Any narrando
Acordo com um barulho estrondoso e, na hora, sei que é o escapamento da moto do Rodrigo.
Eu vou matar o Rodrigo! grito, pulando da cama e indo até a porta.
Passo em frente ao quarto da Manu, e pelo silêncio, ela já deve estar dormindo. Como trabalho no postinho, eu acabo dormindo cedo, mas ontem me deitei um pouco mais tarde pois passamos um tempo conversando, contando casos, ela queria saber como era a vida aqui e como funcionava as coisas. Quando me deitei, deixei ela assistindo TV na sala. Ando devagar pra não a acordar e abro a porta ouvindo os gritos do Rodrigo.
RD: Anda, c*****o! Abre essa p***a! — ele grita alto, esmurrando a porta.
Any: Fala baixo e para com esse escândalo! Vai acordar todo mundo. — digo, irritada, abrindo a porta. Ele entra direto pra cozinha, mexendo nas minhas panelas como se estivesse na casa dele.
RD: Tem comida não pô? tô numa larica da p***a, não tinha nada na boca pra comer. Fiquei agarrado lá o dia todo, vários b.o — ele diz, abrindo a geladeira e pegando um pedaço da lasanha que a Manu fez, que tava muito top.
Any: Você não me acordou só pra fila a bóia na minha casa não, né? — falo, com as mãos na cintura, encostada na porta da cozinha, de cara fechada.
RD: Vai lá, trocar de roupa, que nós vai colar na goma do Terror — ele responde, de boca cheia, nem se importando.
Any: Hahaha — solto uma gargalhada alta —
Rodrigo, você é um s*******o mesmo né?
Olho em direção ao corredor e vejo a Manu se aproximando com a cara toda amassada, o cabelo desarrumado e vestindo um baby doll de malha, rosa bebê e com detalhes em flores.
Manu: Tá tudo bem? — ela pergunta coçando os olhos, ainda meio drogue de sono.
Any: Desculpa, irmã, te acordei, né? Tá tudo bem sim, é esse infeliz aqui que enfiou a noção no cu e veio me acordar — digo, voltando a olhar pro Rodrigo, que mastigava de boca aberta e, claro, não tirava os olhos da Manuela.
RD: Ôow, cadê a p***a do respeito? Prazer aí, mina. Sou RD, irmão dessa maluca ai e tu deve ser a Manuela, né? — ele se levanta da cadeira e vai até ela, estendendo a mão cumprimentado
Manu: Sou sim — ela responde com um sorriso meio sem graça
RD: Beleza — ele solta a mão dela e volta a se sentar retornando a comer — Anda, filhona, tô sem tempo, carai — fala pra mim.
Any: Não vou, não tem nem como ir. Cê sabe que às cinco eu tenho que tá no postinho. Não tem como entrar em contato com ninguém pra me substituir.
RD: Liga pro velho e avisa que não vai poder ir, simples, pô - diz dando de ombros
Any: Não vou fazer isso.
RD: Não existe "não vou", p***a. — diz me olhando feio — Tô perdendo a paciência contigo já. Acabei de aliviar uma pra tu, e na hora de mostrar agradecimento tu vai e taca o f**a-se? Se fuder, Tatiany — ele levanta a voz, claramente irritado.
Any: Eu posso ir assim que sair do postinho, agora cedo não dá Rodrigo — falo lembrando que tenho coleta de preventivo a partir das 06 horas e agora já são uma da madrugada. Não tem como trocar meu horário com ninguém.
Ele se levanta irritado e vai em direção à sala, parando perto da porta de entrada. Vou atrás dele.
RD: Onde que eu vou arrumar uma enfermeira de confiança agora, pô? Não dá, tem que ser você.
Manu: Eu sou enfermeira, posso ajudar — diz ela, e tanto eu quanto o Rodrigo viramos juntos pra ela. E começo a gesticular desesperada, fazendo sinal de não com a cabeça.
RD: Já é! Veste uma parada que esquente, lá fora tá frio.
Any: Não, ela não, Rodrigo! Eu vou, mas deixa ela fora dessa, p***a!
RD: Ela vai, já tá decidido.
Manu: Vou me vestir — ela diz virando as costas com um sorriso no rosto.
Any: Ela não tem noção de onde tá se metendo.— falo levando a mão nos cabelos completamente desesperada. A menina acabou de passar por uma situação terrível e lidar com o Terror e sua instabilidade emocional é tudo que ela não precisa agora.— Sério, não leva ela, RD. Eu vou, converso com o Renan e assim que der, eu apareço lá, c*****o — falo agoniada.
O Terror é um cara escroto, grosso pra c*****o, trata todo mundo m*l, e com ela não vai ser diferente. Sem contar que ele, como dono do morro, se acha o todo poderoso.
RD: Não dá pra esperar, o bagulho é agora. Vai ela mesmo, tô esperando lá fora — fala se virando e saindo pra rua
"p**a que pariu", mano!
Vou até o quarto e vejo a Manu penteando o cabelo. Ela já tá pronta, usando um conjunto de moletom branco, tênis branco com detalhes rosa, uma bolsinha rosa de lado e cabelo solto.
Any: Aí, amiga, tô me sentindo m*l deixando você ir. Vamos fazer o seguinte eu não vou trabalhar e vou lá no Terror — falo me sentando na cama, enquanto ela passa um blush de frente pro espelho, de costas pra mim.
Manu: Para de bobeira! Eu não aguentava mais ficar aqui dentro dessa casa. Parecendo um peso morto, isso vai me ajudar a não sentir tanta a falta da minha mãe. Vai trabalhar tranquila, que assim que eu resolver lá, eu volto.
Any: A gente nem sabe o que esse louco quer - falo vendo ela se virar me olhando
Manu: Seja o que for eu quero ir. Por favor! - ela junta as mãos sorrindo enquanto me olha animada.
Any: Tá, tá. Qualquer coisa, me liga, Ok?
Manu: Tá bom, do jeito que você fala até parece que tô indo pra forca
Any: É mais ou menos isso. — rimos juntas — O Terror é um cara extremamente controlador, então, por favor, não bate de frente com ele, tá?
Manu: Tá bom. pode ficar sussa
Manu narrando:
Saio de casa e vejo três motos paradas, com três pessoas conversando. Um deles é o irmão da Any.
RD: Bora dar o giro — ele fala subindo numa Falcon 400 preta. — Sobe aí, pô.
Manu: Cadê o capacete?
RD: Tem esse bagulho não princesa, sobe aí e segura.
Subo na moto com ajuda dele e ele sai acelerado. O vento bate forte, escondo meu rosto nas costas dele. Ele vai cortando as vielas a toda velocidade. Depois de uns minutos, ele entra numa rua mais tranquila e afastada do morro. Buzina pra uns caras que ficam parados segurando suas armas, e eles abrem o caminho. As motos que tavam acompanhando a gente ficam pra trás, e o RD para em frente a uma casa.
Descemos, e não tem como não notar o ambiente. Aqui parece uma fortaleza, com muros altos e mais três homens armados na porta. Não dá pra ter ideia do que acontece lá dentro. Mas pelo número de homens armados, fica evidente que é a casa do tal Terror.
RD: Vamo lá — ele diz, entrando pelo portão, e o acompanho.
Quando passo do portão, fico surpresa. A casa é enorme, bem diferente do que eu imaginava. Não esperava ver algo assim por trás daquele muro.
O portão dá direto numa área de lazer com uma piscina de borda infinita, um deck de madeira com luzes ao redor, e um jardim bem cuidado. Quanto mais a gente entra, mais dá pra perceber o quanto tudo ali é sofisticado.
É um contraste enorme com a realidade de muitos que moram aqui. Entramos na sala, e o sofá de couro branco impressiona. A decoração é em tons claros, com móveis muito bonitos e modernos. Com direito até a obra de arte na parede.
RD vai direto até o bar, coloca whisky no copo e chama pelo dono da casa. Eu fico em pé ao lado da porta, perto do sofá, meio sem saber o que fazer.
RD: Aceita — ele me oferece a bebida, que recuso educadamente.
Tô começando a entender a preocupação da Any. Esse lugar tem uma vibe estranha, não sei explicar. Algo aqui me incomoda.
Manu: Eu quase não bebo — respondo sorrindo, tentando manter a calma, e ele só balança a cabeça, concordando.
De repente, uma porta de correr se abre e um homem alto, forte e tatuado entra. Me assusto quando vejo que ele tá com uma arma na mão, que logo coloca na cintura, ajeitando a camisa.
Terror: Nove meses, c*****o? Tá parecendo mulher grávida, p***a!
RD: Tava resolvendo um b.o. na boca e fui diretão pra casa da Any, parceiro.
Terror: Já foi mais ágil, tá ficando velho, p***a.
RD: Aqui é igual vinho, pô — ele diz com um riso contido, mas o outro balança a cabeça, negando.
Terror: E cadê ela? — pergunta, derramando whisky no copo.
Percebo seus olhos vermelhos e o nariz fungando, deixando evidente que se drogou. Eles continuam conversando como se eu não estivesse ali.
RD: Vai vir mais tarde. Por enquanto, trouxe essa daí pra quebrar o galho — ele fala, apontando pra mim, e só então o outro me olha.
Eu preferia que ele continuasse sem me notar aqui. O olhar dele é tão intenso que me sinto nua na frente dele, como se ele conseguisse ver além de mim. Muito estranha essa sensação. Se tivesse um buraco aqui, sem dúvidas eu pularia de cabeça duas vezes.
Terror: E ela? — ele pergunta, ainda me encarando enquanto vira a última dose que resta no copo. Terminando o whisky.
Acho que é minha deixa pra falar, né? Não dá pra ficar plantada com essa cara de samambaia, pendurada no canto da sala.
Manu: Meu nome é Manuela — respondo com um sorriso, tentando parecer calma.
Mas por dentro? Tô entrando em pânico e querendo sair correndo.
Ele continua me encarando, sem dizer nada. Totalmente em silêncio, semblante fechado e é impossível decifrar o que esse cara tá pensando.
RD: Ela é a moradora nova, parceiro. Lembra? Enfermeira, formou junto com a Any — ele fala rápido, e eu fico me perguntando que conversa foi essa que eles tiveram sobre mim. Tô curiosa agora!
Terror: Eu sei quem é. Quero saber o que essa mina tá fazendo aqui! — Ele fala com tanta arrogância que meu sorriso desaparece na hora.
RD: Mano, não tinha outra pessoa além dela.
Ele dá uma risada alta que me causa arrepio.
Terror: Tá me dizendo que essa mina que chegou ontem é mais de confiança do que qualquer Zé daqui da quebrada? Que cola com nós a anos irmão. Tirou essa p***a do cu né, c*****o? — Ele grita, cada palavra fazendo meu corpo tremer.—Ta me tirando de o****o RD? Qual a tua irmão.
RD: Tu me deu tempo c*****o? Queria as coisas na hora pô. Nem lembrei de mais ninguém - ele fala colocando o copo vazio no centro da mesa de vidro.
Terror: Já pensou se essa v***a tá aliada aos cu azul. Se essa p***a revolve me matar ou matar alguém aqui dentro, cuzão? — Ele peita o RD, que abaixa a cabeça negando.
Manu: Com licença... — levanto o dedinho — Eu não tô aliada a ninguém não e muito menos quero matar alguém. — falo, e os dois me olham na mesma hora, Terror com um olhar que me faz abaixar a cabeça. As palavras da Any sobre não bater de frente me vêm à mente na hora.