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1423 Palavras
d***a! Bato forte a porta de meu quarto. Ando para os lados buscando o ar que me faltava. Ouço batidas na porta. – Audrea, querida – era mamãe. – Não quero falar com ninguém. Por favor, me deixe em paz. Dou graças quando ouço o barulho de seus sapatos se afastarem. Sento na cama e fito o babado de meu vestido. Deito e fito o teto. Sigo para a janela, e avisto Edgar escovando Panteão. Saio do quarto e desço as escadas correndo. – Ele está pronto? – pergunto ao me aproximar. – Está sim – diz Edgar, um homem de meia idade – deseja montar? – Sim – digo passando a mão no dorso do cavalo n***o. – Deixe-me pegar a cela. – Não precisa – num pulo eu monto em Panteão. – Senhorita, seu pai não vai gostar nada. Principalmente sem a cela. – Edgar, e desde quando eu ligo para o que meu pai pensa? – digo rindo. Olho para a porta e avisto de longe seu bigode bem alinhado e preto. – Audrea! – papai grita – desça já daí! Rio e dou o comando pa rapidamente ra que o animal saísse em disparada. O animal correu pela enorme propriedade até chegar os portões de saída. Seguimos pela estrada larga de terra, até chegarmos ao pequeno centro. – Bom dia senhorita – cumprimenta uma senhora corpulenta que me oferece uma maçã. Sorrio em agradecimento. Sigo vagamente até chegar a entrada onde um velho amigo trabalhava. Desço do cavalo e o amarro. – Poope – entro em meio a sujeira e os ferros pontiagudos. Adentro um pouco mais, onde ouvia o barulho de batidas em ferros. – Aí está você – digo ao encontrá-lo. – Audrea? O que faz aqui? – pergunta enquanto tira a p******o de seu rosto. – Não acredito que esqueceu. – O que? – Combinamos de caçar hoje. Poope me olha cabisbaixo. Todas as vezes que seus olhos verdes se escondiam atrás das sobrancelhas alaranjadas, eu sabia que algo havia acontecido. – O que houve? – indago preocupada. – Nada, só estou sem tempo. Encaro-o seriamente. – Poope! Ele me olha e baixa a máscara. – Poope – toco em seu braço – o que houve? Ele respira fundo. – Seu pai. Afasto-me e sinto mais uma vez a raiva tomar conta de mim. Dou as costas e saio apressada. Monto em Panteão, mas Poope me impede de sair. – Ele apenas pediu que não fôssemos mais caçar. – E o que mais? Que você não me procurasse mais porque não merece estar no meio de pessoas como nós? – Poope me olha sem jeito – conheço meu pai, e sei que ele não falaria somente isto. Dou a comanda e o cavalo sai em disparada. Cheguei em frente ao enorme casarão e saltei. – Papai! – abro a porta e percorro a entrada com o olhar. – Audrea querida, o que houve? – indaga mamãe com a voz de preocupação. – Onde ele está? – No escritório com uns… – não esperei que ela terminasse de falar, e corri para as enormes portas de madeira pesada no fim do corredor. Empurrei-as sem me importar. Papai estava rodeado de velhos corpulentos, com olhares sujos e bolsos repleto do que ele mais queria. – Com que direito você vai até meus amigos e os manda ficar longe de mim? Papai apenas me observava. Ele baixou o papel que segurava e tirou os óculos. – Estou no meio de uma reunião. Podemos conversar depois? – Não, quero conversar agora! – Audrea, esta reunião é de extrema importância! – Eu não ligo! – berrei alto. O olhar de papai era o que mais me deixava enfurecida. Era um olhar de desprezo, de indiferença. – Audrea, pela última vez. Saia daqui. Plantei os pés no chão e cruzei os braços. Papai odiava aquilo. Ele levantou e bateu com os punhos fechados na mesa. Se aproximou rapidamente e me pegou pelo braço. – Agora chega! – Me solta! Papai me arrastou para o lado de fora da casa. – Luíz – mamãe gritou. – Não se meta Analice – gritou ainda mais alto – Você gosta de aparecer, não é isso Audrea? Pois bem – ele me virou de costas e rasgou meu vestido. – Luíz! – mamãe se aproximou, mas ele a olhou daquele jeito que só ela entendia. Os homens que antes estavam em sua sala, agora estavam servindo de plateia. – Edgar, o chicote. Olhei para Edgar e percebi sua surpresa. – Mas, senhor… – Não vou pedir duas vezes – ameaçou. Edgar se afastou por alguns instantes e voltou com um chicote fino na mão. – Não – papai gritou – o meu. Traga o meu. – Pai… – Calada. Eu devia ter feito isso há muito tempo. Edgar voltou com o chicote de papai, que era cinco vezes mais grosso do que o normal. Era trançado com duas voltas. Ele me empurrou para o chão e ordenou que eu ficasse imóvel. – Luíz, pelo amor de Deus – mamãe suplicava. – Se disser mais uma palavra Analice, serão mais dez chicotadas nas costas dela – advertiu. Baixei a cabeça e pensei em tudo o que já dissera para meu pai. Era demais pedir que ele deixasse que eu escolhesse meus amigos? Era demais pedir que ele tratasse melhor as pessoas? Olhei para Edgar a minha frente e tornei a baixar a cabeça. Antes que pudesse pensar em mais alguma coisa, senti minhas costas esquentar. Tentei segurar o grito, mas, as lágrimas, foram impossíveis de conter. Na segunda, ele aumentou a força e foi assim até ele gritar: – Dez – ele soltou o chicote no chão e se apoiou nos joelhos. Caí no chão sem forças. Sentia o sangue escorrer em minhas costas, mas, não daria o prazer a ele de me ouvir pedir perdão. – Quer me dizer alguma coisa? – pergunta se abaixando ao meu lado. Olhei-o da forma mais desprezível possível. – Não? Ótimo! Edgar – berrou – ajeite tudo para a viagem de Audrea. Levanto a cabeça e a encaro. – Vai para casa de sua tia. – O que? – retruco. – Luíz, não. – Calada mulher. Você – disse apontando para mim – vai morar com sua tia no convento. E só vai voltar de lá, quando aprender a ser gente. Até lá, não verá mais sua mãe, e nem a mim. – Quanto a você, me sinto aliviada – rebato. Ele cerrou os punhos, mas se conteve. – Leve-a para dentro – diz para mamãe que se aproxima rapidamente – apronte-a o quanto antes. Mamãe me levantou e me levou para dentro. Ela me ajudou a tomar banho e chamou uma empregada para ajudar com os curativos. Pus o vestido mais confortável que tinha. – Audrea, peça desculpa, peça perdão se necessário – mamãe suplicava. – Não posso mãe. – Porque?! – Porque, quem tem de pedir desculpas é ele, e não eu. Ele está errado. A porta do quarto se abre de uma vez. – Está pronta? Baixo a cabeça e não respondo. – Estou terminando de fazer as malas dela – mamãe diz. Papai sai e nos deixa sozinhas novamente. – Por favor, minha filha, faça isso, por mim. Seguro a mão de mamãe e a faço entender, que estava fora de cogitação pedir desculpas a ele. Descemos e estava tudo pronto. Edgar pegou minha mala e colocou na carruagem. Papai estava do lado de fora com um charuto na boca. Mamãe me abraçou calmamente por conta das feridas. – Coloquei muitos mantimentos para seus curativos – diz – por favor, desista. Beijo-a e sigo para a porta da carruagem. Entrei e o cocheiro tomou sua posição. Papai se aproximou e disse: – Aprume-se. Aproveita sua estadia por lá, para que aprenda algo, principalmente sobre matrimônio – não consegui conter minha surpresa diante de suas palavras – quando voltar, será para casar. Ele bate na lateral e o cocheiro bate as rédeas. Ponho a cabeça pra fora e observo-o atentamente. Mamãe me dá um adeus que nem consegui responder. Casar? – penso. Recosto-me no banco e começo a pensar no que me esperava. Sabia muito pouco sobre essa tia que era freira, mas, o que sabia, era que, além de muito religiosa, ela era pior que o papai. Ela o criou, fez dele sua imagem e semelhança. Respirei fundo e decidi que nada mais me abalaria, mas, que acima de tudo, eu jamais perdoaria papai por aquilo.
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