Capítulo 23

1228 Palavras
Alicia Subo o morro correndo, no maior desespero e com o coração batendo na boca. A sorte é que o Doca passou de moto e me deu uma carona até aqui em cima. Desci agradecendo e saí disparada pelo beco. Quando cheguei na esquina, vi a filha da p**a da Natália parada na porta da boca querendo falar com o meu pai. Fiquei maluca. Ela não pode falar com ele, senão eu tô fudida. Me escondo no muro de uma casa, tentando pensar. Se ela ainda tá ali é porque provavelmente ele não chegou, então não se falaram. Respiro fundo, pego o celular e ligo pra minha mãe, invento que tô morrendo de cólica e peço pra ela vir me buscar. Dito e feito. Em pouco tempo o carro dela apareceu na rua. Entro rápido e me ajeito no banco. Só do carro dela brotar, a p*****a da Natália já vai saindo de fininho. — Por que não pediu pra um dos meninos te deixar em casa? — ela pergunta. — Porque eu não gosto de andar com esses meninos. — invento na hora, tentando disfarçar enquanto vejo a vagabunda atravessar atrás do carro. Elas adoram pagar de maluca, mas todo mundo sabe que se mexerem com a minha mãe o Iago desce a mão em geral. Eu sorrio por dentro, satisfeita, vendo que deu certo. — Anda, mãe! — falo, encarando ela. Mas ela não me olha, tá encarando o retrovisor. — Por que essa garota tá me encarando? — fala já abrindo a porta. — Mãe! Deixa isso pra lá! — grito, mas ela não me escuta e sai p**a do carro. Abro a porta correndo e vejo ela já enquadrando a Natália do outro lado da rua. — Qual é a tua, garota? — ela gritou, a voz alta como se quisesse chamar a favela inteira pra ouvir. — Já não basta ficar de piadinha comigo no mercado, ficar me encarando na rua… tá fazendo o quê aqui agora? — Não é da tua conta não, maluca! — Natália rebate. — Mas já que tu quer saber eu vou te contar. Vim vê o teu marido! — falou, e foi a gota d’água. Minha mãe voou em cima dela como uma leoa fora de controle, os braços indo pra todo lado, os dedos tentando agarrar, arranhar, machucar. — Mãe, pelo amor de Deus! — eu me enfio no meio, tentando segurar o braço dela. — Para de fazer confusão, tu sabe que o pai não gosta de briga na rua! Vamos pra casa, mãe, vamos embora! Ela me empurra pro lado. — Me larga, Alicia! — grita, com raiva. — Vai embora, Natália! — berro, tentando ganhar força na voz. — Some daqui, maluca! Vai embora! — Eu não vou a lugar nenhum. A rua é pública! — Natália cruza os braços, me encarando. — EU VOU TE ARREBENTAR! — minha mãe avança, e eu me jogo na frente. — Mãe, não! — grito desesperada, empurrando ela de volta. — Pelo amor de Deus, não faz isso aqui! — Eu vou te matar, sua p*****a! — minha mãe grita, totalmente fora de si. — Desgraçada! Eu vou arrastar essa tua cara horrorosa nessas pedras até tu ficar desfigurada! — Tá achando que mete medo em mim? — Natália solta rindo. — Eu só tenho medo de Deus! — É… então vem cá, sua p**a! — minha mãe avança de novo e eu empurro ela com força. Senti a unha dela rasgando meu braço, um arranhão ardido que queimou na hora. — Vamos embora, mãe! Pelo amor de Deus, vamos embora! — peço, tentando segurar ela. Natália dá um passo atrás. — Isso… vai tomar um remedinho. — fala e sai andando, mas se vira jogando um veneninho por cima do ombro. — Depois eu volto! Minha mãe ainda tenta ir atrás, mas eu me agarro no braço dela, fingindo chorar de cólica. — Pelo amor de Deus, mãe, vamos embora! Eu tô com muita dor. Ela respira fundo, me encara e volta pro carro bufando. Eu entro atrás dela, as mãos tremendo e o coração quase saindo pela boca. Entramos no carro e o único som dentro era o choro dela. Ela dirigia com as mãos trêmulas, lágrimas descendo pelo rosto, os olhos vermelhos. Eu não falei nada, fiquei quieta, olhando pra frente. Mas às vezes passava o olhar por ela. De repente, uma moto surgiu e quase batemos. — Mãe! — gritei, agarrando no banco. — Olha a moto! Ela freou bruscamente, o carro deu um tranco e parou no meio da rua. A cabeça dela caiu sobre o volante e ela começou a chorar alto. — Ai, meu Deus… — soluçava. — Que raiva, que nojo! — Calma, mãe, calma… — tentei segurar os braços dela. — Você vai ficar dando confiança pra essas putas? Deixa que se f*dam, mãe. Essas piranhas ficam o tempo todo jogando piadinha, a senhora sabe como é. Ela virou o rosto pra mim, lágrimas escorrendo, o olhar carregado de tristeza. — Você ouviu o que ela falou, Alicia? — bateu no volante, furiosa. — Ela disse que foi ver o teu pai. — Como eu fui burra meu Deus! Eu perguntei se ele tava me traindo, ele disse que não e eu acreditei. — bateu de novo, forte. — Que ódio de mim mesma! — Mãe… calma. — tentei abraçar, mas ela me empurrou de leve. — Você sabe como o homem é… essas meninas ficam se oferecendo. O pai chama atenção, é bonito, a senhora sabe. Homem do morro é assim, mãe. Sempre tem um bando de mulher atrás. A senhora sabe disso. Ela me olhou com o rosto cheio de lágrimas e falou trêmula, indignada: — O quê? — gritou. — Tu tem noção do que tu tá falando? Tu tá justificando ele ter sido um p*u no cu comigo? Alicia… eu passei a vida inteira cuidando de vocês. Eu sozinha, criando tu e teu irmão, enfrentando tudo com ele preso, eu fui presa… e agora tu passa pano pra ele? Tu viu tudo o que nós três passamos. — Não, mãe… não acho certo, não. Pelo amor de Deus, não tô dizendo isso. Eu acho um absurdo o que ele tá fazendo com a senhora. Só que é assim, né? Esse tipo de homem sempre tem várias mulheres. Eu também tô surpresa… afinal parecia que o pai era diferente. Ela passou a mão pelo rosto, limpando as lágrimas, e o olhar dela se perdeu na rua. — Eu perdi tanto tempo da minha vida… — a voz saiu sofrida. — Tanto tempo apostando em uma mentira. Ela encostou a testa no volante de novo e chorou. Eu encostei a cabeça no ombro dela e fiquei ali, fazendo carinho no seu braço. Eu sei que deveria sentir remorso pelo que a minha mentira causou. Mas não sinto. Só penso em uma coisa: eu não quero morrer. Talvez fosse até melhor se eles se separassem. Porque aí meu problema acabava. Meu pai ia ficar livre pra ficar com quem ele quisesse. A Natália ia sair do meu pé. E minha mãe? Ah, minha mãe já tá acostumada a viver sozinha mesmo. Passou vinte anos sem ele. E, convenhamos, ela é linda. Ia arrumar outro fácil. Talvez, um dia, até me agradeça por ter se livrado dele.
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