Isadora mantinha-se encolhida na cama, braços em volta das pernas, os olhos vermelhos e inchados. O silêncio entre eles se arrastava, e cada segundo aumentava a expectativa do que viria a seguir.
Dante — ou Jean, como estava prestes a se apresentar — ficou de pé, imóvel, encarando a cidade ao longe. Os prédios se erguiam como sombras, e o brilho dos postes parecia um mosaico morto. Finalmente, a voz dele rompeu a quietude, baixa, mas afiada como lâmina.
— Há algo que você ainda não sabe sobre mim.
Isadora ergueu os olhos devagar, desconfiada. O coração dela acelerou, cada batida ecoando como se anunciasse perigo.
— Você… você já contou coisas demais. — disse, num fio de voz. — Não sei o que ainda resta.
Ele soltou um riso curto, sem humor.
— Resta tudo. — respondeu, voltando-se para ela. — O que você ouviu até agora foram fragmentos. Peças soltas. Agora, você vai ouvir a história inteira.
Ele caminhou até a poltrona próxima à cama e se sentou. O gesto tinha algo de ensaiado, como se fosse uma encenação calculada para deixá-la vulnerável. Os cotovelos repousaram sobre os joelhos, as mãos entrelaçadas, e o olhar fixo nela.
— Meu nome é Jean. Jean Moretti. — disse, pausadamente. —
Isadora sentiu o ar escapar de seus pulmões.
— M-Moretti? — repetiu, confusa.
— Sim. — ele manteve o olhar inabalável. — Esse é meu verdadeiro nome. Como você viu pela foto Alaric era o meu pai. Quando ele morreu eu tinha 18 anos incompletos.
Ele inclinou levemente a cabeça, como se observasse a reação dela em câmera lenta.
— Moretti… — Isadora sussurrou, tentando ligar os pontos.— Então você realmente não é um detetive, não vai me ajudar...
— Longe disso. Os Moretti são uma linhagem esquecida, apagada de propósito. — continuou ele. — Meu pai não apenas liderava negócios. Ele era alvo de traições, de conspirações constantes. O incêndio da mansão não foi um acidente. Foi um m******e. E, durante anos, eu acreditei que você fazia parte dele, que foi usada como uma arma oculta para sensibilizar a família. Achei que se te encontrasse eu poderia chegar à pessoa que encomendou o assassinato do meu pai. Assim eu pensava, pelo menos...
A garganta de Isadora secou.
— Eu? — a incredulidade estava estampada em cada sílaba. — Eu era só uma menina!
— Meninas também podem ser peças. — retrucou ele, sem elevar a voz, mas com firmeza. — Peças usadas em jogos que não compreendem. Sua mãe estava envolvida em dívidas. Estava próxima a homens que tinham interesse em derrubar o império do meu pai. E você… você era a sombra que caminhava atrás dela.
Ela se encolheu, como se cada palavra fosse um soco.
— Eu não sabia de nada… — murmurou, lágrimas voltando a arder nos olhos.
Dante não desviou.
— Eu não podia correr o risco de acreditar nisso. Então passei anos… anos procurando por você. Vasculhei registros, segui rastros apagados, usei cada recurso que minha posição me dava. Até que a encontrei, escondida naquela vila miserável, tentando desaparecer.
Ele fez uma pausa, observando a forma como ela apertava os dedos contra o colchão.
— Você entende o que significa? — perguntou. — Significa que cada segundo que você respirou desde o incêndio, eu estive mais perto de encontrá-la. Porque para mim, você era a chave da vingança.
Isadora sentiu o chão se abrir.
— V-você queria me m***r. — disse, a voz trêmula.
Jean inclinou-se para frente.
— Queria, mas não só isso. Você não teria motivos grandiosos para assassinar as pessoas que estavam na mansão. Alguém teria que ser seu mandante, mas aparentemente você só era uma adolescente sem a mínima doção do que estava fazendo consumida pela raiva, completamente descompensada, ou pelo menos é assim que você conta, não é? Eu ainda não confio cem porcento em você, ainda não sei se você é uma ótima atriz, uma mentirosa, ou se só foi envolvida por acaso na situação. — seguiu, sem hesitação. — Durante anos, a raiva foi tudo o que me manteve em pé. A raiva de ver meu pai consumido pelas chamas, a raiva de imaginar que sua mãe havia conspirado contra ele, a raiva de saber que você ainda respirava enquanto ele estava morto.
Os olhos dela se encheram de lágrimas.
— Então por que não fez isso? — perguntou, quase gritando. — Por que não me matou quando me encontrou?
O silêncio que seguiu foi pesado. Jean sustentou o olhar dela e, pela primeira vez, desviou ligeiramente, voltando-se para a janela.
— Porque talvez… eu esteja enganado. — disse, frio, mas mais baixo. — Talvez a história não seja tão simples. Talvez existam detalhes que deixei passar.
Ele se levantou e caminhou lentamente até a mesa, pegando novamente as fotos. Colocou-as lado a lado.
— Takahashi. Meu pai. Os outros mortos naquela noite. Há conexões que não estão claras. — virou-se para ela. — Então, preciso refazer meus passos. Cada lembrança sua, cada detalhe. Preciso confrontar o que eu sempre acreditei com o que de fato aconteceu.
Isadora enxugou as lágrimas com as costas da mão, mas o corpo tremia.
— E se… e se eu não tiver nada a ver com isso? — perguntou. — Se minha mãe também for apenas uma vítima?
Jean a encarou com a mesma frieza de antes.
— Então você viverá. — respondeu. — Mas se eu descobrir que você e sua mãe conspiraram contra meu pai… eu vou atrás de você. Da mesma forma.
Ela recuou contra a cabeceira, como se pudesse se esconder dele.
— Você… você está dizendo que, não importa o que eu faça, minha vida depende de você decidir se acredita em mim ou não?
Ele deu um leve sorriso — não de humor, mas de cálculo.
— Exatamente.
O silêncio caiu novamente. Isadora respirava rápido, o coração acelerado, como se fosse desmaiar.
Jean então quebrou a quietude com um tom mais sombrio:
— Você tem uma escolha. — disse. — Pode ficar comigo, sob minha p******o, enquanto refaço cada detalhe. Ou pode ir embora, escolher caminhar sozinha.
Ela arregalou os olhos.
— Eu… posso ir? — a esperança soava infantil, quase ingênua.
— Pode. — ele respondeu, dando de ombros. — Mas, se fizer isso, estará na mira de todos os que ainda caçam você. Pessoas que não vão hesitar em torturar, m*****r ou vender seu corpo para arrancar respostas.
Isadora ficou em silêncio. O medo se instalava como veneno.
Jean se aproximou devagar, inclinando-se para que o rosto dele ficasse próximo ao dela.
— Ou eu posso simplesmente mandar algumas gravações às autoridades. — disse, a voz baixa, venenosa. — Um envio anônimo. Eles verão você, verão o incêndio, verão os corpos. E você passará o resto da vida sendo caçada não apenas por monstros… mas pela polícia também.
Ela estremeceu, o corpo inteiro tremendo.
— Você não faria isso… — murmurou, quase sem acreditar.
Os olhos dele brilharam, frios.
— Teste minha paciência e descobrirá.
O silêncio que seguiu foi absoluto. A respiração de Isadora era entrecortada, o peito subindo e descendo rápido demais.
Jean recuou lentamente, voltando à poltrona.
— Então, escolha. — disse, com calma mortal. — Fica comigo… ou enfrenta o mundo sozinha.