Bastava observar

979 Palavras
Milena A frase pousou entre nós como um copo derramado,eu sabia exatamente o que ela queria dizer. — "Camila…" — me aproximei um passo, o tom baixo mas firme — "Eu não sei que tipo de conversa você anda tendo com a minha filha. Mas sei de uma coisa: qualquer ideia que coloque na cabeça dela sobre mim vai voltar pra você." Ela tirou os óculos, revelando aquele brilho provocador nos olhos. — "Você tá interpretando m*l… eu só me preocupo com o bem-estar da Maria. Sabe… às vezes as crianças precisam de mais atenção do que a gente imagina." — "Eu dou atenção à minha filha." — interrompi, a voz um pouco mais alta. — "E se existe uma coisa que eu não preciso é que alguém me ensine a ser mãe dela". Antes que ela respondesse, Maria saiu correndo do portão, feliz por me ver. Eu sorri para minha filha, mas sem tirar os olhos de Camila, e naquele instante, ficou claro: não seria um conflito rápido,seria uma guerra fria, feita de sorrisos e frases doces com veneno escondido. O bar estava quase vazio naquela noite de sexta,durante a semana m*l conseguimos nos ver,Rodrigo tinha escolhido um canto discreto, longe da porta, onde a luz amarelada criava um abrigo contra o frio lá fora. Quando cheguei, ele já estava com dois copos de vinho na mesa. — "Você tá com aquela cara… "— disse ele, antes mesmo que eu sentasse. — "Então, fala."—Não precisei de incentivo. As palavras saíram como água rompendo uma represa,contei sobre a volta de Bruno do Rio, sobre o jeito distante da Maria, e sobre o encontro de hoje com Camila. Repeti cada frase que ela disse, cada olhar. — "Ela tá jogando sujo, Rodrigo." — falei, tentando manter a calma. — "Maria nunca tinha me tratado assim… e agora, de repente, ela começa a me responder seca, a repetir umas coisas… como se eu fosse uma mãe de fim de semana." Rodrigo ficou em silêncio por alguns segundos, girando o vinho na taça. — "Isso não é só emocional, Mi… é jurídico também. Vocês estão em guarda compartilhada. Qualquer interferência que afete a relação de vocês dois com a Maria pode ser argumento numa disputa. E se essa mulher continuar assim, pode complicar pro Bruno… e pior, pra Maria." Suspirei, passando a mão pelo cabelo. — "Eu não quero prejudicar o Bruno como pai,afinal mesmo maria não sendo sangue dele,ele a criou,a amou,a protegeu, Mas… se ele não abrir os olhos, ela vai afastar minha filha de mim." Ele me olhou com aquela firmeza que sempre me desmonta. — "Então a gente vai agir. Mas com estratégia. Sem dar munição pra ela." Um silêncio confortável caiu sobre nós. Meu corpo relaxou, mas meu coração… não. Rodrigo me conhece demais, sabe ler até o que eu não digo. — "E outra coisa…" — ele acrescentou, com um meio sorriso. — "Essa Camila parece gostar de cutucar onça com vara curta." — "Por quê?' — "Porque não sei se é intencional, mas ultimamente, nas vezes que cruzamos, sinto que ela tenta me medir. Como se quisesse entender qual é a minha… importância na sua vida." Meu estômago gelou. — "Você acha que ela suspeita?" — "Acho que ela é do tipo que coleciona informações. E nós dois… ainda não contamos pra ninguém." — "Nem vamos, por enquanto". — respondi rápido. — "Já tem fogo demais pra apagar." Ele ergueu a taça. — "Então brindemos… à paciência e ao controle." Brindamos. Mas, no fundo, eu sabia: se Camila desconfiar de nós, ela não vai parar até encontrar um jeito de usar isso. Camila Narrando Eu não precisava de muito para entender as pessoas,bastava observar. E eu observava… sempre,foi numa manhã de domingo, quando Bruno e eu levamos Maria no parque,a pedido de Milena,aproveitamos para tomar um sorvete so nois dois,foi ali que notei algo curioso. Ela estava brincando no gramado com Rodrigo e Milena. Os dois riam de algo que ela dizia, mas não era só isso… havia uma troca de olhares, uma naturalidade nos gestos, como quem já dividiu segredos demais para serem apenas amigos. Bruno não percebeu. Estava ocupado demais com o celular. Mas eu percebi. E percebi também o jeito como Milena evitava se aproximar muito quando eu estava por perto, como se eu fosse uma ameaça a esse… “acordo silencioso” que eles têm,perfeito. Eu não ia acusar ninguém, não tão cedo. Mas bastava plantar a semente, e a primeira foi com Maria. No carro, voltando pra casa, eu joguei casualmente: — "O tio Rodrigo gosta muito da sua mãe, né?" — "Gosta sim". — Maria respondeu, sem hesitar. — "Ele tá sempre com a gente." — "Engraçado…" — deixei a frase morrer, olhando pela janela. — "Seu pai às vezes não gosta quando um homem fica muito perto da mulher que ele… gosta." Maria franziu a testa, pensativa. Eu não continuei. Não precisava,depois, foi a vez de Bruno. Uma noite qualquer, enquanto assistíamos TV: — "Engraçado, amor… Rodrigo sempre tem tempo pra Milena". — falei como quem comenta sobre o clima. — "Até parece que… não sei, tem mais coisa aí,vai que de advogado ela passa ao papel de padrasto da Maria" Ele riu, nervoso, e mudou de assunto. Mas eu vi o brilho desconfortável nos olhos dele. Vi a dúvida se instalar,eu não ia apressar nada. O melhor veneno é o que age devagar,enquanto isso, eu me aproximava mais de Maria, ganhando a confiança dela, me tornando parte das conversas, das brincadeiras, da rotina. Ela ria comigo… mas já começava a questionar coisas sobre a mãe,Bruno achava que estava controlando a situação,Milena achava que podia manter o mundo dela intocável,Rodrigo… bom, ele nem fazia ideia de que eu estava mapeando cada passo,e eu… eu só estava esperando o momento certo para apertar o gatilho.
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