02: Detalhe insignificante, Até parece.

1913 Palavras
DIAS ATUAIS.. ... ISABELLA ROTH Essa era a maior humilhação da minha vida! A chuva caía implacável, encharcando cada pedaço do meu corpo, enquanto eu tentava, desesperadamente, acenar para um táxi que passava pela rua. A cidade parecia um mar de indiferença, e eu me sentia tão pequena ali, tentando lutar contra as gotas pesadas que se misturavam às lágrimas que ameaçavam sair. Meu cabelo grudava no rosto, o sobretudo encharcado não ajudava a proteger nada além da aparência miserável que eu, com certeza, passava. — Ei!!!! Não, não, não! — gritei, acenando freneticamente para o táxi que passou acelerado, jogando água suja em mim. — Ah!! i*****l! Era isso que me faltava, um banho de lama pra deixar tudo mais amargo. — Eu só posso ter jogado pedra na cruz... — sussurrei, sentindo o frio atravessar o tecido molhado e gelar até os ossos. Tudo por causa de um urso. Um maldito urso de pelúcia que Jared, aquele pequeno tirano de seis anos, exigiu que eu levasse até a escola. Ele se recusava a entrar na sala sem ele, e a professora, cansada das birras, me ligou. Me ordenando, como se eu fosse uma adolescente de serviço temporário, a resolver isso imediatamente. Olhei em volta, mas os táxis passavam por mim sem sequer diminuir a velocidade. A sensação de humilhação pesava mais do que a chuva que batia forte no meu rosto. Em que momento minha vida se reduziu a isso? Uma babá molhada, no meio da rua, correndo atrás de táxis que não paravam, tudo por um brinquedo. A buzina de um carro fez meu coração pular. O táxi diminuiu a marcha e, por um segundo, a esperança me esquentou. Mas antes que eu pudesse me aproximar, outra pessoa, mais rápida e com um guarda-chuva colorido, entrou nele como se fosse um resgate num dia de apocalipse. — Ah não, sério?! — gritei para ninguém, sentindo o gosto amargo da frustração. Apertei o sobretudo ao redor do corpo, como se aquilo pudesse me proteger da realidade que insistia em me lembrar do lugar que eu ocupava. Foi aí que me dei conta. Ali, no meio da rua, com a chuva caindo, a roupa colada ao corpo, e um urso de pelúcia enfiado na bolsa que já começava a encharcar, percebi o quanto tinha deixado a vida me arrastar para um ponto em que nem mesmo a Isabella que eu conhecia se reconheceria. Finalmente, depois de minutos intermináveis na chuva, consegui um táxi que parou, mesmo hesitante, e me levou até a escola. A água pingava da barra do meu sobretudo e escorria por minhas botas enquanto eu entrava no prédio iluminado e aquecido, onde o cheiro de desinfetante e livros didáticos era quase reconfortante. Quase. O corredor principal estava movimentado, com crianças correndo e vozes ansiosas ecoando. A cada passo, sentia o olhar curioso de professores e outros funcionários, mas segui firme, tentando ignorar os fios de cabelo que insistiam em grudar na minha testa. Quando cheguei à diretoria, o ar parecia ainda mais denso, e minha respiração acelerou ao notar quem estava ali. Renato. O pai de Jared estava de pé com os braços cruzados, um olhar atento que se suavizou ao me ver entrar, mesmo que apenas por um momento. Respirei fundo e engoli em seco, tentando manter uma postura profissional. Meus olhos vasculharam a sala, observando a decoração típica: quadros motivacionais pendurados nas paredes bege e uma estante abarrotada de papéis e pastas. Jared estava sentado em uma cadeira com as pernas balançando, os olhos vermelhos de tanto chorar. O silêncio se instaurou assim que ele me viu. Com um gesto rápido, tirei o urso da bolsa. Ele estava molhado, claro, como tudo o que eu tinha passado. Estendi o brinquedo a Jared, forçando um sorriso que não tocava meus olhos. — Aqui está, olha o que eu trouxe pra você. Minha voz saiu mais cansada do que eu pretendia, como uma melodia de palavras cantadas. Ele olhou para o urso, as sobrancelhas franzidas de irritação e, num movimento impulsivo, o jogou no chão. — Tá molhado!!! Ah!!! A sala congelou. Jared começou a berrar, e senti uma onda de cansaço e humilhação me atravessar como uma corrente elétrica. Antes que eu pudesse reagir, Renato soltou um suspiro impaciente e se abaixou para pegar o urso. — Vou levar ele pra casa. Anunciou, com a voz firme, dirigindo um olhar de reprovação ao filho. Pegou Jared pela mão e, com passos decididos, saiu da sala em direção ao estacionamento. Fiquei ali, parada, observando a cena com uma sensação de incredulidade que me deixou tonta. Quando o barulho da porta se fechando reverberou pela sala, aquelas mulheres ficaram me olhando, sem jeito. Segui atrás deles, hesitante, até o estacionamento. A chuva tinha diminuído para uma garoa fina, mas o vento frio ainda me fazia tremer. Renato abriu a porta do carro e colocou Jared no banco traseiro, ajeitando o cinto de segurança. Foi então que seus olhos encontraram os meus, avaliando meu estado miserável. — Eu quero minha mãe. — Jared resmungou. — Fique quieto, Jared. — Renato disse, fechando a porta com um suspiro pesado. Ele me olhou novamente e cruzou os braços. — É melhor você esperar um pouco aqui dentro e secar mais, Isabella. Seus olhos passaram rapidamente pela minha roupa encharcada antes de completar: — Vai acabar molhando o banco do carro. A descrença me atravessou como um soco. Meu corpo travou, os músculos tensos, mas antes que eu pudesse conter a indignação, as palavras escaparam: — É sério, Renato? Ele deu um passo em minha direção, a mão áspera roçando meu rosto com um gesto que deveria ser carinhoso, mas que só serviu para aumentar a irritação que ardia dentro de mim. — Não fica brava, Isabella, é só um detalhe. Um meio sorriso surgiu no canto dos seus lábios. Sem me dar tempo para responder, ele entrou no carro e, em poucos segundos, estava saindo do estacionamento. O som do motor e o brilho das lanternas traseiras diminuindo à distância pareciam zombar da minha incredulidade. Fiquei ali, olhando para o vazio, tentando processar que, sim, ele tinha mesmo me deixado para trás, na chuva e no frio, como se eu fosse um detalhe insignificante em sua vida luxuosa. — Eu posso pegar um resfriado, e ele pensa no banco do carro? A chuva fina continuava a cair, mas agora eu estava debaixo do alpendre da escola, tremendo enquanto tentava me aquecer com meus próprios braços. ... A chuva fina continuava a cair, mas agora eu estava debaixo do alpendre da escola, tremendo enquanto tentava me aquecer com meus próprios braços. Cada gota que escorria pelo meu rosto parecia um lembrete c***l do abandono de Renato, da indiferença que ele exibia com tanta naturalidade. Com os dedos gelados, disquei o número de Carla e esperei, o coração martelando de expectativa. Ela atendeu rápido, sua voz apressada e cheia de preocupação. — SOS, amiga! — consegui dizer, minha voz falhando ao final. — Ai, meu Deus, o que foi dessa vez? — respondeu ela, a impaciência disfarçando a preocupação genuína. Engoli em seco e resumi: — Você pode me buscar na escola do Jared? Por favor... Estou congelando. Houve um silêncio breve, mas logo ouvi seu suspiro. — Estou indo, segura aí. Minutos depois, os faróis familiares cortaram a neblina, trazendo um alívio que me fez quase desmoronar. Carla parou o carro em frente ao alpendre e abaixou a janela. Seus olhos se arregalaram assim que me viu, avaliando meu estado. — Tomou banho de chuva, amiga? — perguntou, uma sobrancelha levantada, como se não conseguisse acreditar no que via. Revirei os olhos, exausta, e dei um passo à frente, sentindo a umidade escorrer pela minha pele fria. — Posso entrar? — perguntei, tentando não soar tão miserável. Ela bufou e sacudiu a cabeça. — Não, eu vim aqui só pra olhar pra você toda molhada. É claro que pode, né, Isabella! Entrei no carro, e o calor do interior foi uma onda que me envolveu, fazendo minhas mãos tremerem ainda mais quando a adrenalina começou a baixar. Fechei os olhos por um segundo, segurando as lágrimas que insistiam em escapar. Carla me olhava, sua expressão mesclando irritação e preocupação. — O que aconteceu desta vez? — perguntou, agora com a voz mais suave, embora ainda carregada de frustração. Abri os olhos e a encarei, um sorriso amargo se formando em meus lábios. — Renato me deixou aqui. Simplesmente entrou no carro com Jared e foi embora, como se eu não fosse nada além de um detalhe... descartável. O rosto de Carla endureceu, e ela apertou o volante com força, como se quisesse socar alguém. — Aquele... i****a! Ele fez o quê?! Sua voz se elevou, carregada de uma fúria que me fez estremecer, mas dessa vez de alívio por ter alguém que se importava. Assenti lentamente, e dessa vez as lágrimas vieram sem que eu pudesse contê-las, quentes e misturadas com a água fria da chuva. — Sim... e eu estou cansada disso, Carla. Cansada de ser tratada como se ele não se importasse. Ela respirou fundo, os olhos ainda fixos em mim, mas agora com uma determinação que me surpreendeu. — Porque você não importa, eu já falei isso um milhão de vezes. Então está na hora de fazer algo sobre isso, Isabella. Está na hora de você se lembrar de quem você é. Fechei os olhos de novo, deixando aquelas palavras me envolverem como um bálsamo. Talvez ela estivesse certa. Talvez fosse mesmo hora de mudar essa história. — Eu vou conversar com ele, chega disso. Carla soltou um suspiro de alívio. — Graças a Deus! Olhei pela janela, sentindo aquela sensação de importância crescer dentro de mim. Eu amava Renato, e ele dizia que me amava. Mas que amor era esse? Como ele podia fazer isso comigo? O percurso começou a parecer estranho. Olhei para Carla ao notar que ela tomava o caminho da minha casa. — Amiga, você tá indo pro lugar errado. — Nada disso, estou indo pro lugar certo. A sua casa. Onde você vai se livrar dessas roupas molhadas e tomar um remédio antes de pegar um resfriado, isso sim. Apesar do pesar dessas palavras e da decisão de não ir pra casa dele, eu sabia que ela estava certa. Ela parou em frente ao meu apartamento. Antes de sair, me olhou, soltando um suspiro pesado. — Dessa vez, faz isso direito, Isa... Não deixa ele te enganar de novo. Acenei que sim, com um sorriso fraco. — A gente se vê depois. Obrigada por me socorrer. — Sempre! Saí do carro e entrei no meu apartamento. Era uma kitnet, bem confortável. Não podia reclamar. Eu recebia bem, mas a que custo? Deixei as chaves no seu lugar habitual e removi as roupas molhadas assim que fechei a porta. Não demorei a tomar um banho quente e preparar algo pra comer. Até receber uma mensagem que me fez suspirar em frustração. RENATO: "Bella, onde você está? Já está de noite. Estou preocupado." Agora ele estava preocupado? Isso parecia até uma piada de mau gosto. Olhei para o urso que coloquei sentado sobre minha bancada e neguei com a cabeça. Dei um peteleco no nariz dele. — Tudo por sua causa. E nem era... Eu sabia disso. Mas era mais fácil culpar um ser inanimado do que aceitar que eu me apaixonei pelo b****a. E, pior ainda... Sozinha.
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