Capítulo Dois

1594 Palavras
Capítulo 2 Não sei como consegui chegar ao meu apartamento depois do desastroso almoço, as expectativas já eram baixas, mas com certeza aquele dia seria lembrado na história.Assim que cruzei o portão para fora da casa do meu pai as lágrimas desceram como cachoeira pelo meu rosto. Sim, eu sou uma garota mimada que odeia a madrasta. Sim, eu sou adulta e entendo que ele não iria ficar de luto para sempre, mas isso não muda o fato de que ainda tenho ciúmes dele. Meu pai é minha única referência em família de sangue que restou, meus avós paternos estão em uma casa de repouso, meus avós maternos morreram há muito tempo e o resto da família vive no interior e eu não tenho contato. Olho pelo retrovisor e vejo o quadro que a minha mãe pintou repousando no banco de trás, ela me encarava com seus olhos grandes e castanhos,e seus lábios puxados em um terno sorriso. — Sinto tanta a sua falta mãe — digo baixinho para mim mesma — Se você estivesse aqui saberia o que fazer, você me conhecia como ninguém. Claro que se ela estivesse aqui nada disso estaria acontecendo, meu pai nunca teria conhecido a Beatriz, eu nunca teria abandonado o meu verdadeiro dom e hoje seríamos felizes. Mas como não dá para viver em mundo de suposições, eu enxugo as minhas lágrimas e me concentro no trajeto ou acabaria sofrendo um acidente. Quando chego ao prédio onde moro, pego o quadro no banco de trás e com muito custo subo as escadas com aquela moldura enorme nas costas já que o elevador está em manutenção. Assim que entro no apartamento e vejo uma massa de cabelos azuis desbotados jogada no sofá e meu coração fica um pouco mais feliz. — Lolita, você voltou! — grito assustando-a. Apoio o quadro na parede e corro até o sofá me jogando em cima e sufocando-a num abraço. — Para, para eu já te disse que odeio abraços. — Eu estou com saudades e vou te abraçar sim, se conforme com isso. Lola era minha melhor amiga, companheira de apartamento e a irmã que nunca tive. Ela era escritora e os seus livros faziam muito sucesso entre os adolescentes, sempre passeando no topo dos mais vendidos e até já começava a flertar com o mercado internacional, ela merecia tudo isso, pois é a pessoa mais talentosa que conheço. E também a mais excêntrica. — Eu já tive minha cota de abraços para o resto do ano depois dessa turnê, não me leve a m*l eu amo os meus leitores, mas nas sessões de autógrafos todos queriam me abraçar e eu ficava tipo "Ai meu Deus!", ter o ascendente em Capricórnio não é fácil. Eu gargalho sonoramente com as palhaçadas dela. — Só você pra me alegrar Lolita. — Seus olhos estão vermelhos, você estava chorando? Me deixa adivinhar você contou para o seu pai que largou a faculdade de novo? — Sim, e foi bem r**m como era de se esperar, mas o problema foi que a Beatriz se meteu e eu acabei perdendo a cabeça com ela, gritos, choro, gritos, taças de vinho jogadas, enfim foi h******l. — Ela é uma megera, não liga pra isso não. Nós duas nos sentamos no sofá para colocar o papo em dia, eu não a via há semanas e precisava desabafar, apesar de nos falarmos todos os dias pelo celular, o olho a olho era sempre bem melhor. — O pior é que eu sei que estou errada, olha pra mim, eu tenho vinte e cinco anos e não realizei nada na minha vida e não estou nem perto disso, eu não tenho uma carreira, um namorado nem mesmo um animal de estimação. Eu nem sei em que eu sou boa! — O vinte e cinco é o novo dezoito na nossa geração — diz Lola. — Mas olha para você, nós temos a mesma idade e você é escritora praticamente desde que nasceu, você paga suas contas, tem estabilidade financeira e não tem que dar satisfação para ninguém se gastar um pouco a mais no final do mês. — Tenho certeza que a próxima vai dar certo, você já desistiu de seis cursos o sétimo vai ser o escolhido, sete é o número da sorte. — Não Lola, eu estou falando sério, cansei de faculdade, Laura Reis nunca mais irá prestar um vestibular na vida. O que eu posso fazer que não precisa de formação universitária? — Sempre tem a opção de um s*********y ou o golpe da barriga, e tem também claro a opção de YouTuber. — Olá meninas tudo bom? Será que ta focando? — digo na tentativa de imitar as blogueiras fazendo Lola gargalhar — Nem pra isso eu sirvo. — Não se preocupe, pois Lola Marques veio salvar o seu dia, que tal a gente sair, eu chamo o Lucas e você chama o Bruninho... — Eu briguei com o Bruninho semana passada, não estamos nos falando mais, o que eu te falei Lola? Eu não consigo tomar nenhuma decisão que presta. No campo amoroso minha vida era tão desastrosa quanto à acadêmica, nunca consegui ter um relacionamento duradouro com ninguém, já traí e já fui traída, já enjoei da pessoa, nesse quesito eu realmente admito que a culpada sou eu, relacionamentos são difíceis para mim. — Não irei discordar, você tem o sol em Gêmeos que já te torna uma pessoa impulsiva, aventureira e indecisa por natureza, quando isso vem junto de um ascendente em Libra só piora a situação— diz ela pegando o controle remoto — Mas eu sei de uma coisa que pode te alegrar. — Harry Potter? — pergunto revirando os olhos. — Exatamente — diz ela já ligando a TV— Como você adivinhou? — É pra alegrar a mim ou a você? — pergunto enquanto ela seleciona o filme — Acho que estou precisando de um Dumbledore para me dar uns conselhos. Lola era fanática por a saga escrita por J.K. Rowling desde criança, se fosse por ela nosso apartamento seria inteiro decorado com as peças de colecionador que ela acumulava há vários anos, mas eu bati o pé e fiz com que ela decorasse apenas o quarto dela. Ela foi aos poucos me enfiando nesse meio e hoje eu até gosto. A pedra Filosofal foi o primeiro livro que ela leu e se apaixonou, o menino que sobreviveu acabou ajudando-a na barra familiar que ela sofria, e ainda sofre, e hoje ela é escritora por causa dele. Os avós de Lola eram ambos médicos e trabalhavam no mesmo hospital que o meu avô e meu pai, e foram os avós de Lola que criaram ela. Só quem vive numa família de doutores sabe como pode ser solitário, eu pelo menos tinha minha mãe, mas Lola não tinha ninguém e passava o dia com a babá, assim minha mãe sugeriu que ela fosse para nossa casa de vez em quando já que tínhamos a mesma idade e a partir daí não nos desgrudamos mais. Se nossa amizade não tivesse começado na infância e por um acaso nós tivéssemos nos encontrado em outra situação, provavelmente não teríamos nos gostado, na verdade provavelmente teríamos nos odiado. Ela era a única nerd que eu gostava e eu, isso nas palavras dela, era a única patricinha que ela gostava. Conseguimos assistir até o filme três. Mesmo Lola sendo muito fã, ela estava muito cansada da viagem que fez por vários estados brasileiros para divulgar seu novo livro e já começava a cochilar. — É melhor você ir pra cama senão você vai ficar com um torcicolo, agora eu tenho muito tempo livre e vai dar pra maratonar todas as séries atrasadas. Eu pego a caixa com os restos de pizza que tínhamos pedido e levo até a cozinha e quando volto ela está se levantando meio grogue, eu vou até o notebook que estava conectado a TV e começo a desligar, mas ela me impede. — Espera, eu tenho que ver o meu horóscopo da semana. Eu apenas reviro os olhos. Lola sempre se interessou por esse tipo de coisa, astros, pedras, energias até mesmo fez uma iniciação na Wicca. Astrologia com certeza era sua favorita, o fato dela ser meio antissocial ela culpava o signo, se não dava certo com o boy era culpa do signo dele, se as vendas do seu livro baixavam culpa do inferno astral. Ela já tinha feito o meu mapa astral e tentando me convencer que a minha indecisão era fruto do sol em Gêmeos e que o meu Vênus em touro me fazia gostar de romances à moda antiga, mas ela nunca conseguiu me converter a entrar nesse universo, por mais que algumas coisas realmente batessem. Lola abre o site de signos favoritos dela e começa a ler. — Hum, adoro quando meu horóscopo me entende, ele mandou eu passar a semana inteira descansando e colocando a mente no lugar, era justamente isso que eu precisava ouvir, nada de movimentação no campo amoroso, mas está tudo bem eu realmente não estou com saco pra namorar esses dias. — Como você consegue acreditar nisso e não acredita no papai Noel? — E quem disse que eu não acredito no papai Noel? Me deixa ler o seu Laura, quem sabe não te dá uma luz do que você deve fazer. — Você sabe que eu não acredito nisso. — Só dessa vez, por favorzinho-inho — Tá bem! — digo finalmente concordando com ela para conseguir um pouco de paz.
Leitura gratuita para novos usuários
Digitalize para baixar o aplicativo
Facebookexpand_more
  • author-avatar
    Escritor
  • chap_listÍndice
  • likeADICIONAR