Terror narrando
A porta bate atrás dela, e o som é como um tiro. Um tiro silencioso, mas que atravessa direto o meu peito.
Fico parado no meio da sala, olhando pro chão, com a mandíbula travada e os punhos fechados. Sei que o RD tá lá fora, esperando por ela. Ele mesmo mandou mensagem avisando. O que me destrói é saber que ele vai embora levando a única coisa boa que eu tinha. A única que realmente me fazia sentir vivo.
O silêncio no barraco é absoluto. Parece que até os sons do morro se apagaram. Minha respiração tá rápida, como se cada gole de ar carregasse o peso de uma tonelada. O perfume dela ainda tá no ar, doce e leve, mas agora sufocante. Quero correr atrás, puxar ela de volta, implorar pra ela ficar... mas eu não posso.
Não posso.
Essa vida que eu levo não é pra ela. Sei que nunca vou ser o que ela precisa. Isso me corrói por dentro. Eu podia botar ela num pedestal, oferecer o mundo, mas eu sou caos, e ela merece paz. Eu sou a guerra.
Dou um passo em direção à porta, mas travo. Minha cabeça tá um turbilhão, e eu não confio no que posso fazer se sair agora. Talvez o melhor seja deixar ela ir. Deixar ela viver algo que eu nunca vou poder dar.
Passo a mão no rosto, esfregando com força, tentando apagar o vazio, mas é inútil. Não vai passar. Um pedaço dela ficou comigo, mas o que eu mais queria... esse se foi.
Me jogo no sofá, os cotovelos apoiados nos joelhos, a cabeça baixa. Os dedos tremem, e minha mente tá em frangalhos. Mando uma mensagem pro RD, pedindo pra ele cuidar dela. Ele responde que já tá fazendo isso. Sempre foi meu braço direito, e confio nele. Encosto no sofá, lembrando de tudo. Podia ter feito algo mais. Podia ter impedido, mas fiquei aqui, travado, vendo ela sair.
Bernardo. O som do meu nome na voz dela ecoa na minha cabeça. Sorrio, mas é um sorriso amargo. Caralho... Eu dei a ela tudo o que tinha, e mesmo assim, ela se foi.
Cada palavra dela martela na minha mente. Cada maldita palavra. Ela tem razão. Sou um furacão de destruição, que arrasta tudo no caminho, mas eu juro que ia mudar. Se ela tivesse ficado... Se tivesse me dado mais uma chance...
Levanto de novo, mas não sei o que fazer. Tô parado no meio da sala, perdido. Esse lugar, que sempre foi meu refúgio, agora parece uma jaula.
Minha garganta aperta, mas não vou chorar. Não posso. Me digo que isso não é coisa de homem, mas é só pra tentar enganar a mim mesmo.
Vou até a janela e olho pro morro. As luzes tão acesas, os vapores tão na ativa. Essa é minha vida. É isso que eu tenho.
Tô sozinho de novo. Sempre soube que ia acabar assim, mas nunca achei que fosse doer tanto.
Me visto, guardo a Glock no coldre e vou direto pro copo de whisky. Viro tudo num gole só, deixando o amargo descer queimando. Não tem mais espaço pra ficar remoendo. Tá na hora de encarar a vida e cuidar do que realmente é meu: meu morro.