— Sem correr, por favor. — Matteo murmurou sabendo que as crianças já estavam muito longe para escutarem.
Felizmente o dia tinha passado sem muitos problemas. Depois daquela apresentação calorosa, ele tinha deixado as crianças na escola e sem nada para fazer lhe restou voltar para a casa do Sr. Moore. Foi apenas quando Matteo se viu parado na ampla sala de estar que encontrou um bilhete em cima da mesinha de centro:
“Matteo, preciso que você cuide das crianças essa noite. Pago horas extras. Espero que você não tenha problemas. Desculpe o aviso tardio. Estarei em casa até as 17hs se você tiver alguma pergunta.
Derek Moore.”
Derek só podia estar brincando com ele, certo? Era seu primeiro dia e o cara já pensava que ia lhe fazer de escravo? Que família mais estranha! Pelo jeito, Derek Moore era do tipo que ficava preso no quarto por horas e a misteriosa senhora Sofia Gray era pior ainda, ela nunca estava em casa e ainda por cima parecia praticar abandono e violência maternal. Era até engraçado, ela o contratava e nem estava em casa para explicar as coisas enquanto que ele tinha que aguentar o marido bipolar dela? Mas estava tudo bem, como sempre. Iria ficar, de qualquer forma.
O problema real apareceu quando Matteo foi para a cozinha naquela tarde em busca do almoço se deparando com uma geladeira cheia de comida, sim, porém toda a comida ali estava crua. Ou estragada. De fato, parecia que ninguém abria aquela geladeira há meses. E já que ele estava ali, por que não?
Respirando fundo e se sentindo meio enjoado, Matteo enfiou a cara dentro da geladeira e começou a tirar tudo o que tinha cheiro ou aparência suspeita, hortaliças, verduras, legumes e até um pedaço de carne que parecia ter uma coloração diferenciada. No fim, deu um saco de lixo gigante, cheio até a boca que exalava um odor fétido, havendo muito pouca coisa que poderia ser usada. Ele tinha algumas possibilidades, é claro; ou passava a tarde fazendo uma sopa, ou poderia comprar comida. E como Matteo era o único que iria comer, ele achou melhor comprar alguma coisa por enquanto. Dessa forma, ele pegou novamente as chaves do carro e saiu antes que ficasse tarde demais. Na volta trouxe um pouco de arroz cozido, legumes, carne assada e uma saladona que poderia ser dividida com mais três pessoas. O bom era que ele tinha chegado bem há tempo do almoço, quase passando das treze horas.
Foi assim que Matteo passou sua primeira tarde na casa dos Gray-Moore, lendo um livro sobre literatura, comendo devagar e depois explorando o resto da casa, ele até achou uma piscina no quintal mais à direita da propriedade enquanto esperava pacientemente até que a hora de pegar as crianças chegasse. E quando essa hora finalmente chegou, ele pegou as chaves do carro, se lembrando da comida que tinha sobrado na geladeira e bem embalada em seus potes. Então, Matteo decidiu, o Sr. Moore também merecia um pouco de comida; quer dizer, o homem não podia ficar o dia inteiro dentro do quarto sem comer, podia?
Ele fez um prato caprichado para o chefe, bateu na porta e colocou o prato com a bandeja no chão. Sem olhar para trás, se virou e desceu escadas indo direto para fora da casa em direção ao carro, felizmente chegando à escola das crianças antes delas saírem. Não demorou muito e veio aquele mar de estudantes, todos apressados para irem embora. Quando menos viu, Matteo foi atacado por mãos e braços que se fincaram nele de uma forma que não seria possível se soltar.
— Você veio!
— Eu não devia? — Perguntou confuso a Logan.
— As babás sempre chegam atrasadas. — Alice completou a fala do irmão. — É chato ficar aqui esperando. Será que é tão difícil chegar na hora, sabe?
— Eu entendo. Comigo vocês não precisam esperar.
Contentes, as crianças seguraram em sua mão e andaram com ele até o carro, com a ajuda dele se sentaram no banco de trás sem parar de falar; até Alice que naquela manhã pareceu ser quieta agora gesticulava e contava de seu dia. Matteo fez o melhor para prestar atenção no que elas diziam e acenar nas horas certas, preferindo prestar atenção ao dirigir pela cidade, logo entrando no condomínio. E Agora? Agora ele tentava acompanhar o ritmo delas. No momento em que chegaram em casa, Matteo as ajudou a sair do carro e logo que elas se viram livres, lhe deram um abraço apertado cada uma e ambas correram pelo jardim já subindo pela pequena varanda e passando pela porta da frente.
E, ele, num rompante de energia correu atrás das crianças, levando consigo suas mochilas e lancheiras, ouvindo elas conversarem dentro da cozinha, essa cena o fazendo lembrar que elas não teriam nada para comer.
— Matteo! Matteo! Estou com fome! — Ele ouviu uma delas gritar.
— Você sabe cozinhar? — A outra completou.
Admitindo a derrota, parecia que Matteo no fim das contas teria que cozinhar, não?
Ele colocou a bolsa deles e as chaves do carro perto da mesa da sala de estar e andou em direção à cozinha até entrar nela; Matteo já se arrependia de não ter pedido mais comida. Por mais que quisesse fugir de mais interrogatórios, ele não teve escolha. As crianças tinham sorte de serem tão fofas. O bom era que depois de passar parte da tarde limpando a geladeira, Matteo sabia exatamente onde encontrar tudo o que precisava; legumes, temperos e verduras, indo direto ao armário e pegando uma panela. Ele a encheu com água e a colocou no fogo, tentando disfarçar de frente para o fogão, simulando que estava ocupado apenas para não ter que encarar esse suplício.
E sinceramente? Ele já estava ficando cansado disso.
— Matteoooo… onde você aprendeu a fazer isso?
— Foi seu papai que te ensinou?
Ele já disse que estava cansado disso? Matteo sabia como crianças podiam ser curiosas e ter mil perguntas. Mas isso ia além de pura curiosidade, era a obra de um ser feito inteiramente de crueldade. Entretanto, algo lhe fez parar no meio do caminho em direção a geladeira. Ele se virou em direção a Logan e viu como o garotinho mostrava a maior expressão de inocência que ele já tinha visto. Seus olhos verdes-azulados iguais aos do pai e cabelos loiros devendo ter herdado da mãe, cintilavam como raios de sol que reluziam intensamente em sua direção. Sim, Matteo não pôde mais ignorá-lo. Parou o que fazia e levantou a cabeça, a última pergunta lhe pegando de surpresa.
Matteo sorriu e em seguida abriu a geladeira, tirando todos os legumes que precisaria; batatas, cenouras, alho, cebola e coentro. Alguns pimentões também e chuchu para tornar tudo mais saudável.
— Por que o meu pai? — Matteo teve que perguntar. A pergunta era específica demais para ser coincidência.
— Papai ensina tudo pra gente! — Logan disse. Seu rosto expressivo, orgulhoso de contar isso para ele.
— E sua mãe?
— Ela nunca fica em casa. — Dessa vez foi Alice que respondeu, desviando a atenção do celular que ela segurava. Alice deu de ombros e voltou a seu aparelho, embora ele soubesse que Alice prestava até mais atenção que Logan.
— Ah. — Ele disse. Pelo menos isso parece ter freado a sequência de perguntas intermináveis que eles insistiam em disparar.
— Você gosta da sua mãe? — Alice perguntou.
Matteo olhou pelo canto dos cílios e viu que dessa vez não era o tipo de pergunta para arrancar informações dele.
— Ela é uma das melhores pessoas que eu conheço. Me ensinou a cozinhar e a estudar. Cuidar da casa e dos meus irmãos.
— E seu pai? — Logan quis saber.
— Ele… ele fez o melhor que pôde. Me ensinou a cuidar da terra e a ter respeito por todas as coisas vivas. Mas ele pode ser violento quando provocado.
— Que nem a mamãe e o papai?
— Logan! — Alice o repreendeu. Ela colocou a mão na boca do irmão e tentou sorrir para Matteo.
— Entendo. — Matteo disse depois de um tempo, sabendo exatamente o que Logan queria dizer com isso. Quando o silêncio se tornou desconfortável, completou: — Esse vai ser um segredo só nosso.
Felizmente após essa revelação as perguntas pararam completamente. Matteo voltou para o fogão e vendo que a água estava quase fervendo, descascou rapidamente os legumes. Fritou o alho e a cebola, juntou com os pimentões e colocou tudo no panelão, esperando que a mistura cozinhasse adequadamente e o caldo engrossasse um pouco. Lidar com crianças era sempre estranho e apesar dessas crianças terem tudo o que qualquer pessoa poderia querer, se sentia m*l por elas. Elas pareciam tão solitárias e conformadas com isso, como se fosse tudo o que poderiam ter, o fazendo lembrar de sua própria infância. Agora ele sabia que poderia ter muito mais se quisesse, sentindo o impulso de mostrar que eles podiam ter isso e muito mais também.
Só tinha um detalhe, ele não era o pai deles e não cabia a ele se meter no que não era de sua conta; Matteo tinha que se lembrar disso, sabia que o Sr. Moore era o responsável por todas essas perguntas que as crianças insistiam em lhe fazer e ele não tinha o direito de descontar nelas ou influenciá-las dessa forma. Assim, enquanto a sopa não ficava pronta, Matteo foi até a mesa, sorriu para Logan e Alice e se aproximou até estar na altura deles, beijando cada um nos cabelos, tentando passar tranquilidade e afeto.
— Então, o que vocês querem fazer? Dever de casa?
— Vamos jogar 10 perguntas!
Logan não tinha jeito, ele sempre seria o filho do papai.
— Boa tentativa. — Ele apertou o nariz de Logan e Logan gargalhou, tentando afastar as mãos de Matteo. — Vamos, vai ser rápido. Você não precisa de ajuda? Vou fazer com você.
— Vai mesmo? Papai nem sempre tem tempo…
— Certo. Se levante. Você também, Alice.
— Eu não sou uma criancinha que precisa de ajuda.
— Ei! — Logan, reclamou, cruzando os braços.
— Sem exceções. — Foi tudo o que ele disse antes de abaixar o fogo e se encaminhar para fora da cozinha.
Logan foi saltitando atrás dele e, a Alice, só restou revirar os olhos e nos seguir até a sala de estar onde eles espalharam os cadernos e livros sobre a mesa de centro enquanto Matteo os fiscalizava. Foi estranhamente agradável, as crianças fizeram todo o dever de casa e ainda tiveram tempo para assistir um pouco de televisão antes de voltarem para a cozinha.
No fim, a sopa tinha ficado melhor do que Matteo se lembrava, a receita de sua nona nunca falhava ou era o que ela costumava lhe dizer. Ele foi até o fogão, o desligou e inspirou o aroma apetitoso e fragrante, levou a panela até o centro da mesa, colocou três pratos na mesa e serviu porções generosas. Sentia que deveria esperar pelo dono da casa, entretanto, como o Sr. Moore já devia ter saído, seriam apenas ele, as crianças e o sofá confortável na sala de estar. O que ele não se importava; a companhia delas sempre seria melhor do que a daquele homem que ficava o tempo lhe encarando, seu olhar inquisitivo fazendo algo dentro de Matteo se remexer inquietamente. Sua pele esquentava e a base da sua nuca formigava por horas. Então, essa ansiedade, diferente de qualquer outra, lhe tomava de uma forma que o forçava a levantar ou fazer algo útil com as mãos. Por isso, tardes como essas, fazia bem para seu coração, sua ansiedade se mantinha em níveis normais e ele podia relaxar mesmo que em meio as milhões de perguntas que aqueles pestinhas insistiam em fazer.
— Nossa! Isso tá tão gostoso!
— Está mesmo. — Alice concordou com Logan. Ela assoprou devagar e tomou mais uma colherada, gemendo de prazer.
Matteo sorriu satisfeito com o elogio. Era bom saber que alguém ainda gostava do que ele fazia.