Terror
Tava sentado na mesa, acompanhado do RD.
O jogo de baralho aberto na mesa, a TV ligada, mas a mente tava longe.
A Manuela tinha saído pra visitar o Iago, e é f**a não poder tá lá. Saudade daquele moleque pra c*****o.
Eu tava calado fazia um tempo, só observando as cartas na minha mão e pensando que fazia dois meses que ele tava lá dentro.
— E aí, parceiro? — o RD riu, jogando a carta dele. — Tu vai deixar eu ganhar mais uma?
Dei um meio sorriso, sem olhar pra ele.
Nem tava prestando atenção na p***a do jogo.
A cabeça tava longe.
— Tu tá esquisito hoje, hein — ele comentou. — Desde que a Manuela saiu pra visita, tu tá mudo.
— É — murmurei.
Sei lá, acordei com um sentimento r**m pra carai.
Até levei um papo com a Manuela hoje cedo, antes dela sair de casa, sobre isso.
Mandei ela ficar esperta, se notar qualquer bagulho estranho.
Não costumo sentir esses bagulhos, mas hoje esse sentimento tá f**a pra c*****o.
Joguei minha carta e ganhei a p***a do jogo, e o RD soltou uma gargalhada.
Já ia zoar ele quando o meu telefone começou a tocar em cima da mesa.
Peguei e vi o número desconhecido.
Mas atendi mesmo assim.
— Fala.
Do outro lado, a voz era baixa, como se a pessoa cochichasse, mas dava pra perceber a tensão.
— Bernardo… é o Maurício.
Na hora, me encostei na cadeira. O RD, que tava pegando uma cerveja, virou pra mim.
O Maurício só ligava quando o assunto era o Iago.
Nós sempre tem uns parceiros dentro do bagulho, sabe como é.
— Fala, Maurício.
— É o Iago. — a voz dele pausou um pouco. — Aconteceu uma parada feia agora há pouco com ele.
— Que p***a de parada? — perguntei, apoiando os cotovelos nos joelhos.
— Um maluco tentou apagar ele aqui dentro. Teu filho tá m*l, saiu desacordado. Levaram pro Souza Aguiar.
Cara, senti quando a minha alma saiu do corpo.
Olhei pro RD sem conseguir falar nada por alguns segundos, enquanto ele me chamava.
— Tá vivo? — perguntei. Eu só queria saber isso.
— Quando saiu daqui tava respirando. Mas tava m*l.
— Quem fez essa p***a?
— Um preso de outra ala que conseguiu entrar aqui. Certeza que facilitaram essa p***a.
— Valeu. — falei rápido e desliguei.
Apertei o celular na mão, sentindo o ódio pulsar entre os dedos.
O baralho ficou esquecido na mesa e o RD só me olhava, assustado.
— Que que foi, Terror? — perguntou, largando a cerveja. — Tá branco, pô.
Passei as duas mãos no rosto, rápido, tentando segurar o desespero que vinha subindo com força.
— Tentaram matar o Iago... — falei. — Lá dentro do presídio.
— Como assim, c*****o? Quem fez essa p***a?
Me levantei de uma vez, a cadeira quase caiu pra trás.
— Não sei, mas vou descobrir. Eu vou virar aquela p***a de cabeça pra baixo até achar esse filho da p**a.
Peguei o telefone de novo, a mão suando frio.
Liguei pra Manuela.
O som do toque parecia uma eternidade.
— Atende, porra... — murmurei.
— Alô? — ela atendeu.
— Manu... — engoli seco. — Vai pro Souza Aguiar agora.
— O quê? O que aconteceu? — a voz dela já aflita.
— O Iago... — respirei fundo, o corpo inteiro tensionado. — Tentaram matar ele agora... lá dentro da cadeia. Tão levando ele pro hospital.
Por alguns segundos, só dava pra ouvir a respiração dela do outro lado.
— Meu Deus, não... — ela murmurou, chorando.
— Vai pra lá, amor. — falei rápido. — Eu não posso ir, tu sabe. Tô com essa p***a de mandado de prisão no meu nome e lá deve tá cheio de polícia. Vai tu e me liga assim que souber como ele tá.
— Tá bom... eu tô indo agora. — respondeu, chorando. — Tô indo lá.
Desliguei e fiquei parado com as mãos na cabeça, o peito subindo e descendo rápido.
— Terror, vou pedir a Any pra descer pra ficar com ela?
— Valeu, parceiro. — falei firme.
Levantei a cabeça, passei a mão nos cabelos, nervoso.
— Eles vão se arrepender de terem encostado no Iago... — murmurei, a voz grossa. — Eu vou acabar com um por um.
Manuela
Tava tão nervosa que nem lembrava direito do caminho até o hospital.
A mão no volante tremia enquanto eu acelerava.
Parei o carro na frente do hospital e saí correndo.
Entrei pelas portas de vidro e fui direto pro balcão.
— Moça, por favor... — falei, ofegante. — O meu filho... o nome dele é Iago Ferreira da Silva, ele tá preso e foi trazido há pouco pro hospital!
A recepcionista me olhou, assentindo.
— Vou buscar informações aqui.
— Preciso saber como ele tá. — falei pra ela.
A moça puxou o telefone, discou e começou a falar baixinho com alguém.
Apoiei as mãos na bancada e só rezava pedindo pra Deus guardar o Iago.
— Chegou um rapaz aqui, sim. — disse. — Foi direto pra cirurgia.
Na mesma hora, ouvi alguém me chamando atrás.
— Manuela!
Virei e vi o Flávio entrando pela porta de vidro.
— O Bernardo me ligou. — disse, chegando perto. — Vim o mais rápido que pude.
— Flávio, pelo amor de Deus, me ajuda a saber notícias do Iago.
— Vou lá, já volto. — ele falou, apressado, e sumiu pelos corredores.
Me sentei na cadeira, com as mãos apertadas no colo.
Cada minuto parecia uma hora.
Quando ele voltou, me olhou com o rosto tenso.
— Ele tá em cirurgia. — respondeu.
Apertei o peito com a mão, sentindo o desespero me atingir com tudo.
— Eu quero ver ele.
— Calma. — ele pousou a mão no meu ombro. — O médico vai vir falar com você.
Ficamos ali, lado a lado, sem falar nada.
Eu olhava pro chão, mexia os dedos sem parar.
Até que um homem de jaleco branco veio na minha direção.
— A senhora é a mãe do Iago Ferreira? — me levantei e fiquei de frente pro doutor.
— Sou, sim. — respondi, a voz quase não saía.
— Ele deu entrada com um ferimento profundo no abdômen, causado por uma arma branca. — começou, firme. — Quando chegou, já tava com uma hemorragia interna importante, pressão muito baixa, pulso fraco. A gente correu pra cirurgia imediatamente.
Segurei o ar, tentando me manter em pé.
— E aí? — consegui perguntar.
— A lâmina atingiu o rim esquerdo. — ele explicou. — Tentamos conter o sangramento, mas o órgão tava muito lesionado. Se mantivesse, podia causar infecção grave ou novo sangramento.
— Então o que vocês fizeram? — perguntei, a voz trêmula.
— Tivemos que retirar o rim. — disse, direto. — Foi a única forma de salvar a vida dele.
As pernas amoleceram.
O Flávio me segurou pelo braço.
— Retiraram… o rim dele? — ele repetiu.
— Sim. — confirmou. — O outro tá funcionando bem. Ele vai poder viver normalmente com um só.
Engoli o choro e passei as duas mãos no rosto, sem conseguir parar as lágrimas.
— Ele corre algum risco, doutor? — perguntei, com a voz falhando.
— Ainda é grave — respondeu, calmo. — Mas ele é jovem, tá reagindo bem. Isso ajuda muito.
Ele ajeitou o crachá no peito.
— Ele perdeu bastante sangue, precisou de transfusão, e está entubado, em ventilação mecânica, pra ajudar o corpo a se recuperar. A sedação é necessária pra evitar dor e esforço, mas a tendência é a gente reduzir nas próximas 24 horas pra avaliar a resposta neurológica dele.
Senti o peito apertar.
— Entubado? — repeti, sem acreditar.
— Sim. — disse, tranquilo. — É comum em casos assim. A ventilação ajuda o corpo a descansar e garante que o oxigênio chegue bem enquanto ele se recupera.
Fiquei quieta por um instante, tentando processar tudo.
— Posso ver ele? — pedi, quase suplicando. — Só um minuto, por favor.
— Agora não é possível. — respondeu. — Amanhã eu deixo a senhora ver de longe, pela janela da UTI.
Assenti devagar, limpando as lágrimas.
Eu só queria olhar pra ele, mesmo que fosse de longe.
— Obrigada, doutor. — falei, baixo.
Ele assentiu e saiu.
Me sentei na cadeira sem força.
O Flávio ficou ao meu lado, calado.
Peguei o celular e disquei o número do Bernardo.
— Fala. — ele atendeu na primeira chamada.
— Ele terminou a cirurgia. — falei, chorando. — O médico disse que tiveram que tirar um rim dele.
Silêncio.
Por uns segundos, nada.
Até ouvir ele soltar baixo:
— Caralho...
— É... — respirei fundo. — Mas tá estável. Tá sedado, entubado, mas estável.
Do outro lado, dava pra ouvir a respiração pesada dele.
— Tu viu ele? — perguntou.
— Ainda não deixaram. Amanhã eu vejo.
— Queria tá aí.
— Também queria você aqui. — falei, limpando as lágrimas. — Mas tá cheio de polícia. Se te pegam, te prendem na hora. Eu tô aqui com o Flávio.
— Tá bom. — respondeu. — Vem pra casa então, preta.
— Vou. Mas vou deixar meu número com a moça da recepção primeiro.
— Tá. Te amo. Ele vai sair dessa p***a.
— Também te amo. — respondi e desliguei.
Fiquei um tempo olhando pro celular, respirando fundo.
O barulho do hospital, os passos, as vozes… tudo parecia distante.
Me inclinei pra frente, apoiei o rosto nas mãos e respirei, tentando me recompor.
O peito doía, mas vinha junto um alívio pequeno: o de saber que ele tava vivo.
O Iago sempre foi forte. Eu sei que ele vai sair dessa.
Peguei o celular de novo, procurei o contato da Maria Clara.
Mesmo com a mão tremendo, disquei.
Depois de dois toques, ela atendeu.
— Alô? — a voz dela soou do outro lado da linha.
— Maria Clara… — falei, tentando conter o choro. — Aqui é a Manuela.
— Oi. Tudo bem? — perguntou.
Olhei pro teto, tentando segurar a voz.
— Tentaram matar o Iago no presídio...