Capítulo 02
TULSA
- Mãe, cheguei. – Digo, mas como sempre ela não responde.
Provavelmente ela deve estar no quarto conversando no telefone com uma de suas amigas 20 anos mais nova. Bom... O relacionamento entre eu e minha mãe é bem complicado. Sabe quando alguém fala pra você que a sua família não se importa e alguém chega em você e diz: " É claro que a sua mãe te ama, ela é a sua mãe já fez tudo por você!" bom... É isso.
Não vou falar que eu amo minha mãe eu a amo, mas não como mãe, estou com anorexia há 3 anos e a única coisa que ela me disse ate hoje sobre isso é "coma". Como se fosse fácil! Teve uma época que eu cheguei a pedir a ela para me internar, mas ela disse que não temos dinheiro para isso, eu compreendi. Uma semana depois ela pegou todo o dinheiro que tínhamos no banco para viajar para Paris com suas amigas. Foi a melhor uma semana da minha vida porque assim... Eu pude ficar sozinha.
Devem estar se perguntando por onde está o meu pai. Bom... Eu não sei e espero não saber tão cedo, quer dizer... Ele manda presentes para mim, roupa, dinheiro e... Infelizmente comida. Mas ele nunca quis entrar sobre o assunto de eu ser anorexia, ninguém quer, a não ser a empregada da casa que é como uma mãe para mim, a senhora:
- Oi senhora Rosalina. – Digo jogando a mochila encima do sofá que acaba caindo no chão
- Tulsa, isso é hora de chegar menina? – ela pega minha mochila – olha só as horas! São 19:00 horas da noite!
- Dona Rosa a senhorita sabe muito bem que eu sempre chego esse horário e como sempre... A minha "mãe" nem se prontifica a perguntar onde eu Estava.
- Já sei que estava na casa de Lexa mas... Fico preocupada com você, te liguei mais de 50 vezes e você não me atendeu!
Rosalina não sabe mexer em celular, somente para ligar e atender, ela usa para ligar para mim quando eu demoro. Teve um dia que eu cheguei 00:00 em casa, ela ficou desesperada e minha mãe? Não estava em casa como sempre.
- Me desculpa estava no silencioso. – Digo a seguindo ate a cozinha, a pior parte da casa.
- Eu preparei o seu lanche, está com fome querida?
- Não. – Minto – eu comi na casa de Lexa.
Mas é claro que não, não comi nada o dia inteiro, água... Só água.
- Come essas folhas com ovo cozido pelo menos ok? – ela diz – precisa se alimentar pelo menos um pouco.
Assenti e me sento na mesa. Rosalina costuma a ficar do meu lado ate eu terminar de comer tudo, ouve uma vez que ela quase me deu uns tapas por eu ter vomitado toda a comida que ela me obrigou a comer.
- Quantos quilos está pesando?
- 55.
- Não minta! – ela diz – quanto está pesando Tulsa?
- 49. – Suspiro. Considerando que tenho 1,72 de altura eu estou bem... Bem abaixo do meu peso ideal que deveria ser a cima 60.
- Você emagreceu um quilo. – Ela suspira – querida... Você tem que parar, o seu rosto já está completamente pálido...
- Eu sei Rosa. – Sussurro enquanto coloco o ovo na boca – mas eu simplesmente não consigo.
- O que acha de tentar comer chocolate? – ela diz indo até a geladeira
- O que? – surto – nem pensar!
- Eu fiz esse delicioso bolo somente para você! – ela diz tirando um bolo enorme de chocolate. O bolo está tão perfeito que brilha com a lâmpada da cozinha, a massa parece estar bem molhada, e cheio de chocolate por todos os lados.
- Nossa... – digo com os olhos arregalados
- O que? você gostou? – ela diz cheio de esperanças - Eu amei! – digo me levantando – Daniel vai adorar! - Tulsa! – ela diz
- Vou tomar banho, assim que ele chegar peça a ele para subir ok? – digo
- Pelo menos termine de comer! – ela grita
- Hã... depois. – Digo e me tranco no quarto.
Tiro minha roupa jogando encima da cama e vou ate o banheiro. Assim que entro me fito no espelho.
- Há meu Deus... – sussurro. Já se faz duas semanas que eu não me olho no espelho direito, e bom... Estou completamente horrível. Meus cabelos são curtos dois dedos abaixo do ombro, tenho algumas sardinhas nas bochechas e no nariz e meus olhos são azuis, mas isso não se destaca, nada se destaca no meu corpo de caveira. Vocês nunca conhecerão alguém tão pra baixo como eu.
Assim que a água quente cai sobre o meu corpo nu eu me abraço por causa do frio. Bom... Primeiro fato sobre quem sofre de anorexia, sentimos muito, muito frio, por isso no dia a dia uso muitas roupas largas. A minha moda é horrível! E mesmo no calor uso cachecol. Sabe aquela pessoa que gosta de tudo preto? Prazer eu. O preto pode me deixar mais magra, por isso uso preto em quase tudo.
Depois que termino o banho coloco roupas confortáveis. Uma calça de moletom preta e uma blusa de cacharrel acinzentada.
- Nada sexy pra receber o namorado. – Digo a mim mesma e me surpreendo ao ver Daniel sentado na minha cama
- Você está linda. – Ele mente, porque é claro que é mentira.
- Eu digo o mesmo. – Digo o fitando. Daniel usa uma calça jeans escura e uma blusa listrada de vermelho e cinza. Ele está um gato.
- Como está sua mãe? – Daniel sempre pergunta da minha mãe, os dois se relacionam muito bem, minha mãe parece se dar melhor com ele do que comigo.
- Qual das duas? – sorrio me escorando no guarda roupa – porque se for minha preferida ela preparou um grande e delicioso bolo de chocolate.
- Isso é bom! – ele diz animado – assim pode comer um pouco. Me sento do seu lado e suspiro alto. Me sinto cansada.
- O que quer me falar? – pergunto curiosa. Na verdade, já faz dois dias que Dani quer me contar algo.
- É melhor dizer em outra hora. – Ele coloca a mão em minhas coxas e sobe lentamente
Daniel ultimamente está com alguns pensamentos pervertidos. Estamos namorando a um ano e meio e ele sempre se controlou, ate parece que nunca sentia t***o pelo meu corpo magro. Por que isso agora?
- O que está fazendo? – pergunto enquanto suas mãos ainda continuam a subir
- Sente t***o por mim Tulsa? – ele pergunta fixando seus olhos nos meus
Eu nunca pensei nessa ocasião, sentir t***o por alguém? Caramba... Sério que isso existe? É de fritar?
Os garotos da escola ou das ruas nunca olharam para mim com desejo, por isso nunca desejei ninguém de corpo nú, ate mesmo... ate mesmo Daniel.
- S-sim. – Minto – eu acho...
Daniel se deita encima do meu corpo beijando o meu pescoço. Minhas pernas ficam entre seu corpo e eu aperto os olhos sentindo um pouco de repugnância daquilo. Coloco as mãos por dentro da blusa de Daniel, mas a tiro rapidamente, eu só quero que ele saia de cima de mim. A sua mão percorre pelo meu corpo encima da roupa. Ele passa a mão em meu pescoço e desce para os meus s***s pequenos e os aperta.
- Daniel... – sussurro, mas ele me beija. Seu beijo é intenso, porém não é recíproco - Dani...
- Ai – ele diz saindo de cima de mim – seus ossos me machucam. – Ele sorri – me desculpa.
- Ok, eu sabia que isso um dia ia chegar eu só... Você só me pegou de surpresa.
- Eu não consigo te sentir – ele diz parecendo estar decepcionado – e você não quer...
- Daniel... Não é isso. – Me levanto da cama assim como ele
- É claro que é Tulsa! Você não me deseja, nunca desejou...
- Está falando do meu corpo ou do que sinto por você? – cruzo os braços
- Isso é... Isso tudo é complicado pra mim ok? – ele diz e suas lágrimas caem. Essa é a primeira vez que Daniel chora por minha causa – eu tentei te ajudar, tentei...mas eu acho que só atrapalhei a sua vida.
- Não! – me aproximo dele – Ei... – o abraço – você não me atrapalhou, pelo contrário... Você foi a única pessoa que conseguiu me fazer feliz durante um ano. Eu te amo Daniel.
Bom... Eu não estava mentindo. mas eu não o amava como ele espera.
Daniel tira seus braços em volta do meu pescoço e me encara. Enxugo suas lágrimas que escorrem uma atrás da outra
- Eu trai você. – Ele diz frio.
O encaro por um instante e tento reorganizar meus pensamentos. Isso com certeza está sendo um choque pra mim, só pode ser piada.
- O que você disse?
- Mas isso não significa que eu não te amo Tulsa, eu amo você! Acontece que você não me satisfazia... Você sempre foi fria esse tempo todo, vivia com problemas por causa da sua doença. Na
verdade, quando eu te disse que estava viajando nas férias era mentira, eu só queria... Dar um tempo de você, eu precisava Tulsa.
Sinto meus olhos arderem em chama e me sento no chão sentindo o pedaço do meu mundo desabar. Eu sempre soube que as pessoas não me aturam por muito tempo, mas como Daniel pode ter a coragem de entrar na minha vida e mudar tudo, e depois me machucar dessa maneira?
- Eu estava viajando com a família de Cecília – ele continua – transamos, ela tirou a minha virgindade. Isso começou faz cinco meses. Os pais de Cecília pensavam que eu era um amigo de escola, fomos pra um sitio que os tios dela tem, e eles...
- Para – digo encolhida no chão. Eu não queria ter que chorar na frente de Daniel, e nem me aprofundar nisso, mas é preciso – por que fez isso comigo?
- Tulsa eu estive com você por um ano, eu aturei e te ajudei você em todos esses tempos...
- Aturou? Você me aturou? – sorrio limpando minhas lágrimas, mas é inútil por elas caírem uma atrás da outra – eu não te obriguei a ficar comigo Daniel!
- Mas... – ele sussurra encarando o chão – eu não podia te deixar, eu não queria te magoar ou te deixa do sozinha.
- Tem noção das coisas que você está me dizendo? – digo a plenos pulmões – p***a Daniel! Se coloque no meu lugar!
- E-eu sei...
- Você não sabe! Não sabe porque se soubesse teria feito tudo diferente! Se eu não sentia t***o por você tinha um motivo, se eu não gostei mais de você também tinha motivos, mas eu te amava sim, do meu jeito, mas amava. Eu pensei que você nunca faria m*l pra mim, eu apostei minhas cartas tudo em você coloquei a minha mão no fogo!
Meu telefone toca interrompendo Daniel de se aproximar. Me levanto com dificuldade e vejo que é Alexa.
- Alô. – Digo
- TULSA EU CONSEGUI O NÚMERO DO PROFESSOR DE MATEMÁTICA! – ela grita
- Lexa... Pode me ligar outra hora?
- Espera... Você está chorando? – ela pergunta preocupada – amiga? Aconteceu alguma coisa?
- Amanhã conversamos. – Digo e em seguida desligo o telefone
Daniel se senta na cama ao meu lado e ficamos ali por um instante em silêncio.
- Tulsa... Eu sei que não vale a pena, mas eu quero te pedir desculpas. E-eu percebi o quanto isso foi inútil...
- Quando as pessoas falavam de chifres na sala é por isso?
- Sim. – Ele responde
As pessoas costumavam a gritar: "como ela aguenta esses dois chifres pesado nessa cabeça tão pequena?" ou... "Ela só não sente dor nos chifres porque já faz parte do corpo dela".
- Gritavam essas coisas o tempo todo atrás de mim, mas eu nunca... Nunca pensei que você seria capaz de fazer isso comigo.
- Me desculpe Tulsa. não quero que fique brava comigo... Quero manter a amizade com você, não quero que se afaste.
- O que? – sussurro – Não... Isso não pode ser sério eu só posso estar sonhando!
- Tulsa...
- Sai! – grito enquanto o esmurro todo. ele somente segura meus braços finos e sem força – sai da minha casa! Vai embora!
- Tulsa...
- Sai Daniel! – digo o empurrando para fora do meu quarto
- O que houve? – minha mãe entra no quarto desesperada – o que aconteceu? Por que está gritando dessa maneira com Daniel Tulsa?
- Diga! Diga a ela Daniel o que você fez!
- Eu vou embora. – Ele diz, mas eu o seguro. Rosa aparece no quarto fitando tudo aquilo
- Diga seu covarde! Seja homem!
- Não Tulsa! – ele grita
- Diga! – grito de volta
Daniel me encara em silencio e sai do quarto, vou ate ele e dou um tapa com força em sua cara. Ele somente vira a cara e me olha furioso.
- Adeus senhora Rosa, adeus Bianca. – Ele diz para minha mãe que está na porta do quarto nos encarando. Ele me encara e desce as escadas do corredor saindo da minha casa.
Rosa me encara paralisada enquanto minha mãe passa os dedos entre os cabelos
- O que foi isso Tulsa? – minha mãe pergunta tentando conter a raiva
- Ele me enganou, me traiu por cinco meses! – digo tentando acabar com essa droga de lágrimas – o nosso relacionamento todo, ele...
- Você poderia muito bem ter o perdoado, ele era a única pessoa que gostava de você como você é! E agora? Vai ficar sozinha
Tulsa! Eu o admirava por ele ter conseguido ficar com você esse tanto de Tempo. – Ele suspira alto
- O que? – sussurro – você tem noção de como eu estou? Eu tenho sentimentos mãe! Eu sou uma pessoa!
- Que não é normal filha! – ela diz – agora terá que arcar com isso, terá que ficar sozinha! – ele balança a cabeça saindo do quarto – espero que fique bem.
Minha mãe sai do quarto me deixando a sós com Rosa. Rosa entra e fecha a porta vindo ate a mim e eu literalmente caio em seus braços chorando a plenos pulmões, enquanto Rosa passa as mãos em meu cabelo choro alto em sua barriga.
- Por... Por que? – Tento dizer, mas é impossível, as lágrimas parecem não querer para de sair.
Eu pensei que não poderia piorar, eu sabia que as pessoas não me suportam, mas não imaginei que Daniel também não, ele não.