*Elisa*
Elisa não sentia nada. Nem a chuva de verão caindo sobre o seu corpo. Nem a parede áspera do beco onde estava encostada. Nem o copo de bebida na sua mão, nem a euforia que fingia sentir para acompanhar o ritmo das pessoas à sua volta. Estava vazia. Esgotada. Invadida por um torpor que, apesar de preocupante, era bem-vindo.
Céus, ela não sabia como lidar com o que aconteceu. Não sabia se era pior não sentir nada, ou se permitir sentir e pensar em como havia dormido com o inimigo. Não de uma forma metafórica, ela literalmente dormiu com o homem que tentou destruir a sua família e a comunidade em que vivia. E deixou ele fazer tantas coisas com o seu corpo que...
Ela fechou os olhos, se esforçando para bloquear os pensamentos, e tentou se concentrar na música extremamente alta ao seu redor.
Era difícil acreditar que tinha sido tão burra a ponto de se entregar para Grego. De não perceber que estava sendo usada. De não perceber que ele era a droga de um policial disfarçado, infiltrado no morro para descobrir a identidade do seu irmão. Um policial com tendências psicopatas que apenas a usava, que dormia com ela para arrancar informações. Que quase matou o seu irmão e a sua melhor amiga...
Elisa voltou a abafar os pensamentos, teria que lidar com aquilo em algum momento, mas não agora. E talvez não no dia seguinte. Assim como não havia lidado em nenhum dos últimos sete dias.
Precisava voltar para casa. O seu celular estava cheio de mensagens da melhor amiga, do irmão e de Jamaica. Esse último foi o que mais insistiu em manter contato, mesmo sendo ignorado, mandou mensagem atrás de mensagem, sempre preocupado, sempre garantindo que tudo ficaria bem, que ele a entendia. Como se os dois ainda fossem os melhores amigos que eram há anos atrás.
Eles não eram. E ele não entendia o que ela estava passando. Ninguém entenderia.
Como enfrentaria a sua família novamente? Todos pareciam saber que Grego não prestava, mesmo que a maioria achasse isso pelo modo como ele a tratava, como se ela fosse só mais uma p**a com quem ele se divertia quando queria e descartava quando estava cansado.
E ainda assim, ela sempre voltava para ele.
Era irônico como havia se embolado naquela história. No começo, se aproximou de Grego porque precisava de distração. Ele parecia muito disposto a ficar com ela, insistente até, e garantiu que seria só sexo. Bem, Elisa queria distração, ele queria sexo, para ela pareceu uma ótima combinação.
O problema é que ultimamente vinha precisando de muita distração. No meio de várias noites de distração com Grego, acabou cruzando a linha e... se importando com ele, ou melhor, se importando em provar que não era tão descartável quanto as outras mulheres que ele pegava.
No fim das contas não era, certo? Porque as outras mulheres serviam só para sexo, mas ela não, ela servia para sexo e para extrair informações para ferrar com a vida do dono do morro, que também era seu irmão.
Como foi burra, se deixando enganar por um homem pela segunda vez na vida, e ainda assim...
O seu celular vibrou com uma mensagem. Ela puxou o aparelho da cintura e olhou para tela sem nenhuma vontade, enquanto tentava tomar coragem para sair daquele beco e voltar a fingir que estava tão animada quanto todas as outras pessoas no meio do carnaval de Salvador.
17:34h Camila: Décimo terceiro motivo para você voltar: o Jamaica precisa da sua ajuda.
Elisa leu a mensagem duas vezes antes de ignorar a pontada de preocupação que sentiu e bloquear o celular. Por falar em homens que a enganaram, ali estava o único outro que a fez de boba: Jamaica, ou, se você preferir, o melhor amigo de infância/adolescência dela.
Por mais que odiasse a história de Grego, ver a mensagem sobre Jamaica fez ela perceber que ser enganada por Grego não podia ser o fim do poço. Com certeza aquela porcaria não lhe causaria tantos danos quanto ter sido engana por seu melhor amigo. E isso, de um jeito bastante estranho, era consolador. Ela conseguiu viver com a traição de Jamaica, depois disso certamente poderia superar qualquer coisa.
Pensar assim fez Elisa lembrar da promessa que fez a si mesma anos atrás: jurou que não deixaria um homem abalá-la, nunca mais.
Então, por que estava indo tão fundo naquele poço deixado por Grego? Pelo amor de Deus, onde é que estava o orgulho do qual ela tanto se gabava?
Uma chuva repentina desabou sobre a multidão que seguia o trio, arrancando gritos animados dela. Elisa não se importou com a chuva. Enquanto via a sua roupa encharcar, e sentia os pensamentos girarem cada vez mais rápido na sua mente, ela decidiu que se permitiria mais um tempo de auto punição e torpor, e então daria uns gritos e deixaria Grego para trás.
Isso aí.
A decisão fez a sua mente confusa voltar novamente para o passado. Fez pensar em como Jamaica não foi tão fácil assim de superar. Não havia tempo que fizesse a sensação de traição, perda e indignação passar. A traição porque ele era uma das três pessoas que ela mais amava e confiava no mundo, logo depois da mãe e do irmão. Uma pessoa que ela não imaginava que fosse tentar enganá-la. A perda porque ele era seu melhor amigo, a pessoa com quem ela passava mais tempo até do que com a família, ter que deixar isso para trás foi terrivelmente difícil, e mesmo que a dor tivesse desvanecido com o tempo, depois de anos, ainda sentia um buraco no lugar onde antes a presença dele ocupava. E a sensação de indignação era porque, pelo amor de Deus, ele a conhecia, sabia que ela odiava ser engana, e ainda assim fez o que fez e...
Por que mesmo estava pensando nele agora?
Ah, certo, a mensagem que tinha acabado de ignorar.
Tinha um milhão de problemas para pensar, fora que podia muito bem se concentrar no carnaval que passava bem ali, logo depois daquele beco.
No fim das contas ela apenas saiu do beco, deixou a mente em branco e decidiu que aquele seria seu último dia em estado de surto. Na manhã seguinte arrumaria as suas coisas, voltaria para casa e deixaria toda aquela merda sobre Grego para trás, afinal, ele estava morto e ela tinha uma vida inteira pela frente.
E não choraria por isso.