1º Capitulo – Um passado oculto

3987 Palavras
Uma colina. Outra, e mais uma ainda. Corro e pareço não sair do lugar. Depois do que aparentam ser horas chego por fim ao cimo, e o que vejo é arrebatador. Um castelo, outrora magnífico, envolto em trevas. Mas como sei como era se nunca o havia visto? Ou será que já? Não me conseguia lembrar de onde o conhecia. Tal como uma águia a minha visão apura-se conseguindo distinguir até o mais ínfimo detalhe, e o que vejo deixa-me petrificada: corpos sem vida jazem no chão do palácio, enquanto os sobreviventes tentam vingar os familiares e amigos. Apercebo-me que, mesmo com a batalha que se trava no castelo, não se ouve um único som. Sinto o perigo a aproximar-se. O vento deixa de soprar, o ribeiro de correr, e o tempo pára. Sustenho a respiração. Algo está muito errado. Olho para baixo e vejo o meu colar a brilhar, mas como?            O mesmo sonho. Há três dias que sonhava com o mesmo, mas sempre que olhava para o colar acordava. Era como se uma força superior me fizesse olhar para ele, mesmo sabendo que assim o sonho acabaria. Levei instintivamente a mão ao colar, que estava igual ao que me lembrava desde que me conhecia como gente. No dia em que nasci os meus pais haviam colocado o colar no meu pescoço e nunca mo permitiram tirar, e eu não me importava. A única coisa que me deixara curiosa quando comecei a perceber o valor daquela pedra era o porquê de um diamante. Certa vez, quando perguntei à minha mãe como tinha surgido a ideia de mo darem e que por ser tão valioso não se daria a um recém-nascido, ela apenas respondeu que eu saberia na altura certa. Mesmo sem perceber o porquê o diamante em forma de lágrima tornou-se o meu objecto mais precioso, dando-me a sensação de pertencer a um mundo só meu, onde eu seria quem quisesse e não apenas a Emily, aquela que era deixada de parte devido à inteligência. Que culpa tinha eu de decorar tudo após ouvir ou ler uma única vez? Talvez por isso a minha vida fosse tão solitária. A maior parte do tempo sentava-me à sombra de uma árvore a ler, enquanto via as crianças a brincarem. Custava-me não ter amigos e habituara-me a estar sempre só mas desejava que isso mudasse. Excepto os meus pais não tinha ninguém com quem estar ou falar, ou mesmo celebrar o meu aniversário.            “O meu aniversário! Hoje faço dezasseis anos e nem me lembrava!”            De que valia fazer anos se não podia celebrar com ninguém querido? Claro que tinha os meus pais, mas só estaria com eles depois das aulas. embora hoje fosse diferente, pois tinham-me assegurado que estariam à minha espera m*l voltasse das aulas que terminavam às cinco horas da tarde. Era o último dia de aulas do ano, e eu tinha as notas máximas a tudo, por isso não via o porquê de ter de aturar os meus colegas neste dia em que não se faria nada, incluindo que era o meu aniversário. Resignei-me e decidi levantar-me. Ainda não eram seis horas da manhã mas já não tinha sono, pelo que aproveitei para acabar de ler o livro que tinha na cabeceira: Diário de uma Rainha – O reino mágico de Cyon. Por alguma razão sempre que lia este livro tinha um sentimento de perda pois na história a rainha tivera de abdicar de ver a filha crescer para que esta ficasse em segurança. Já era a quinta vez que relia o livro, mas encontrava sempre novos pormenores, que me faziam ter cada vez mais pena da personagem.            Ao acabar o livro, eram horas de me vestir e os meus pais não tinham esquecido o pormenor do meu aniversário nem nesse aspecto. Eu não era muito dada a vestidos, mas teria de lhes fazer a v*****e, pois tinham-me oferecido um lindo vestido de verão, em linho, nos tons de verde e branco, onde estavam bordadas à mão flores pretas na zona do corpete, e que contrastava com os meus olhos verdes. Dei o braço a torcer: o vestido era lindo, parecendo ter saído de um dos meus livros, quando eram descritos os vestidos das princesas.            Quando olhei ao espelho não me reconheci de tão diferente que estava. Se não fosse pelas dezenas de prateleiras cheias de livros que forravam o meu quarto e da boneca de trapos, que enfeitava a cama e que eu guardava religiosamente, poderia jurar que estava a olhar para uma completa desconhecida. Os meus cabelos castanhos lisos estavam completamente ondulados devidos às tranças com que dormira, apenas ornamentados com uma simples bandolete verde, o que permitia que chegassem quase à cintura. Sempre gostara dos meus cabelos longos apesar do muito trabalho que me davam, mas ao ver o resultado deste dia congratulava-me de nunca ter cedido à tentação de os cortar. Escolhi umas sandálias verdes frescas, com tiras de tecido para serem atadas nas pernas e o resultado não poderia ser melhor. Finalmente estava pronta para enfrentar o martírio que seria o dia pois, todos os anos, os professores escolhiam o último dia do ano para entregarem prémios aos alunos e todos os anos eu ganhava os dois prémios mais detestados: o de melhor aluno e melhor comportamento. Se já era odiada pelas minhas notas e pelos elogios contantes dos leccionadores, o meu comportamento não era mais adorado. Como não tinha amigos com quem conversar, as aulas eram passadas em silêncio, e apenas falava para responder às questões colocadas pelos docentes, por isso não tinha como me comportar m*l, o que levava os meus colegas a pensarem que era uma maneira de dar graxa aos professores.            Quando desci para tomar o pequeno-almoço, os meus pais ostentavam uma expressão algo triste. Quando me viram esboçaram um sorriso, e as lágrimas afloraram os olhos da minha mãe.            - Estás linda minha princesinha! Quem me dera voltar a ver-te com esse vestido… - Porque se calara de repente? Se nada me acontecesse nem ao vestido eu teria muito gosto de o voltar a usar, pois gostara dele. Afinal era um vestido de sonho e eu sentia-me uma autêntica princesa nele. – E muitos parabéns Emily!            - Obrigado. Adorei o vestido. Parece de uma verdadeira princesa.            Os meus pais entreolharam-se. As suas expressões eram de um misto de alegria e tristeza, deixando-me intrigada com aquela reacção tão atípica. Após comer uma torrada saí para a escola, não demorando muito no caminho que eram uns simples quinhentos metros, mas eram os mais bonitos que eu conhecia pois atravessava um jardim que nesta altura do ano estava florido e mais parecia um arco-íris. Dirigi-me à entrada da escola e deparei-me com um rapaz que nunca tinha visto, o que era estranho, visto ser o último dia de aulas.            Ao chegar à sala de aula vi novamente o rapaz, que continuava no pátio a olhar pela janela. Ninguém parecia prestar-lhe atenção, pelo que achei possível ser irmão de algum dos meus colegas de turma.            - Bom dia meninos. Como sabem, hoje é o último dia de aulas e como de costume temos a entrega dos prémios. Contudo, este ano houve uma pequena alteração e serão vocês a elegerem quem querem que vença. Assim sendo, podem começar.            Não estava à espera que me incluíssem na decisão, por isso não me importei, e continuei a olhar pela janela para o rapaz desconhecido. Após a contagem dos votos, não foi espanto para ninguém os prémios que eu tinha ganho.            Continuava a olhar intrigada com o rapaz que estava no pátio, não dando sequer pela chamada para ir buscar as faixas correspondentes aos prémios. Quando todos os prémios haviam sido entregues a professora deu-nos ordem de saída, e por um momento no meu rosto rasgou-se um sorriso: isso queria dizer que ia ter o resto do dia só para mim! Como os meus pais só regressariam a casa a meio da tarde, decidi ir dar um passeio e como estava um belo dia determinei que ia ao lago.            Eu adorava ver os patos e os cisnes a nadar, porém às vezes reunia-me à conversa com algumas conhecidas que levavam os seus filhos pequenos para ali brincarem e com elas já aprendera a costurar e a bordar devido aos seus ensinamentos. Não contando com os meus pais, eram as únicas pessoas que, além de serem gentis comigo, conversavam sem me julgarem. Contudo, como não queria estar com elas, fui até à beira do lago e deitei-me na relva. Ainda não estava o calor insuportável da tarde, o que me permitia estar ao sol durante uns tempos. Ao olhar para o outro lado do lago vi o mesmo rapaz que estava no pátio da escola e, agora que observava melhor, ele parecia deslocado no meio das outras pessoas, como se o simples facto de estar em público o intimidasse. Trajava umas simples calças de ganga e uma t-shirt preta, tinha o cabelo preto e rebelde cortado curto, e os olhos, a única parte que eu tinha reparado m*l o vira, de um azul profundo. Olhei em volta para ver se descobria algum dos meus colegas, para saber se realmente era irmão de algum deles, mas não vi ninguém. O rapaz olhava para mim, ou pelo menos era o que parecia, e não desviava o olhar por nada. Quem era ele, e porque me encarava de tal maneira?            À hora de almoço, depois de comer umas sandes que havia levado comigo, peguei num livro, sentando-me à sombra de uma árvore e deixando-me levar pela imaginação. Ao levantar-me para voltar para casa vejo o rapaz a vir na minha direcção, pelo que decidi acelerar o passo. Se durante todo o dia o rapaz me observara, porque só agora decidira vir em meu encalço? Estava a chegar a casa quando vejo a minha mãe a acenar-me e sinto-me mais segura, afinal o rapaz ainda vinha atrás de mim.            - Estava a ver que hoje não aparecias Emily. O dia correu bem?            - Sim mãe. Como saí mais cedo fui ao lago, mas agora quando vinha embora aquele rapaz que vem além tem-me seguido.            - Ah, sim… - O tom da minha mãe não ostentava surpresa ao ver o desconhecido que tanto me intrigava. Seria apenas coincidência a minha mãe o conhecer por acaso? – Estávamos à tua espera Eliot. Ela já nos tinha avisado que virias hoje. – Mas que raio? Afinal quem era este?            Entrei em casa, seguida de Eliot e da minha mãe. Quando cheguei à sala, reparo no ar abatido do meu pai. Que se passava com eles hoje?            - Olá querida, e bem-vindo Eliot. – Suspirando, apontou para o sofá e continuou. - Por favor senta-te Emily.            - Temos de te contar uma coisa. – A voz da minha mãe soava nervosa tal como a do meu pai, como se tudo dependesse deste momento. Ainda fitava o rapaz chamado Eliot, mas forcei-me a prestar atenção nas palavras dos meus pais. – Peço que ouças até ao fim antes de fazeres juízos de valor Emily.            - Sei que vai ser difícil para ti ouvir o que vamos dizer, mas é necessário. – O meu pai suspirou e olhou-me nos olhos. – Nós amamos-te querida e sempre te vamos amar – a minha mãe deu-me a mão num acto carinhoso, - mas a verdade é que não somos os teus verdadeiros pais.            - Como assim? – O meu rosto demonstrava o abalo que o meu coração sentira.            - Nós fomos encarregues de tomar conta de ti pela tua mãe biológica. – As lágrimas apareciam nos meus olhos a cada nova palavra. – Existe uma razão pela qual ficaste connosco.            - Que razão? – A minha mãe limpava as gotas que me corriam pelas faces, enquanto pegava numa folha de papel e, lendo-a, continuava.            - Há dezasseis anos, nasceu uma menina muito amada por todos. Ela era a princesa de um reino distante, e muito esperada pelo seu povo, não só por vir a ser a próxima soberana do reino como também por a concretização de uma profecia. Esta ditava que a princesa herdeira da rainha Aurora e do rei Darin levaria a paz a todo o mundo, acabando assim com as trevas que cobriam o reino há mais de cem anos. Porém algo correu m*l no dia do seu nascimento: os gémeos Brook e Keith haviam recebido todo o poder do mago seu pai, sendo assim detentores de uma força sobrenatural que derrotaria a princesa sem esforço, contrariando a profecia. Tal como quaisquer pais, os reis entraram em pânico e, na ânsia de salvar a filha, acorreram a uma vidente, que os avisou que a única maneira de serenar a maldição lançada à princesa seria ela deter um poder equivalente. Então o rei sacrificou-se em prole da sua única filha e do seu amado reino. Aurora chorou copiosamente a morte do marido enquanto concluía as instruções da vidente: só quando fizesse dezasseis anos a princesa deveria tomar conhecimento da história da sua vida. A princesa deveria ser educada longe do seu reino, sem possuir qualquer informação sobre a sua verdadeira identidade, e protegida pela magia do pai. Antes de dizeres que todas estas palavras se encontram no teu livro preferido, ouve as restantes, que desde há muitos anos se encontram no coração da verdadeira rainha Aurora. – A minha mãe abriu um objecto parecido com uma caixa de música, em forma de concha, que começou a emitir um discurso muito emocionado.            - Há dezasseis anos, fruto de um grande amor, nasceu uma princesinha abençoada e ao mesmo tempo amaldiçoada pelo destino. Ela era a minha filha desejada. Depois da maldição se a****r sobre a nossa família, os esforços para a contrariar foram inúmeros, porém fracassados. O rei Darin, meu marido, tornou o seu sacrifício o único meio de, pelo menos, enfraquecer o poder do inimigo, face à guerra que se travava, durante alguns anos. Estava devastada com a sua morte, mas a minha filha e o meu povo precisavam de mim. Tinha de afastar a minha princesa de Cyon o mais rápido possível, para que não conseguissem localizá-la, pois o meu poder não chegaria para proteger todo o reino e a minha menina, que precisaria de cuidados durante alguns anos. Sendo assim, a única esperança que me restava era enviá-la para uma outra dimensão com pessoas da minha confiança, para que crescesse livre do perigo eminente que se vivia no reino, e tivesse uma infância normal. Desde essa altura vivo apartada do meu falecido marido Darin e da nossa filha Emily.            À mente vinham as palavras escritas no livro que acabara de ler esta manhã: “A rainha Aurora chorara dia e noite a separação da sua única filha, e o sacrifício do marido. A única certeza que possuía era que a sua pequenina estava em segurança e era essa certeza que a fazia continuar a viver.” Incrédula, e ainda sem perceber se o que diziam era verdade, vinham-me várias perguntas ao pensamento. Mas afinal quem era eu? Sempre fora apenas a Emily. E os meus pais? Porque nunca me tinham contado que eu não era filha deles?            - Este rapaz que acusas-te de te estar a perseguir é Eliot, um dos guerreiros encarregues da tua protecção a partir de agora. Foi determinado que quando completasses dezasseis anos deverias voltar ao castelo para que possas aprender como proceder como princesa e como guerreira. – As lágrimas escorriam nos rostos dos meus pais e pareciam nunca mais terminarem. - Vamos ter imensas saudades tuas, minha querida Emily. Podemos não ser teus pais, mas criámos-te como tal e amamos-te como se fosses nossa filha. – Não consegui conter as lágrimas quando os meus pais me abraçaram. Eu conhecia-os demasiado bem para saber que não estavam a brincar. Quando me soltaram, os seus olhos continuavam a brilhar de emoção.            Não aguentei o choque daquelas revelações. Sem saber o que fazer, corri para a porta e saí de casa. Na ânsia de ficar sozinha não percebi que Eliot me seguira e só o vi quando parei de correr ao chegar novamente ao lago. As luzes acendiam-se, permitindo vislumbrar os patos que ainda nadavam alegremente, informando-me que passara mais tempo do que me dera conta. A tarde solarenga que eu considerava ter sido uma das melhores dos últimos meses parecia-me agora longínqua, perante as lágrimas que me escorriam pelas faces enquanto me deixava cair no relvado. Tudo o que eu pensava ser verdadeiro tinha sido mentira: os meus pais, o muito que falavam sobre o meu futuro e o que eu queria ser, e até quem eu era! Quando recuperei as forças deparei-me com Eliot a apenas uns metros de distância.            - Vai-te embora! Quero estar sozinha! – Mas quem era ele para me perseguir? Se sabia de tudo também compreendia que eu precisava de assimilar o que me tinha sido contado. – Não ouviste?            - Sinto muito princesa, mas não poderei obedecer a tais ordens. A partir deste momento deverei protegê-la até ao seu regresso a Cyon. Se quiser dispensar os meus serviços após o regresso não a constatarei, mas até lá estou sobre as ordens da rainha sua mãe no que toca à sua protecção.            - Não me chames princesa! Sou a Emily e nada mais. Eu não quero ser princesa, não quero nada, só quero a minha vida normal! E proteger-me de quê? Afinal não estou segura aqui?            - Aquela em que vive sem amigos e sempre posta de lado por todos? Isso não é vida princ… Emily. Estive a observá-la durante todo o dia e não me pareceu assim tão feliz. Por agora está segura, mas a sua magia tem despertado aos poucos, não é verdade? – Ao ver que eu não entendia o que dizia acrescentou: - Os sonhos que tem tido, não são apenas fantasias da sua mente, são premonições.            - Como sabes dos sonhos que tenho tido?            - Os seus pais adoptivos sempre estiveram em contacto com Cyon e quando lhes contou o sonho a rainha foi avisada. – Vendo que eu não me conseguia pronunciar, prosseguiu. - Eu sei que vai ser difícil separar-se da sua família adoptiva, mas não acha que a sua verdadeira mãe também deve ter o prazer de a conhecer? A rainha sofreu muito com a privação de a ver crescer e está muito nervosa com a reunião entre vós, pois não sabe a sua reacção Emily. Por muito normal que a sua reacção seja má, veja que a sua mãe não tem culpa do que aconteceu, e só a tentou proteger durante todos estes anos que estiveram apartadas.            - Se estou segura aqui, porque tenho de voltar? – Por muito que quisesse reprimir os soluços não o conseguia. Se o livro era verdadeiro Eliot tinha razão, a rainha não tinha culpa e a sua coragem de se separar de mim fora enorme, mas por que razão teria eu de voltar para onde tinha nascido se me encontrava em segurança onde estava? – Não podiam enviar alguém para me ensinar a dominar a magia e deixar-me em paz? E se os meus pais são habitantes de Cyon porque não vão comigo? E por favor trata-me por tu, faz-me sentir mais normal, como se tudo o que acabei de saber não passasse de um pesadelo.            - Está bem… Tens de voltar por várias razões: o direito ao trono é teu, pelo que deverás ocupá-lo dentro de alguns anos, mais propriamente no dia do teu vigésimo aniversário, que é o dia em que o reino recebe o seu novo soberano, e terás de ter preparação para isso, assim como também deverás ter treino para te tornares guerreira para enfrentares os gémeos malditos, que seguiram a obra do seu pai e continuam a assombrar Cyon. Em r*****o aos teus pais adoptivos, a escolha de ficar nesta dimensão foi deles. Habituaram-se às suas rotinas diárias e pensam que será mais fácil para todos.            - Guerreira? Só podes estar a brincar! Ser princesa já é o bastante para tornar a minha vida um inferno, mas guerreira? Eu praticamente não tenho músculos, quanto mais estrutura de guerreira! Já olhas-te bem para mim? Magra como sou, se empunhar uma espada estatelo-me no chão no momento.            - Referia-me a magia. Todos em Cyon possuem magia no sangue e é isso que terás de aprender a dominar. A tua guarda tratará do básico, que depois de concluído, será complementado com aulas avançadas pela própria rainha. Os conhecimentos que adquirires com a rainha não são conhecidos por todos. Normalmente só a família real e alguns guardiões do castelo têm esses conhecimentos.            - Aulas de magia e de como actuar como princesa… Cada vez soa mais estranho. – Ao ver que ele não continuava, continuei a tentar raciocinar. – Falas-te em guarda. Além de ti, terei mais gente à minha volta?            - Apenas me encarregarei da tua segurança até ao castelo, e sempre que precisares de sair de lá, se assim o desejares. No palácio, a tua segurança será feita por três das guerreiras da rainha, que são pouco mais velhas que tu: Jennifer, Laila e Holly. Serão elas a tua guarda e, muito possivelmente, amigas.            - Amigas… Se ainda não reparas-te toda a gente me ignora…            - Sim, mas não estamos a falar de gente inculta, que abomina a inteligência. Sinceramente os teus colegas são muito estúpidos por pôr uma linda rapariga de parte só por ser inteligente… - Parecia estar a ser sincero, mas neste momento nem o elogio me fez sorrir. Reparara agora que Eliot devia ser pouco mais velho que eu.            Olhei para o lago. A lua cheia já se erguia no céu estrelado e reflectia-se na água límpida. Deixei soltar um suspiro. Provavelmente não voltaria a ver esta imagem nunca mais. Eu nunca desejaria ser princesa: vestidos, jantares, regras de etiqueta e tudo o que já lera em livros e vira em filmes não me atraía. Eu gostava de ler, de passear e de ser livre. Pensar que ia ser fechada num castelo não me agradava de maneira nenhuma. Quando mencionei isso a Eliot, obtive algum contentamento.            - Não ficarás fechada no castelo. Terás aulas uma parte do dia, mas o tempo que tiveres livre é teu e de mais ninguém. Podes passear nos imensos jardins do palácio, e tens uma enorme biblioteca à tua disposição. Quanto aos vestidos, ninguém te vai obrigar a vesti-los. Claro que em ocasiões formais necessitas de o fazer, mas no resto do tempo podes andar como quiseres.            Acabara por me acalmar. Nem tudo estava perdido, pelo menos na teoria. Eu sabia bem que na realidade não seria tão fácil assim.            - Ainda existe outro assunto a que fui aconselhado não contar, mas tens todo o direito de tomar conhecimento. Peço que não te exaltes comigo pois não tenho poder nenhum sobre o tema e só vou mencioná-lo para que vejas que podes contar comigo para te ajudar.            - Não tenho mesmo como ficar aqui, então mais vale que me contes tudo o que eu deverei saber quando chegarmos lá. – A minha dúvida de onde ficava Cyon neste momento não fazia sentido. Com tanta coisa a acontecer, saber a sua localização ou não perdia qualquer importância. – Qual é a próxima coisa que me vai querer fazer fugir do meu destino?            - Há ainda mais uma razão para teres de regressar – o seu tom era claro: eu não ia gostar de ouvir o que ele tinha para dizer. – Existem algumas tradições na família real. Uma delas declara que o sucessor deverá casar antes de ser coroado…            - Casar? Como assim casar? Se bem me lembro disseste que tenho de subir ao trono em quatro anos. Eu não posso casar já, sou muito nova!            - … e a outra que quando nasce um novo sucessor, a sua mão deve ser prometida a alguém imediatamente.
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