Capítulo 53

1798 Palavras
Iago Empurro a porta de metal. E entro no galpão que tá abafado pra c*****o. Assim que entro meu olho bate na Alicia que ta sentada numa cadeira de plástico no centro do bagulho. Os vapores tão em volta, armados, só na atividade, mas ela... tá de perna cruzada. Olhar debochado e aquele ar de quem ainda acha que manda em alguma p***a. Iludida. — Demorou, hein? — a voz dela soa irônica. Começo a andar na direção dela. Devagar. Cada passo é uma pontada funda na merda desse ferimento, o músculo repuxando. Mas eu não mudo a expressão. Não dou essa pala pra ela. — Tá ansiosa, c*****o? — pergunto baixo, sem emoção nenhuma. Ela dá uma risada curta. — Vai se f***r, Iago. Tu é um covarde. Um merda. Continuo andando, sem pressa, o olhar preso no dela. Até que paro a um metro. — Tá nervosa, então? — repito, na mesma tranquilidade. Ela ergue o queixo, bancando a braba. — Não tô p***a nenhuma. — Que bom. — falo, frio. — Porque se não tá, vai ficar. Cruzo os braços e viro pro lado. — Pretinho, traz a zero. O menor vai buscar na salinha e logo a única coisa que se ouve é o bzzzzzz irritante da máquina ligando. Os olhos dela arregalam. A marra toda sume. Ela dá um pulo, tentando se adiantar, mas o bonde não tá de óculos. Já colam nela, travando a arrombada pelos ombros. Firme. E aí ela perde a linha de vez e começa o esporro. Dando showzinho, berrando, xingando todo mundo de filho da p**a, chorando igual uma emocionada. Naquele desespero todo. — ME SOLTA, SEUS FILHOS DA p**a! ME SOLTA! Ninguém mexe um músculo. Dou alguns passos e colo perto dela. Minha mão agarra o seu pescoço, f**a-se se vai machucar. Empurro a cabeça dela de volta no encosto da cadeira e prendo ali. — Para de se debater, p***a! — solto alto. O som da máquina raspando o couro cabeludo dela continua. Bzzzzzzz. Pretinho faz o serviço na calma. Os fios castanhos, lisos, vão caindo. Grudando no suor do ombro dela, nas pernas e formando um tapete no chão de cimento. — SEU DESGRAÇADO! FILHO DA p**a! Se debate, mas a máquina não para. Quando o Pretinho termina o primeiro lado, eu seguro o queixo dela com força e viro o seu rosto de um lado pro outro, forçando ela a me olhar. Seus olhos tão vermelhos de ódio e a cara molhada de lágrima. A marra foi pro saco junto com o cabelo. Solto o queixo dela com nojo. E ela se debate igual uma criança birrenta, sapateando no chão. Patética. — Meu cabelo! Me solta, seu arrombado! Pretinho fica parado, com a máquina na mão, esperando a ordem seguinte. — Termina essa p***a, Pretinho. Raspa tudo. — Dou uma olhada na "obra" quando ele finaliza. A careca brilhando sob a luz do galpão. — Aí, ó. Ficou até mais gata. — solto, só no deboche. — Mó presença. Ela levanta a cabeça me encarando, os olhos vermelhos de ódio e a boca tremendo. — Vai pra p**a que te pariu! — puxa o catarro do fundo da garganta e cospe. A parada acerta meu braço. Todo mundo no galpão fica em silêncio. Os menor parecem ter parado até de respirar. Eu olho pra baba nojenta escorrendo pela minha pele. O sangue gela na hora. Aquele fogo sobe direto pro meu peito, a mão coçando pra apagar ela. Limpo o braço na minha própria camisa. Devagar. Sem pressa. — Tá nervosa, agora? — minha voz sai gelada. — Fica de boa, pra onde tu tá indo, essa p***a não vai fazer falta nenhuma. Só aí a ficha parece cair pra ela. — Tu... tu vai ter coragem mesmo de fazer isso comigo, Iago? — a voz agora tá baixinha, melosa, mas o pavor tá estampado em cada sílaba. — Sou sua irmã... tua irmãzinha... Tá tentando apelar. Jogando a última carta. Será que ela acha mesmo que essa p***a de sangue vai colar? — Tu não vai ter coragem de me passar né, Iago... não, né? Tu vai? Eu sou sua irmã, Iago. "Irmã." É uma filha da p**a mesmo. Como que tem coragem de usar essa palavra depois de tudo que fez? Me abaixo, ficando cara a cara com ela. O cheiro de medo forte pra c*****o. — Tu num teve coragem de me jogar na tranca, c*****o? — pergunto, olhando fundo no olho dela. — Não teve peito pra me caguetar, me ver agarrado dois meses, sabendo que foi caô dos bota? Não teve coragem de se aliar com os verme? Ela tenta balançar a cabeça, "não, não", mas nem som sai. Eu me levanto e dou as costas pra ela. — Tamo quite então, c*****o. A conta tá paga. Ninguém tá devendo mais p***a nenhuma pra ninguém. Dou um sinal pro Pretinho. O moleque tá parado, esperando a próxima ordem, a máquina de raspar ainda zunindo na mão. — Pretinho. — minha voz sai sem emoção. — Pega a navalha. O moleque ri de lado, vai na mesinha de ferramentas e volta. — A de cabo branco, — especifico. Ele me olha e pega a visão na hora. Entende o recado. — Arranca o couro. — solto encarando ela. O Pretinho é sinistro. O moleque tem disposição pra c*****o. Um sorrisinho de tralha nasce no canto da boca dele. Ele vai de peito estufado, parecendo que ganhou um presente de Natal. Cruzo os braços, ajeitando o corpo. A p***a do ferimento na barriga repuxa, uma dor intensa que me lembra o motivo de eu estar aqui parado. Fico só na atividade, observando por cima. Ele agarra a careca dela pelos lados, sem nenhuma delicadeza. Ela começa a gritar antes mesmo da lâmina tocar. Ele passa a navalha no bagulho já pelado, com força, como se tivesse abrindo um coco. Aí ela esperneia de verdade. Quicando na cadeira, gritando fino, um som de porco sendo pego. O bonde tem que segurar firme nos ombros dela, porque ela se mexe pra p***a e acaba se mijando toda. O cheiro azedo de mijo e medo sobe na hora, empesteando o galpão. O bagulho vai ficando vermelho. A carne viva aparecendo, brilhando de sangue. Feio pra c*****o. Pretinho não tem pena. Ele raspa o bagulho como se tivesse limpando peixe, arrancando o couro cabeludo em tiras molhadas. Depois de uns minutos, ela nem força pra gritar tem mais. É só um choro engasgado, um soluço baixo. O rosto dela tá feião, um rio de sangue que escorre e pinga no peito, na roupa encharcada de mijo. O Tuca encosta do meu lado, em silêncio. Me oferece um baseado já aceso. Pego o bagulho. Trago fundo, prendendo a fumaça no peito, sentindo queimar. Solto devagar, a fumaça cinza subindo e se misturando com o cheiro do sangue dela. Olho pra Alicia. Detonada ali na minha frente. Um trapo. E eu não sinto p***a nenhuma. Aliás... sinto sim. Raiva. Um ódio do c*****o por estar todo fodido, com esse bagulho na barriga, e não poder estar fazendo essa p***a eu mermo. Vendo ela pagar essa conta na minha mão. Ela levanta a cabeça, ou o que sobrou dela. A voz é um gaguejo, pausada e fraca. — Eu... eu tava com raiva... tudo que eu falei... foi na hora da raiva. Fui manipulada, Iago... Dou outra tragada. — O Humberto... que me obrigou... eu juro... Solto a fumaça devagar, olhando pra ela por cima da névoa. Meu p*u que ela foi manipulada. Agora é facil jogar o B.O. só pro verme mas lá embaixo tava peitando geral. Se fuder, irmão! Nem dei ideia praquele caô dela. Piranha mentirosa. Fui direto nos menor que tavam na função da fogueira, atiçando o fogo. Peguei o ferro pelo cabo de madeira e o bagulho tava brilhando, vermelho-vivo. Pesado pra c*****o. Fui andando de volta pra ela, sentindo o calor daquilo na minha mão. Ela me viu chegando com o bagulho quente, já começou a gritar e tremer de novo, se batendo na cadeira, tentando soltar os braços. — Cala a p***a da boca. — falei, sem paciência nenhuma praquele show. Segurei o queixo dela de novo, com força, pra travar a cara. Ela tentou virar, mas eu apertei. Encostei o ferro quente na bochecha dela. O chiado da pele fritando ecoou alto no silêncio do galpão. Um cheiro de torresmo queimado, de porco, subiu na hora, fedendo pra c*****o. Ela deu um berro que deve ter estourado o tímpano de alguém, o corpo todo esticando e tremendo na cadeira. Os menor olhavam fixo, vidrados no serviço. Eu respirei fundo aquela fumaça, sentindo o ódio e a adrenalina me dominando. Tirei o ferro e a marca da queimadura tava vermelha e borbulhando. O símbolo da facção cravado pra sempre na cara dela. Fui até a bancada de ferramentas e vi várias facas ali, de tudo que é tipo. Grande, pequena, curvada, pontiaguda. Passei o dedo na maior. Uma peixeira. Peguei o bagulho. Voltei devagar. Ela tava de cabeça baixa, o corpo mole, só tremendo. O sangue da careca misturado com a queimadura e as lágrimas. — Me... me mata... por favor... — a voz dela é um sopro, quase sumindo. Olhei pra peixeira na minha mão. O aço brilhando. Depois pra cara fodida dela. E aí, do nada, o bagulho bateu. O flash. A imagem dela pirralha, correndo pela sala do barraco. Magrinha, desengonçada. Lembro dela tropeçando, caindo de joelho no cimento. O joelho todo ralado, e ela gritando: "Ago! Ago!" E eu, puto pra c*****o, xingando ela de desastrada, mas pegando o pano molhado pra limpar o sangue. Lembrei dela de noite, subindo na minha cama, morrendo de medo do escuro. Agarrada no meu braço, a voz fininha: "Deixa eu dormi aqui, Ago... se não o bicho vai me pegar." E eu puxando ela pra perto. E agora... agora ela tava ali. Toda fudida! Nem parecia a mesma mina. Ela olhou pra mim e tentou falar alguma coisa, mas só saiu um gemido fraco e embolado. Então ela tentou de novo, o olho buscando o meu, e a única p***a de coisa que eu entendi antes dela apagar de vez, desmaiando ali na cadeira, foi: — Eu... tô grávida do Humberto, Iago! O olhar dela... meio perdido, apagou. A peixeira ficou pesada na minha mão e caiu no chão. Grávida? Que p***a de papo é esse agora? Olhei pros menor em volta, mas eles mantinham a cabeça baixa. Essa filha da puta... não ia ter coragem de jogar um caô desses no meu peito só pra não ser morta, né... ou ia? A raiva que tava queimando meu peito gelou na hora. O galpão inteiro pareceu parar. A Alícia... grávida?
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