| C A S S I D Y C O O P E R|
“Já foi confirmada a identidade do homem encontrado nesta manhã por um navio cargueiro. David Nolan, desaparecido após um naufrágio em 2018, foi levado até o hospital especializado de Long Island nesta sexta-feira. A mãe de David, Ava Nolan, e a irmã mais nova dele, Gwen, foram as primeiras a chegar no local.”
Tudo aconteceu rápido demais na loja de aluguel de vestidos de noiva depois que recebemos a notícia.
O vestido de noiva ideal ficou de canto antes que todas as medidas fossem tiradas, o contrato do aluguel não foi assinado e, de repente, era como se aquele momento tão importante, que deveria ser inesquecível, tivesse se transformado em uma névoa.
Maya nos levou até o hospital especializado de Long Island e quando a ambulância chegou, ele me viu. Digo que David me viu, porque eu já estava com os olhos nele antes que sua maca fosse retirada por completo da ambulância.
Benditt também soube da notícia e por sorte, estava a caminho para resolver algumas coisas. Ele estava lá também e me abraçou da forma mais acolhedora que alguém sem chão pode ser acolhido.
Os olhos de David me acompanharam até a multidão de jornalistas, que se aglomeraram atrás dos paramédicos, tentando capturá-lo em meio a cliques. Não sei dizer se ele me reconheceu, pois não demonstrou emoção alguma. Depois disso, tudo aconteceu de forma automática.
Um socorrista me reconheceu e veio até mim no meio da multidão com uma prancheta.
— Doutora Cooper, você está de plantão?
Foi essa frase que desligou todo o choque que eu estava sentindo e instintivamente, assumi a frente. Peguei a caneta e assinei os exames necessários para uma possível cirurgia de emergência.
Não me despedi de Maya, Gwen, Ava, nem de Ben. Simplesmente me infiltrei no meio das pessoas, me identifiquei com meu crachá e entrei pela porta da frente, que estava bloqueada com uma faixa de isolamento, evitando os jornalistas de se aglomerarem na recepção.
Agora, na minha sala, estou apavorada sem saber como irei trabalhar se não conseguir parar de chorar neste instante.
David Nolan está vivo e a única coisa que se passa na minha cabeça, é pensar que a imagem dele morto, não passou de um equívoco.
Foram cinco anos, e quase mais da metade desse tempo vivendo o luto.
Me sinto aliviada e, ao mesmo tempo, desesperada.
É egoísta demais me perguntar por que ele não voltou antes?
Enquanto choro baixinho com o rosto escondido entre os braços sobre minha mesa, meu celular vibra com uma mensagem de Ben na tela.
Benditt: "Ei Cass, eu sei que o que aconteceu mexeu com você... mas e que queria ficar sozinha...
Eu te conheço amor, mas vamos fazer um combinado, pode ser?
Fala comigo, tá?
Eu estou com você para tudo.
Serei seu esposo daqui três meses e da mesma forma que estive com você lá no começo, vou estar agora.
Eu te amo."
Bloqueio o celular e cubro o rosto.
Ben mais do que ninguém sabe o que passei para conseguir seguir em frente depois do acidente. Demorei muito tempo a conhecer outra pessoa e quando meus caminhos se cruzaram com o dele, ele sempre soube que jamais conseguiria substituir o papel que David teve em minha vida.
Ben sempre respeitou isso e conquistou seu espaço, construiu nossa própria história e por mais que eu queira me afundar em todas as lembranças e na saudade que mantive guardadas a sete chaves, não posso simplesmente ignorar que já se passaram cinco anos e que passei quase mais da metade deste tempo, tentando seguir em frente e superar o trauma daquele naufrágio.
Por mais que Ben entenda isso, ele é meu noivo e daqui a três meses será meu marido. Em breve, entraremos em uma nova fase do nosso relacionamento e não posso esquecer que estou grávida. Preciso, mais do que nunca, ter autocontrole.
Eu: "Obrigada, mas estou bem. Só fui pega de surpresa.
Eu também te amo."
Ben responde de imediato.
Benditt: "Por que não fica em casa?"
Eu: "Não posso. Já faltei semana passada quando fomos levar o convite dos padrinhos, lembra?
Meus pacientes foram remanejados para hoje.
Não posso atrasar minha agenda, senão, não vai ter lua de mel, porque vou precisar ficar atendendo."
Benditt: "Nem pense nisso, dra Cooper."
Coloco o celular na bolsa, e antes que eu guarde ela em meu armário, debaixo da mesa, meu aparelho vibra com uma ligação de d**k.
— Cass? — ele me chama assim que atendo.
— Oi, d**k — respondo num suspiro.
— Onde você está?
— No trabalho — respondo.
— Como você está?
— Péssima — minha voz treme, mas eu seguro o choro.
Dick é uma pessoa fechada. Ele e Maya moram em Manhattan, onde eu morava com eles antes de ser aceita na faculdade de Long Island e me mudar para o campus.
Ele é um ex-militar, então, quando era criança, passei mais tempo da convivência com Maya que, até então, vivia sozinha. Eles não podiam engravidar e quando perdi meus pais e fui para o abrigo, eles eram os primeiros da fila de adoção.
Nunca tive problemas com ele, mas não posso dizer que d**k é uma pessoa fácil de lidar, já que, sempre tive muito receio de me aproximar dele na infância, devido ao seu jeito fechado, e sua dificuldade em demonstrar afeto.
Às vezes, isso até fazia eu sentir que a ideia da adoção partiu mais de Maya do que dele, mas sempre foi algo que nunca fiz tanta questão de perguntar, já que depois que saí de casa para a faculdade, nunca mais voltei para lá. Me formei e fui morar com Gwen em Long Island após começar minha residência.
Essa ligação pode parecer rotineira, mas ela quebra um gesto não feito há anos.
Se d**k está me ligando, é porque ele sabe o que passei para superar a perda.
Eu e David éramos novos a última vez que nos vimos, nem se passava pela nossa cabeça ter um bebê. Tínhamos planos diferentes do que a vida nos reservou. Eu tinha dezoito anos e ele vinte e três. Nós vivemos juntos durante apenas um ano antes do acidente acontecer. Só queríamos conhecer o mundo, t*****r e criar brigas bobas que sabíamos que se resolveria rápido e terminaria em s**o de reconciliação.
David foi o meu primeiro homem em todos os quesitos que uma garota pode sonhar ter. Ele me tirou da caixinha de inseguranças que eu vivia, foi o primeiro cara que levei para conhecer d**k e Maya. O primeiro que amei e que me amou. Com ele, eu não sabia o que era correr riscos ou sentir medo de finais.
David Nolan foi o meu primeiro amor. Aquele que te arranca suspiros, que desperta o melhor que existe em você, que enxerga detalhes que nem mesmo você sabia que existiam.
E tudo isso, num cenário tropical, com protetor solar, marca de biquíni, sodas de limão-siciliano, luaus, areia, banho de mar e uma onda que estraçalhou tudo isso, trazendo a vida adulta para mim, e a inércia por cinco anos na vida dele.
Essa pode ser apenas uma ligação, mas é a forma dele dizer que se preocupa comigo. Se ele me ligou, é porque todos sabem que essa situação para mim, é pesada demais.
— Se quiser, eu posso dirigir até aí — ele se oferece, quebrando o silêncio na ligação.
— Obrigada d**k, não precisa. Vou ficar bem — agradeço.
— Certo. Como está o Benditt? — ele pergunta.
— Bem — respondo.
— Quer falar com a sua mãe?
— Não d**k, eu vou desligar agora, tenho alguns pacientes para atender.
— Tudo bem. Até logo…
— Até logo. Obrigada por ligar — agradeço e encerro a ligação.
Bloqueio o celular e o guardo no bolso do jaleco, depois seco o rosto e ligo o computador. Enquanto começo a observar minha agenda, a porta se abre, revelando Owen, o diretor clínico.
— Cass, transferi sua agenda inteira para Samantha, preciso de você na emergência médica. Com certeza deve ter visto a notícia desta manhã. David Nolan foi resgatado em alto mar e as autoridades acreditam que ele viveu durante cinco anos isolado em uma ilha. Ele tem fraturas no joelho e no quadril. Preciso que você auxilie Terry na cirurgia. Pela repercussão do caso, a impressa vai pesar demais querendo informações, então quanto mais rápido esses exames forem feitos, e realizarmos a cirurgia, melhor será para a família.
— Eu não vou conseguir auxiliar nessa cirurgia, Owen — respondo assim que ele termina de falar. — Sinto muito.
— E por que não pode? — Owen arqueia a sobrancelha completamente surpreso, como se esperasse qualquer coisa, menos uma resposta negativa da minha parte.
Somos amigos e foram poucas vezes que recusei auxiliar em algum caso de urgência. Sem contar que, estou no final da minha residência, então sou a residente da área mais preparada para casos como este.
— Você sabe como meus pacientes são. Eles são idosos e odeiam cancelamento de agenda, além disso, tenho vários retornos de pós-operatórios hoje — me explico. — Não posso deixar minha agenda. Sinto muito.
— Nós estamos de olho em você, Cass. Você está no final da sua residência, e agora simplesmente não quer auxiliar numa cirurgia da sua especialidade? — ele diz em tom de repreensão. — Por que isso agora?
— Tudo bem — acabo cedendo, vendo que a história que tenho para contar é longa e sentimental demais para um caso de emergência esperar.
Sei que o mais indicado era dizer para Owen que eu deveria ser a última pessoa entrar naquela sala, mas não quero transformar essa história em um drama.
Isso é a última coisa que eu e David precisamos viver agora.