Capítulo 8

1529 Palavras
Olho para Levi escondendo a tristeza que veio de repente, como ela sempre faz e sorriu sem vontade. - Bea, me diz onde está o pão. Nunca, vi alguém para amar tanto pão quanto ele. Antes ele comia apenas um pão, mas agora é só dois pães, se bombear são três. Gosto de vê-lo com apetite, quando ele está bem eu também fico. Essa é a verdade! Ele realmente está crescendo e sua fome parece sempre aumentar. Ultimamente não temos muito o que comer, teve vezes que não tínhamos nada e eu precisei comprar fiado na padaria e mercadinho aqui perto, pelo menos para ele comer. Fico com fome, mas ele não. Quando Mainha morreu só recebemos três meses de auxílio do hotel em que ela trabalhava como camareira. Usei para pagar as dívidas que adquirimos no decorrer da doença dela, enquanto isso, tranquei a faculdade e fui em busca de emprego, mas não conseguia nada. Até hoje. - Não temos pão, mas comprarei rapidinho na padaria de seu João. - Certo, porei a mesa para gente. - Avisou se levantando e suspendendo o short de seu uniforme na cor azul que fazia par com a blusa branca com listras azuis e o emblema da prefeitura estampado na frente. Uniforme horroroso, com toda certeza eu faria melhor. Peguei R$ 50,00 reais em minha bolsa, que estava pendurada na cabeceira de minha cama. Já estava para sair quando a voz de Levi me barrou. - Hoje você poderá tomar café também, não é, Bea? - A preocupação era evidente em sua voz. Ele só tem nove anos, mas às vezes age como se fosse meu irmão mais velho. Não gosto de vê-lo se preocupando com algo que devo me preocupar. - Tomaremos café juntos meu amor, ainda poderei comprar aquilo que você tanto gosta. - O quê? - Questiona-me curioso. - Dê um palpite. - Riu de sua cara curiosa. Ele pensa por alguns instante e me olha sorrindo. - Queijo? - Coloca a mão no queixo pensativo. - Se for queijo eu te amo um pouco mais e ainda multiplico por mil. - Então pode me amar um pouco mais e realizar essa multiplicação aí, porque é isso mesmo. - Ele gritou e correu para me abraçar. Seus braços finos e curtos envolve a minha cintura e sua cabeça encosta em minha barriga. - Me amar é tão fácil assim? - Perguntei rindo de sua euforia. - Você é a melhor irmã do mundo, Bea. Agradar a uma criança é tão simples. - Fique aí que eu como essa, eu sou a sua única irmã, então essa sua afirmação não tem lógica. - Mas é a melhor, tanto que meus amigos têm inveja de mim. - Comecei a gargalhar com essa informação. Porque eles não me conhecem. - Você sempre tentando aumentar a minha autoestima. - Pode contar comigo sempre. - Fico feliz por isso. - Repondo com lágrimas nos olhos, mas dessa vez de alegria, em poder proporcionar um sorriso a ele. - Você conseguiu um emprego? - Infelizmente ainda não, mas conseguir umas diárias no hotel que te falei ontem, três dias seguidos. - Você vai hoje de novo? - Ele me fitou e eu vejo tristeza em seu olhar. - Preciso ir meu preto, dona Cláudia me pagou adiantado. - Eu sei! - Fala ainda triste. - Entendo. - Um dia as coisas vão melhorar. - Sei que vai Bea, serei rico para você não precisar trabalhar mais. - Que bom! Agora vou lá comprar o pão antes que você tenha um "treco" de fome. - Vai mesmo, pelo amor de Deus, meu estômago está nas costas. - Beijo o topo de sua cabeça rindo. - Exagerado! - Digo e saiu ainda rindo de seu exagero. Afirmei que as coisas vão melhorar, no entanto, afirmei mais por ele do que por mim. Eu preciso parar com esse negativismo, dona Cláudia foi um alento para mim, assim como Lourdes tem sido. O pessimismo é como um vício que entra em nossa vida e nos escraviza, que nos faz ver cinza. - As coisas já começaram a melhorar. - Afirmei em voz alta, sentindo pela primeira vez em meses uma certeza em meu íntimo e sorriu. 💎💎💎 — Como você está, Levi? — Perguntei-lhe por telefone. Seria a oitava ou a décima ligação? Nem sei mais. Eu me sentia dividida entre minhas tarefas e a preocupação, entre ser uma irmã que não fica “pegando no pé” o tempo todo e a irmã que protege em excesso. Eu nem me reconheço mais! Cadê a Ana Beatriz que vivia um dia de cada vez sem se preocupar demais? Ultimamente essa Beatriz parece ter desaparecido, só espero que não seja totalmente. Hoje é o terceiro dia que faço diária aqui no “Sensação”, meu último dia do acordo que fiz com dona Cláudia. Era umas 15h00 quando a dona Cláudia me chamou, o dia amanheceu ensolarado, então aproveitei para lavar as roupas de camas e limpar a casa. Levi estava na escola ainda, logo eu não consegui avisar-lhe, quando precisei sair às pressas para realizar a diária. Ele faz o projeto “Mais Educação” às terças, quarta e quinta-feira. Nesse caso hoje é quinta-feira, então ele ficou o dia todo na escola. Pela manhã estuda, meio-dia almoça e às 13h00 estuda novamente, esportes variados, matemática, letramento, entre outras coisas. Levi, chega em casa exausto, mas feliz da vida, porque é algo que ele gosta. Eu não o julgo por exagerar em seus esportes a ponto de se ferir, como muitas vezes ele faz, não o julgo, porque sei o que é fazer o que gosta até seu corpo “dizer” chega. Tenho uns dez Sketchbook com variados desenhos, que passei noites em claro desenhando, tudo que eu via, assistia, ouvia me inspirava. Quando decidi ser “design” de moda, eu tinha 15 anos, contei a minha mãe e no dia seguinte ela me deu meu primeiro Sketchbook e foi assim durante 8 anos, pois em todo ano em meu aniversário, dia 30 de abril, ela me presenteava com meu caderno de desenho. Não sei explicar, uma dor sem tamanho toma conta de meu peito ao saber que não a terei ano que vem, que não a terei comigo e ela não verá o nosso pretinho crescer e se tornar um grande homem. Não é e nunca foi pelo caderno, era pelo significado que ele trazia. Quando ela me deu o caderno ela quis dizer acreditar em mim, acreditava em meus sonhos e que eu nunca poderia desistir jamais. Esse pensamento ficou durante anos em minha mente e mesmo após conseguir uma bolsa em uma faculdade totalmente oposta ao meu sonho, eu não desisti… Ela não desistiu! No final, eu acabei desistindo e já fazem exatamente seis meses. Balanço a minha cabeça esforçando-me para focar no presente, focar em Levi, ele é mais importante que tudo agora, ele é o motivo de minhas preocupações diárias, mas também o motivo que me motiva a viver. Nesse momento estou preocupada porque pela primeira vez ele me pediu para dormir na casa de um coleguinha dele. Confesso que isso foi um tremendo choque para mim. Haverá um mini acampamento no quintal de seu colega e ele foi um dos convidados. A mãe do garoto veio me pedir pessoalmente, quando eu levava Levi para escola, mas foi por insistência de meu pretinho que acabei cedendo. Agora estou aqui preocupada, ligando a cada uma hora. Olho no visor do celular e vejo que falta um minuto para às 18h00 e suspirei imaginando que logo estarei em casa, mas ele não estará. Eu não sei o porquê sinto tanto medo. Cheguei cedo, limpei os sete quartos que dona Cláudia pediu que eu limpasse, e agora estou no vestiário me ajeitando para ir embora, mas não estou com nenhuma pressa. — Eu já disse que estou bem, Bea. — Sua voz brava me chama para realidade e eu franzir a minha face não gostando em nada de seu tom. — Ei, fale direito comigo! — Avisei deixando claro que não gostei da forma que ele me respondeu. É assim que começa a ser um respondão. Eu nunca falei nesse tom com nossa mãe e não admitirei que ele fale assim comigo! — Desculpa, não quis ficar bravo, ou ser grosseiro… É que… Você me liga toda hora, os meninos já estão me zoando. — Suspirei envergonhada por suas palavras receosas, mas ainda assim firmes. Eu nunca quis ser uma irmã pegajosa, nem Mainha era assim comigo. Contudo, não sei explicar o medo que me tomou ao vê-lo tão feliz de não estar em casa, era como se ele quisesse se livrar de mim. Sei que isso não é verdade, mas a mente parece trabalhar mais rápido quando é para ser negativa, a minha ultimamente pensa sempre o pior. — Me preocupo com você, Levi. — Digo em um sussurro constatando o óbvio. — Sei disso, mas estou bem! Não acredita em mim? — Claro que acredito! — Então respeite o meu espaço, Bea. O quê? Com quem esse garoto está aprendendo isso?
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