m*l acordei tentei perceber se apenas tivera um pesadelo, mas infelizmente estava no meu quarto de princesa. Dirigi-me à varanda e fiquei a observar o nascer do sol enquanto grossas lágrimas me escorriam pelas faces e o vento fresco da manhã de verão me tocava a pele. Já devia ter passado uma hora quando decidi que teria de parar de chorar: esta era a minha nova vida e eu tinha de a aceitar. Tomei um banho e vesti umas calças de ganga e uma blusa azul céu muito fresca, saindo do quarto em seguida. Se tinha de aprender a viver no palácio pelo menos podia mostrar que não precisava de guias a tempo inteiro. Já tinha chegado à sala onde jantara na noite anterior e prossegui pelo corredor até me ser imposto continuar ou descer uma grande escadaria. Certa que a escadaria me levaria até ao jardim, desci rapidamente e encontrei-me num grande salão com centenas de mesas.
- Outra vez não. Mas que tenho eu de fazer para chegar ao jardim?
- Podes tentar ir no sentido oposto ao que vieste. – Respondeu uma mulher que eu julgava ter-me sido apresentada como mãe de Eliot. – Desculpa, não queria assustar-te. Sou a Eileen se não te recordares. – Sorriu e incentivou-me a sentar com ela numa das mesas. – Deves ser a primeira adolescente que eu vejo acordar tão cedo sem obrigação, normalmente dormem todos até tarde. - Vendo que eu não reagia, dirigiu-se à mesa e continuou a encarar-me. – Eu não mordo Emily. Toma o pequeno-almoço comigo por favor.
Sentei-me em frente a Eileen e, no mesmo instante, apareceram duas criadas carregando bandejas cheias de iguarias. Desde pãezinhos quentes a bolos de vários andares, tudo tinha um aspecto delicioso que me deu água na boca, pelo que comecei a comer sem saber por onde começar. Quando pensava que já tinha visto tudo o que havia na mesa, aparecia outra criada com mais doces, frutas e bebidas.
- Isto é assim todas as manhãs?
- Não, não é. Isto é o pequeno-almoço de um dia normal sem convidados no castelo. Em dias de festas e banquetes, além de este salão se encher, a variedade é muito superior ao que vês aqui hoje. – Vendo a minha cara de espanto, Eileen começou a rir. – Vais ver que te habituas rapidamente à vida no palácio.
- Duvido. – Olhei em volta e percebi que não se encontrava ninguém nas restantes mesas. – Onde está toda a gente?
- Provavelmente a dormir. Como te disse, não é normal acordarem tão cedo por aqui, se bem que a Aurora já costuma estar por aqui quando chego. – Tinha pensado muito no que faria quando visse a rainha e ainda não sabia bem o que fazer, mas estava convencida que lhe devia um pedido de desculpas. O meu rosto deve ter expressado os meus pensamentos, pois Eileen prosseguiu. – Ela não está zangada com o que lhe disseste, só triste pela tua reacção. Todos sabíamos que não iria ser fácil.
- Preciso de me desculpar. – Pensei na conversa que havia tido com Jennifer e reuni coragem para continuar. – Eu sei que fui longe de mais. Ninguém tem culpa nesta história, eu só gostava que não tivesse sido assim. Tive de mudar de um dia para o outro toda a minha vida e deixar para trás tudo o que conhecia.
- Eu sei que não é fácil, mas tenta compreender que esta é a tua verdadeira casa, por mais estranho que isso pareça. – Vendo o meu ar abatido continuou: - Não menosprezando os teus pais adoptivos, claro.
Senti-me fraquejar. Toda a coragem que reunira de madrugada evaporara-se e deixava só a tristeza que sentia. Levantei-me e pedi a Eileen que dissesse a Aurora que gostaria de falar com ela. Dirigia-me de volta ao quarto quando encontrei Eliot que, provavelmente, estava a caminho de salão de refeições.
- Bom dia Emily. Já levantada?
- Bom dia. Não conseguia dormir. Ia a caminho do jardim mas perdi-me e acabei por tomar o pequeno-almoço com a tua mãe.
- Sendo assim vou levar-te ao jardim e depois irei ter com ela.
- Não é preciso, vou tentar chegar lá sozinha, mas obrigado na mesma. Vejo-te mais tarde. – Eliot seguiu o seu caminho e eu continuei a tentar encontrar o jardim.
Depois de dezenas de corredores e um número infinito de escadas, cheguei a uma porta gigantesca que estava entreaberta. Espreitei pela fresta e fiquei deslumbrada com a imensa quantidade de livros da biblioteca. Entrei, movida pela curiosidade, e dirigi-me a uma das prateleiras. Milhões de livros empoeirados encontravam-se ali, como se todos os livros do mundo se tivessem reunido num único lugar. Para meu espanto, não estava sozinha na biblioteca. Laila estava a um canto a olhar pela janela.
- Bom dia Laila. – Ela murmurou um cumprimento de volta mas não desviou o olhar. – Eu sei que estás irritada comigo, mas se ajudar eu não quero nada com o Dylan, podes ficar com ele.
- Não é contigo que estou zangada, mas sim com ele. Nestes anos todos nunca me contou… - Estivera claramente a chorar. Os seus olhos inchados e as olheiras que apresentava denunciavam uma noite passada em claro. – Mesmo que o descartes, eu não posso fazer nada. Até ao teu casamento ele é o teu prometido, e mesmo que não cases com ele eu não tenho hipóteses. Ele ama-te e não vai querer saber de mim para nada… - Laila saiu a correr da biblioteca sem que eu pudesse dizer algo para a confortar.
Continuei a percorrer a biblioteca, encantada com a sua magnificência, ao mesmo tempo que pensava no encontro que teria de ter com Aurora e no desgosto de Laila. Se conseguisse que a rainha acaba-se com a história de estarmos prometidos, conseguiria que Laila ficasse feliz e acabava com uma parte do meu infortúnio, mas sabia que era quase impossível isso acontecer.
Saí da biblioteca e retomei a minha busca pelo jardim. Quando finalmente o encontrei já eram horas de almoço e Mia vinha à minha procura.
- Boa tarde princesa. Sua majestade mandou informar que deseja almoçar consigo.
Fui acompanhada de Mia pelos intermináveis corredores até uma pequena sala acolhedora com uma estreita mesa já pronta para o almoço. A rainha já se encontrava na sala e dispensou Mia m*l nos viu. Sentamo-nos sem proferir uma única palavra, até que Aurora murmurou:
- Desculpa por ter escondido tudo sobre mim este tempo todo.
- Também peço desculpa. Não devia ter reagido assim.
- Então como devias ter reagido? Vieste para este mundo sem protestar, deixas-te a tua vida para trás e tratas-te bem o Eliot e todos os que conheces-te até agora. Se reagisses melhor não serias humana. – A incredulidade estava espalhada no olhar de Aurora. – Fui eu que reagi m*l. Sempre alimentei a esperança de voltar a ter o meu bebé de volta, mas o que encontrei foi uma linda mulher, corajosa e cheia de força. Bastaram poucas palavras desagradáveis e eu fugi daquilo que seria mais óbvio esperar.
- Não devia ter dito aquilo. A verdade é que o que mais me revoltou foi o casamento arranjado. Sempre tive liberdade e agora sinto-me presa a um compromisso que não escolhi ter. Descobrir toda a verdade assim de repente foi um choque, mas estou determinada a tentar reconstruir a minha vida aqui.
- Compreendo que te sentes perdida com todas estas mudanças mas habituar-te-ás a viver em Cyon. Quanto ao casamento, penso que saibas que podes escolher outra pessoa para teu marido.
- Com tempo determinado, é claro… Nunca me irei habituar a tal pensamento. Ninguém me perguntou sequer se quero casar e pelos vistos a data já está marcada. Como é que alguém consegue viver assim?
- Os membros da família real são habituados a essa ideia desde o dia em que nascem, sendo que a tradição nunca foi posta em causa. Claro que o teu caso é diferente Emily, não sabias de nada e de repente vês-te no meio de novas regras e tradições, é normal que estejas confusa.
- Eu não estou confusa, sei muito bem o que quero e não há-de ser um casamento arranjado. – Tentava manter um tom calmo mas começava a perder o controlo das minhas emoções. – Eu viverei aqui de boa v*****e, mas quero que o Dylan deixe de ser meu prometido.
- Isso está fora de questão! – Aurora contrapôs. – Até ao dia em que te casares, seja ele o noivo ou não, estás-lhe prometida e escusas de dizer o contrário, pois não vou mudar de ideias.
- Então – levantei-me, falando calmamente – que tenha um bom almoço majestade, pois não temos mais para conversar. – Dirigi-me à porta, mas antes que saísse, Aurora continuou.
- Queiras ou não, eu sou tua mãe e sei que até à altura do teu casamento irás mudar de ideias. – Com aspereza acrescentou: - As tuas aulas de etiqueta começam esta tarde e o teu jantar de apresentação será no final da próxima semana. Não tens desculpa para não comparecer e não te comportares à altura de uma princesa. Estás também proibida de sair dos terrenos do palácio, seja sozinha ou acompanhada. – Saí da sala directamente para o quarto que, por milagre, consegui encontrar sem me perder uma única vez.
Passado meia hora bateram à porta. Jennifer esperou que a mandasse entrar e, assim que o fiz, deu vida ao meu novo pesadelo. As aulas de etiqueta que Aurora me falara nada tinham a ver com aquilo que eu esperava, eram, porém, piores. Se andar com um livro sobre a cabeça já me parecera extremamente difícil, fazê-lo de saltos altos tornou-se impossível. Cansadas de me ouvir reclamar das dores que já tinha nos pés, Jennifer e Holly passaram o resto da tarde a tentar ensinar-me boas maneiras à mesa.
- Mas porque é que tenho de ficar amarrada à cadeira? – Perguntei assim que me amarraram o tronco à parte de trás do assento. – Já não basta ter de saber todos os talheres e afins?
- Tens de treinar a tua postura. Vais ficar amarrada até conseguires comer numa posição perfeita. – Holly divertia-se com a minha teimosia, mas eu já aprendera que ela era mais séria do que parecia.
Passei o jantar a treinar, enquanto elas faziam reparos e riam-se com a minha troca de simples talheres e copos. Quando finalmente me libertaram já passavam das onze e fui encaminhada ao quarto. Tomei um banho rápido assim que fiquei sozinha e adormeci m*l me deitei.
Na manhã seguinte fui acordada por Jennifer, que me fez vestir um vestido que me chegava aos tornozelos e calçar uns sapatos de salto. Não tive tempo de protestar, pois ela já me arrastava para o salão onde tinha tomado o pequeno-almoço no dia anterior.
- Bom dia. – Holly já se encontrava sentada numa mesa com Laila, embora esta não estivesse com v*****e de conversar. – Estava a ver que nunca mais chegavam. Temos muito que fazer hoje.
- Bom dia – respondi, ainda ensonada. – Não posso dizer que vou ficar feliz com mais aulas como a de ontem. – Sentei-me desconfortavelmente direita, pois Holly olhava-me com cara de quem me prenderia outra vez à cadeira. – Então e qual vai ser a minha t*****a de hoje?
- Vamos começar pelo que ficou a meio ontem. Já tenho aqui o livro – acrescentou. – Vais percorrer os corredores do castelo até à hora do almoço. Durante a tarde vais aprender cumprimentos específicos e a maneira correcta de falar em público. Eliot almoçará contigo, pois temos alguns assuntos a tratar e não deveremos estar despachadas para te fazer companhia. – Devo ter sido traída pelo meu olhar, pois Holly continuou: - Saberemos se não andares a treinar.
Mal acabaram de comer deixaram-me a sós com o livro que seria o meu único companheiro nas próximas horas. Comecei a andar muito devagar mas o livro parecia sentir atracção pelo chão. Quando finalmente estava a apanhar o jeito avistei Eliot, que me acenou. Dirigi-me a ele, levantando o vestido com as duas mãos o que o fez rir.
- Não deixes a Holly ver-te fazer isso. – Exclamou entre gargalhadas. – É suposto usares uma mão e apenas se o vestido chegar ao chão.
- Bolas! E eu a pensar que seria fácil de decorar algumas regras. – Larguei o vestido e ajeitei o livro que escorregava. – Será que há alguma coisa que eu já saiba fazer ou vou ter de aprender tudo como se fosse uma criança?
- Relaxa um bocadinho Emily, não é tão difícil assim. Algumas semanas e habituas-te. Agora vem almoçar que temos muito para fazer esta tarde. – Fiquei confusa e inquiri Eliot sobre o que ele queria dizer. – Laila mandou avisar que estavam atrasadas, por isso serei eu a dar-te a aula esta tarde. – Ao ver-me sorrir, Eliot fez um ar sério. – Não te vou poupar mais do que elas por isso não te rias. – Assustei-me com a resposta, mas ele gargalhou. – Estou só a brincar. Descontrai e aprenderás tudo ainda esta tarde.
Eliot levou-me até à sala onde tinha tido a aula de etiqueta no dia anterior. Embora se mostrasse amável e compreensível comigo, não permitiu que retira-se o livro e fez-me passar todo o almoço com uma postura correcta.
- Eliot já não aguento mais esta posição. Posso parar por um bocado?
- Desculpa mas não Emily. Tens uma semana para aprenderes tudo isto e já vai ser complicado sem pausas. – Suspirou e começou a procurar um livro. – Normalmente demora meses para que se aprendam todas as etiquetas básicas e algumas pessoas levam anos. Condensar tudo isso numa semana é de loucos, mas a rainha insistiu que deves ser apresentada o mais depressa possível.
- Mas qual é a pressa? Se estive na ignorância este tempo todo e ninguém me conhece aqui, porque é que tem de ser tudo tão apressado?
- As pessoas começam a especular se ainda estás viva. Toda a gente sabe que a rainha te escondeu, mas os anos passaram e nunca regressaste. Ninguém sabe quem é o teu prometido, nem sequer se existe alguém. Isso está a gerar insegurança e não podemos semear mais medo neste momento.
- Mas afinal o que se passa? Do que têm medo?
- Os gémeos querem-te morta, isso já sabes. Mas enquanto não te conseguem alcançar vão semeando o caos e a destruição. A rainha está a ficar sem forças para proteger todo o reino e sem um herdeiro o trono fica desprotegido.
- Então precisam de comprovar que eu estou viva e que vou ajudar a derrota-los? – Eliot acenou afirmativamente. – Mas como? Eu nem sei fazer magia, pelo menos conscientemente.
- Eles não precisam de saber isso, basta que tenham esperança. Além que as tuas aulas de magia começaram logo após o baile.
- Baile? Que baile?
- O teu jantar de apresentação será seguido de um baile. É aí que vais conversar com as pessoas e dar-te a conhecer.
- Mas eu não sei dançar! – Agora estava em pânico. Andar com um livro na cabeça o dia inteiro já não me parecia tão mau. – Quer dizer eu tive algumas aulas de dança em criança mas como não gostava desisti, por isso quase que não danço.
- É por isso que vais ter dois dias de aulas, isto se conseguires ficar direita sem esse livro, senão acho que vais ter de treinar dia e noite.
Eliot continuava a tirar livros da prateleira enquanto me falava no jantar e no baile a que ia ser exposta. Já me tinha esquecido dos saltos, do livro e até das malditas aulas, quando ele me mandou sentar.
- Primeiro vais ler este texto como se te dirigisses a um público. Vamos trabalhar o teu modo de falar a partir daí.
Horas se passaram e eu continuava a ler e reler os textos que Eliot me punha à frente. Quando ficou satisfeito passou às dezenas de apresentações formais que deveria aprender.
- Hoje vamos ficar por aqui – disse quando eram horas de jantar. – Amanhã à tarde iniciaremos as aulas de dança. De manhã Jennifer verificará o que aprendes-te hoje e acabará o que falta.
- Serás tu a dar-me as aulas de dança? – Sorri perante a ideia de não ter Laila a olhar para o meu ar desajeitado.
- Não, serei também um aluno, tal como a Jennifer, a Holly e a Laila. – Fez uma careta seguida de um sorriso. – Não és só tu que tem de aprender a dançar. Em todos estes anos não houveram bailes e muito menos momentos para aprender a dançar.