Noah se afasta e vem para o nosso lado novamente, ficamos os três no pé da cama, olhando nossos pais, nossa rocha. Minha mãe desvia o olhar de sua mão entrelaçada a de meu pai e diz:
- Meus olhos se enchem de alegria ao vê-los, meus amores – prendo a respiração, a voz dela parece com a voz dela mesmo, de alguma forma, pensei que soaria de alguma forma, diferente.
Meu pai levanta a cabeça e os dois se encaram.
– Heitor... Você tem que se manter forte, por eles – ela respira fundo, parece muito cansada, cansada demais – por favor...
Sua voz falha, acho que meu coração falha também, porque o ar acabou de ficar escasso, lágrimas estão caindo de seus olhos, ela levanta a outra mão, parece fazer um esforço gigantesco e passa no rosto de meu pai, que estremece ao seu toque.
- Lou, eu... Eu não consigo sem você, amor.
Ela chora mais ainda, parece que estou em um pesadelo. Eles se encaram como se estivessem silenciosamente se entendendo, os meninos ao meu lado começam a chorar também.
- O que está acontecendo Ceci? – Sussurra Noah em meu ouvido.
Eu não sei, quero dizer. Mas ao invés disso, passo o braço envolta da cintura dele, ele sempre foi o mais sensível de nós três, sente tudo com muita intensidade, Henry deita a cabeça em meu ombro e eu a seguro, mostrando que estou ali, sempre vou estar ali para os meus irmãos.
Ficamos parados observando aquela cena.
Vejo meu pai subir na cama e minha mãe se aconchegar nele, vejo minha mãe fechar os olhos e dizer: “vou descansar um pouco”. Parece que observo com outros olhos, que não são os meus.
Até que Henry levanta a cabeça e me tira desse estado de estupor.
Meu pai também fechou os olhos e acho que esse é momento perfeito de falar com o médico e de tirar as crianças daqui.
- Vamos lá pra fora um pouquinho?
- Eu não quero – diz Noah.
Teimoso demais, não suporto essa teimosia dele, agora não.
- Noah – digo respirando fundo – vamos.
- Leve eles para casa Cecília – diz meu pai, falando com a gente pela primeira vez desde que chegamos aqui.
- Ta bom, me liga para dar notícias.
Ele faz que sim com a cabeça, me aproximo novamente, dou um beijo na bochecha de minha mãe, e faço o mesmo com meu pai.
- Seja forte – digo, e não sei para qual dos dois eu estava me referindo.
Henry repete meus movimentos, enquanto vou em direção a porta, quando a abro, Henry sai imediatamente, Noah da mais uma olhada e faz o mesmo que nós.
Ainda pareceu uma despedida.
Uma despedida dos dois.
Prefiro não falar com o médico.
Estou surtando e tudo que preciso fazer é sair daqui.
Vou para a saída, seguida pelos meninos e entramos no carro.
Dirijo para casa.
Os meninos não dizem nada, não há o que falar. Noah olha para fora e lágrimas silenciosas escorrem por suas bochechas, papai é o melhor amigo dele, eu e minha mãe amamos ficar observando os dois.
Eles cozinham juntos, jogam xadrez, as vezes ficam chutando bola um pro outro no gramado e conversando.
Nunca sem um sorrisão no rosto.
Henry é diferente, e ama jogar no celular e videogames, e quem o culpa? É o que mamãe diz, ela nunca se incomoda ou implica com nada, Heitor Ferri tampouco, o que a mulher dizia é lei.
Me lembro perfeitamente do dia em que mamãe disse: “fiquei tão feliz quando você nasceu, agora tenho uma companheira para a vida”.
Nós somos as melhores amigas da vida. Até usamos pulseiras iguaizinhas, de sol e lua. Nunca tive medo de contar qualquer coisa para ela, ela sempre me entende, e nunca me olhou com olhos julgadores.
Assim que colocamos os pés em casa, Noah diz:
- Estou com fome.
Reviro os olhos.
- É claro que você está.
- Ei, a gente nem almoçou hoje!
- Tudo bem Noah, vou fazer o almoço ta? Posso só tomar banho antes?
Não sei por que, mas sempre que chego de um hospital, me sinto suja.
- Não posso discordar né? – Diz ele.
Dou um sorrisinho.
- Não, não pode.
Começo a subir as escadas para o meu quarto quando paro e digo aos dois:
- Eu também estou morrendo de fome, mas preciso desse banho, acho bom vocês tomarem também.
- To indo – diz Henry.
- Eu vou depois.
Noah tem uma necessidade gritante de discordar de absolutamente tudo que eu falo. Coisa que eu não compreendo, porque assim que eu descer, vou descobrir que ele está tomando banho.
Mas ele precisa discordar antes.
Subo pro meu quarto e tranco a porta.
Vejo o diário de minha mãe em cima da minha cama e permito as lágrimas caírem. Mas vou pro banheiro e ligo o chuveiro.
Entro na água escaldante e tento relaxar. Fico parada apenas sentindo a água, que está queimando o meu corpo. Minha pele está muito vermelha, mas não me importo.
Choro até pensar que acabei com o meu estoque de lágrimas.
Me lavo e seco meu corpo, tudo muito devagar.
Meu banheiro está com tanto vapor que parece que estou sufocando. Abro a porta e um vento frio entra. Coloco um pijama, porque já não tenho mais intenção de aproveitar esse dia.
Pego meu celular e o diário e desço.
Henry já está na sala, com os cabelos louros molhados e jogando alguma coisa naquele celular.
- Cadê o Noah?
- Tomando banho.
Como eu imaginava.
Vou pra cozinha e retomo o almoço. Acho que ainda dá pra fritar os frangos já que eu não cheguei a ligar o fogo, mas o macarrão eu vou ter que jogar fora.
Minha mãe abomina desperdício de comida.
Mas, não dá pra comer, eu desliguei a panela antes que ficasse cozido e agora está com uma textura estranha. Troco a água e coloco uma nova pra ferver e me sento para ler mais um pouco do diário da minha mãe, preciso de um entretenimento agora.
Antes decido checar meu celular.
Tia Nádia me ligou 5 vezes e deixou várias mensagens, tia Larissa também ligou, mas não deixou mensagens.
Ela: Oi Ceci, tudo bem? Não consigo falar com a sua mãe, estou com uma sensação r**m.
Ela: Oi, te liguei de novo, fala com a tia por favor!!!
Ela: Ceci, seu pai também não me atende, eu vou surtar!
Eu: Oi tia, minha mãe ta no hospital, sofreu um acidente, você pode avisar a tia Lari? Não estou com cabeça para falar com ninguém agora.
Ela responde imediatamente:
Qual hospital? Onde vocês estão? Seu pai está com ela?
Eu: Santa Mônica, acabamos de chegar de lá, estou com os meninos em casa. Sim ele está com ela.
Ela: Você pode me dizer o que esperar? Estou indo pra lá imediatamente, o Rodrigo já está vindo me buscar.
Eu: A situação não é boa tia, não sei o que esperar.
Ela: Tudo bem, vou ligar p/ Lari, a tia te manda notícias. Se cuida.
Eu: Ok tia, obrigada.
Saio da conversa e vejo que esqueci de responder o Matteo, envio:
Sem cabeça pra fazer nada hoje.
Sei que ele vai demorar uma vida para me responder agora. E pego o diário.
“Óbvio que só fiquei sabendo disso muito tempo depois, Heitor não era e não é de muita conversa até hoje, nessa época da faculdade não nos dávamos bem, e costumávamos estar em comum acordo quando estávamos nos agarrando por aí.
Tudo que ele sabia fazer era me provocar, ou eu lia demais, ou meu cabelo era armado demais, ou eu falava demais... Sempre havia um demais nas frases que dirigia a mim. Mas atração que tínhamos, era avassaladora, eu não conseguia manter minhas mãos longe dele, ele tampouco.
Mas de forma alguma chegávamos a um entendimento verbal.
Só que um dia, em uma festa da faculdade, Arthur, seu melhor amigo, deu em cima de mim. Eu sei que Heitor não havia falado sobre nós para ele, e não haveria como o pobre saber, tudo que sabíamos fazer na frente dos outros era nos alfinetar.
E nada justificou seu comportamento, mas ele simplesmente quebrou a cara do amigo dele.”
Arthur? Será que é do tio Arthur que ela está falando? Ele é meu padrinho junto com a tia Nádia.
“Naquele dia eu disse que não queria mais vê-lo. E estava falando sério, eu não queria ficar me atracando com um cara que só me tratava m*l na frente dos outros e m*l olhava na minha cara.
Eu tinha a impressão de que ele só queria saber de mim quando estava a fim de pegar alguém. E era conveniente para mim já que eu...”
A panela de água está transbordando. Corro colocar o macarrão na água.
Nem parece que essa história é dos meus pais, eu estou muito ansiosa para saber o que vem a seguir, estou inclusive, com frio na barriga.
Mas agora tenho que terminar o almoço.
Porém antes término a página:
“Também estava a fim de pegar alguém. Na verdade, esse alguém era ele. Ficar com ele era simplesmente viver com frio na barriga, eu nunca admitiria na época, mas já estava me apaixonando.
Seus beijos sempre foram muito singulares e completamente diferentes da imagem que passava”
Maldita hora que eu fui inventar de ler esse diário.
Ligo a frigideira e frito o frango, escorro o macarrão e tempero a salada.
- Henry, põe a mesa por favor! – Grito.
- Aff, pede pro Noah!
- Eu tiro! – Diz Noah.
- Ta bom – diz Henry entrando na cozinha – vamos comer aqui ou na sala de jantar?
- Onde você quiser.
- Aqui – diz ele.
Faço o molho e tempero o macarrão.
Coloco tudo na mesa e almoçamos em silencio. O que é muito estranho, nossos almoços sempre são barulhentos.