas séria o bastante para deixar claro que aquilo não era sobre aula ou rotina. Ele olhou de relance para Theo dentro da sala, depois voltou para mim. — Vamos conversar ali no canto do corredor. É rápido. Eu caminhei alguns passos. Theo ficou à porta, atento, sem tirar os olhos de mim. Quando paramos, o professor respirou fundo como quem precisa medir as palavras. — Lívia… você sabe que estamos acompanhando tudo que aconteceu hoje, certo? Assenti. — Sei. Ele continuou: — A coordenação está recebendo mensagens de alunos, pais e até pessoas de fora. Meu coração acelerou. — De fora? — perguntei. — Sim. Ele baixou um pouco o tom. — Pessoas da família da antiga aluna envolvida no caso do ano passado. A Júlia. Meu estômago revirou. — O que eles estão dizendo? — perguntei, tentando manter a voz firme. Ele olhou para os lados, como se tivesse medo de alguém ouvir. — Estão alegando que você está passando pela mesma coisa que ela passou. Senti um aperto profundo dentro do peito. — Eu não estou. — respondi. — O que aconteceu com ela foi outra coisa. — Eu acredito em você. — o professor disse rápido, sincero. — Isso precisa ficar claro. Mas eles estão insistindo que a situação tem “sinais semelhantes”. Engoli seco. — E quem está dizendo isso? O professor hesitou. Era a mesma hesitação que todos tinham quando iam revelar algo delicado. — O irmão dela. — ele respondeu. O ar pareceu ficar mais pesado. — Ele ligou para cá? — perguntei. — Ligou. E mandou mensagens. Ele apertou a prancheta. — Ele não quer apenas interferir. Ele quer que a escola aja. Isso bateu forte. — Agir… como? — perguntei, começando a temer a resposta. Ele demorou dois segundos, o que foi pior do que se tivesse dito de uma vez. — Ele pediu que a escola separasse você e o Theo imediatamente. E sugeriu que vocês dois não tivessem mais contato até tudo ser “resolvido”. Minha respiração travou. — Ele está tentando repetir exatamente o que fez com a Júlia. — murmurei. O professor ergueu o rosto, atento. — O que você quer dizer com isso? Respirei fundo. — Ele isolou a Júlia. Fez ela acreditar em algo que não era real. Fez ela desconfiar de tudo. E então tirou ela da escola sem deixar que ela conversasse com o Theo. O professor ficou em silêncio por alguns segundos. — Isso… é mais sério do que pensamos. — ele disse, como se acabasse de entender o que estava realmente em jogo. Eu assenti. — Ele quer fazer isso comigo. Quer me afastar do Theo antes que eu saiba a verdade. Quer repetir a história. O professor respirou fundo, claramente abalado. — Lívia… posso te fazer uma pergunta importante? — Claro. — Você se sente pressionada pelo Theo em algum momento? — Não. — respondi imediatamente. — Nunca. Ele não duvidou. — Ótimo. Era isso que eu precisava saber. Essa resposta muda completamente a forma como vamos lidar com isso. Meu corpo relaxou — um pouco. Ele completou: — A escola não vai separar vocês. Porque não há nenhum sinal de que você esteja desconfortável ou sendo influenciada negativamente. Aquilo bateu forte — não de medo, mas de alívio. — Mas… — o professor continuou — isso significa que a situação pode escalar fora da escola. Meu coração acelerou. — Como assim? — O irmão da Júlia parece disposto a ir até o fim. Em proteger algo que ele criou na própria cabeça. As palavras foram diretas o bastante para me dar um arrepio. Eu respirei fundo. — Professor… tem mais uma coisa que eu preciso dizer. Algo que o Theo ainda não sabe. Ele franziu o cenho. — Pode falar. Olhei em direção à porta. Theo estava me esperando, firme, atento. — Eu acho — falei devagar, sentindo o peso do que dizia — que o irmão da Júlia está usando material antigo para criar as denúncias de agora. O professor arregalou os olhos. — Material antigo… de quê? — De conversas. Prints. As situações que ele mesmo manipulou no ano passado. E agora ele está reaproveitando e adaptando tudo para parecer que está acontecendo de novo. Só que agora, comigo. O silêncio dele foi chocante. Parecia que uma peça fundamental acabava de se encaixar. — Lívia… você tem certeza disso? — ele perguntou, quase num sussurro. — Sim. Eu tenho certeza. Ele respirou fundo. — Então o problema é ainda maior do que imaginávamos. E agora eu preciso que você tome cuidado. Meu coração bateu forte. — Com o quê? Ele olhou para mim com seriedade máxima. — Com quem vai tentar falar com você fora daqui. E com o que vão tentar te mostrar sobre o Theo. Meu estômago apertou. — Eles podem tentar me manipular? — Sim. Como fizeram com a Júlia. Eu senti o corpo inteiro estremecer. O professor completou: — E você precisa me prometer uma coisa. — O quê? — Qualquer mensagem estranha, print suspeito, conversa duvidosa… Traga para mim primeiro. Antes de falar com o Theo. Antes de qualquer reação. Engoli seco. — Prometo. Ele assentiu. — Pode voltar. E não perca de vista quem está do seu lado de verdade. Voltei para a porta. Theo estava ali, exatamente no mesmo lugar, como se não tivesse respirado desde que eu saí. Quando me viu, o corpo dele relaxou um pouco. — E aí? — ele perguntou, com a voz baixa. Respirei fundo. — Theo… ele está indo mais longe do que você imagina. E a escola já sabe disso. Os olhos dele ficaram mais sérios. — O que exatamente ele fez agora? Eu senti a verdade pesada na boca. E respondi: — Ele pediu para a escola separar a gente. Theo ficou paralisado por um segundo. Mas não de medo. De raiva. De indignação silenciosa. De p******o. Theo ficou parado por alguns segundos depois de eu dizer: “Ele pediu para a escola separar a gente.” Os olhos dele estavam tensos, firmes, como se finalmente tivesse encontrado o fio certo para puxar — o fio que revelaria tudo. — Ele não vai conseguir. — Theo repetiu, mais firme. — Não dessa vez. A convicção dele era diferente. Não era explosiva. Não era agressiva. Era decisiva. Maria estava um pouco atrás, observando tudo com atenção, mas em silêncio — como se soubesse que esse momento era só nosso. Theo deu um passo na minha direção. — O que mais ele disse? — ele perguntou. Respirei fundo. — Ele falou com a coordenação e mandou uma mensagem. Disse que a situação aqui é “uma repetição”. Theo fechou o punho com força. — Ele não aprendeu nada com o que fez da última vez. — Ele aprendeu sim. — respondi. Theo franziu o cenho. — Ele aprendeu exatamente como usar a escola a favor dele. O olhar de Theo mudou sutilmente. Eu vi a ficha cair. — Ele tá repetindo o mesmo roteiro. — Theo disse. — Mesmo jeitinho, mesmo começo, mesma pressão. — Exato. — respondi. Mas então acrescentei: — Só que agora tem uma diferença. Theo ergueu o olhar instantaneamente. — Qual? Peguei o celular no bolso. — Ele deixou rastro. Theo ficou imóvel. Atento. — Que rastro? Abri a galeria. Mostrei o print que circulou no grupo: “Denúncia registrada por: J. Duarte.” Theo franziu o cenho, mas não com surpresa dessa vez — com análise. — Isso deveria ser segredo. — ele murmurou. — Ele não podia ter aparecido assim. — Mas apareceu. — falei — E isso diz alguma coisa. Theo se aproximou um pouco mais, olhando o print com atenção. — Ele sempre usou a p******o da escola pra agir por fora. Mas agora ele está deixando o nome dele aparecer nos documentos internos? — Sim. — confirmei — Isso não é normal. Theo balançou a cabeça. — Não mesmo. E então eu percebi a primeira contradição — algo que não fazia sentido, mas que eu não tinha notado até ouvir a respiração acelerada de Theo. — Theo… — falei devagar — se ele queria repetir a história sem ser descoberto… — Por que colocou o nome dele? — Theo completou. Eu assenti. Theo deu um passo para trás, pensativo, como se aquilo abrisse uma porta dentro da cabeça dele. — Ou ele cometeu um erro… — Theo disse — Ou ele quer que eu veja que é ele. A frase ecoou dentro de mim. — Ele quer que você veja. — respondi. — Ele quer que você saiba que ele está envolvido. Theo passou a mão pelos cabelos, inquieto. — Isso muda tudo. Porque, da última vez, ele se escondeu totalmente. Ele manipulou tudo, mas ninguém conseguia provar nada. — E agora? Theo me encarou. — Agora ele tá mais confiante. Confiante demais. — Confiante no quê? — perguntei. Theo respirou fundo. — Que você vai reagir igual a Júlia. Que você vai duvidar de mim e vai se afastar. O estômago revirou — não de medo, mas de raiva pela clareza c***l da situação. — Mas eu não vou. — falei firme. — E isso é o que ele não esperava. Theo ficou em silêncio. Um silêncio pesado, cheio de significado. Então, pela primeira vez desde que começamos essa conversa, algo diferente apareceu no olhar dele: esperança. Ele disse: — Ele não sabia quem você era, Lívia. Ele não sabia que você ia olhar pras coisas e questionar. Ele pensou que você ia quebrar fácil igual ela. A raiva por Júlia e por mim apertou o peito ao mesmo tempo. — Então ele errou comigo. — falei. Theo assentiu. — Sim. E agora ele tá começando a perceber isso. Eu respirei fundo. — E o que a gente faz agora? Theo se aproximou mais, sem tocar em mim, mas perto o suficiente para que eu sentisse o peso da presença dele. — Agora a gente faz o que ele não espera que a gente faça. — O quê? Theo olhou nos meus olhos — firme, decidido. — A gente fica junto na mesma versão. Sem dar espaço pra ele escrever outra no nosso lugar. Meu coração disparou. — Isso faz diferença? — perguntei. Theo respirou fundo. — Fez falta com a Júlia. Ele parou um pouco, mas com o rosto cheio de dor. — Ela acreditou na versão dele… porque eu cheguei tarde demais pra contar a minha. O impacto dessas palavras me atravessou por inteiro. — E comigo? — perguntei, calma. Theo respondeu sem hesitar: — Com você, eu não cheguei tarde. Ainda dá pra evitar o que aconteceu com ela. Fiquei em silêncio por alguns segundos. Era muita coisa. Mas tudo fazia sentido. Theo continuou: — A gente já sabe quem tá por trás. A gente já viu como ele age. E agora temos a primeira contradição real no que ele faz. Respirei fundo. — Então… isso é vantagem? Ele assentiu. — É o começo. O silêncio se instalou de novo, mas dessa vez não era um silêncio pesado. Era um silêncio que preparava o próximo passo. Theo respirou fundo. — Livia… Agora falta só uma coisa pra você entender a história toda. Meu coração bateu mais forte. — O quê? Ele olhou para o chão por um segundo. Depois voltou a olhar para mim. — O dia em que tudo realmente quebrou. O dia em que a Júlia foi embora. Eu senti um arrepio suave — não de medo, mas de antecipação. Theo completou: — E você precisa saber disso antes que ele conte do jeito dele. Alguém chamou do corredor: — Navarro! A diretora quer você agora! Theo fechou os olhos, irritado. — De novo. — ele murmurou. Mas antes de ir, ele colocou a mão na porta e falou: — Não vai embora. Porque quando eu voltar… eu termino essa parte. Eu assenti. Ele saiu. E eu fiquei ali, com uma certeza batendo forte dentro de mim: A história da Júlia estava prestes a revelar o que ninguém viu — nem mesmo o Theo.
Leitura gratuita para novos usuários
Digitalize para baixar o aplicativo
Facebookexpand_more
  • author-avatar
    Escritor
  • chap_listÍndice
  • likeADICIONAR