Episódio 8

1126 Palavras
A agitação animada parece se dissolver num zumbido distante enquanto luto para recuperar o equilíbrio. Lilly me olha com olhos preocupados, e alguns clientes sussurram entre si, tentando entender o que está acontecendo. As minhas mãos tremem sabendo que o meu passado sombrio invadiu a minha nova vida em Denton. É Richard, eu sei. É um dos jogos dele. Ele já sabe onde estou. Nesse momento, a padaria deixa de ser meu refúgio e passa a ser um palco onde ressuscitam os fantasmas supostamente extintos que tentei deixar para trás. — Você está bem, Olívia? Você parece muito pálida. Lilly me diz com preocupação. — Sim, sim, estou bem. É apenas uma tontura repentina, nada importante. Respondo, forçando um sorriso. — Tem certeza? Você não parece nada bem. Intervém uma cliente, uma mãe que segura o filho pela mão. Coloco as mãos nas têmporas e conto a partir do número mil de trás para frente, por dezenas. Mil. Novecentos e noventa. Novecentos e oitenta. Novecentos e setenta… É uma técnica que às vezes me ajuda a me acalmar. Leio a mensagem novamente e olho para o remetente. O suposto cliente Ele se auto denomina Sr. R., exatamente como eu suspeitava. Tiro o avental e saio correndo do lugar. Todo mundo olha para mim com rosto perplexo. Eu não me importo, só quero ficar segura. Em casa desligo o telefone e não ligo a tarde toda ou durante a noite. Como o infeliz Richard me encontrou? Não quero dormir esta noite. Eu não posso. As sombras perseguem o meu pequeno refúgio, e a escuridão se torna um cúmplice silencioso dos meus medos mais sombrios. Mesmo com todas as luzes acesas, a casa parece um cenário macabro onde dem*ônios encontram o seu esconderijo perfeito. Da minha cama, cada som, cada rangido, aumenta a minha paranóia. Sinto cada carro que passa na rua como uma ameaça que me persegue na escuridão lá fora. A vulnerabilidade me rodeia como uma melodia sinistra, mantendo-me alerta, com os meus sentidos aguçados pelo pavor. De repente, um barulho estranho, uma espécie de choro de criança, vindo da minha sala irrompe na quietude da noite, seguido pelo estrondo de um objeto quebrando no chão, talvez o meu vaso de cerâmica. Olho para a porta do meu quarto. É uma parede frágil e inútil. Eu olho para o janela, talvez eu pudesse sair por ela. Embora uma vez lá fora, para onde eu iria? Quanto mais posso fugir se já fugi o mais longe possível? Eu decido enfrentar isso. Se for Richard, quero olhar na cara dele e cuspir nele sobre como ele é desprezível e como ele me torna nojento. Quero deixar claro para ele que prefiro morrer a voltar para ele, que prefiro ser comido por vermes do que por seus beijos e os seus… Me encho de determinação, mas quando saio para o quarto as minhas pernas enfraquecem. Sinto que as palavras não saem da minha boca. A sala, embora pequena e iluminada, estende-se diante de mim como um palco sombrio, onde as sombras dos galhos das árvores lá fora dançam na periferia da minha visão. A adrenalina se mistura com a inquietação à medida que avanço, preparado para um confronto de qualquer natureza. Se isso ia acontecer, era melhor que acontecesse agora para acabar com esse pesadelo de uma vez por todas. Respiro fundo para estabilizar a minha frequência cardíaca. Elas descem, mas apenas um pouco. — Onde você está, idi*ota? Grito para nada, para ninguém. Porque não tem ninguém aqui. A quietude da sala é quebrada com um som quase inaudível, e a minha atenção é atraída para movimentos rápidos. Ali, entre a janela e o sofá, diviso uma figura minúscula. É um gato preto de olhos verdes que me observa com curiosidade. As suas pupilas brilham com intensidade enigmática, refletindo a luz da lâmpada como duas preciosas esmeraldas. O seu pelo denso e brilhante parece uma sombra enquanto ele desliza agilmente por um canto da sala. Os seus olhos, fixos nos meus, parecem me perguntar o que estou fazendo ali, quando ele ou ela é o intruso. Ele é um intruso encantador, no entanto. — Então foi você, um gatinho. Digo ao animal quando consigo identificar que se trata de um gato macho. Aproximo-me com cautela e ele parece retribuir o gesto. Levanto o pequeno felino, sentindo o seu peso reconfortante nos meus braços. Apesar da sua aparência selvagem, o seu pelo preto como a noite é macio sob os meus dedos. Os seus olhos verdes exalam um mistério que me cativa enquanto o acaricio. Ele usa uma coleira de couro marrom, mas não tem detalhes de contato. Não parece ser um gato de rua, mas está definitivamente perdido. — Como você entrou? Pergunto num sussurro, esperando por uma resposta que sei que não virá. O animal simplesmente balança o ra*bo. Continuo segurando-o, sentindo o seu ronronar me acalmar. A minha frequência cardíaca cai para um ritmo normal. A sala está repleta de uma aura mágica enquanto seguro o felino. Examino as janelas e a única porta de entrada da minha casa, mas não há nada aberto por onde o gato pudesse ter entrado. Talvez ele tenha entrado mais cedo devido a um descuido da minha parte quando entrei ou sai de casa. Eu o levo para o meu quarto, ele deita pacificamente na minha cama. Apesar do incidente com Richard, o animalzinho me deixa tranquila, pelo menos por um momento. A minha paz desmorona como um castelo de cartas quando às onze e onze da noite o meu telefone toca. É um número desconhecido. O código é de outro país, mas sei que é Richard. Coloco o travesseiro no rosto e sobre ele dou um grito que, embora abafado, faz o gatinho estremecer. Lágrimas de raiva enchem os meus olhos. Antes de desligar o telefone recebo uma mensagem de outro número desconhecido que simplesmente diz: Te encontrei. Tenho vontade de jogar o meu telefone no vaso sanitário, mas não adianta, então simplesmente desligo. Depois de cerca de uma hora adormeço ao lado do gatinho. Quando acordo, o animalzinho ainda está aos meus pés. Ele boceja, abrindo a mandíbula ao máximo. À luz do dia, a sua pelagem brilhante revela nuances, como se fossem diferentes variedades da cor preta. Ligo o meu telefone e recebo dezenas de mensagens de Lilly, primeiro reclamando da minha saída repentina da padaria no dia anterior e outras mensagens onde ela parece preocupada. Quando estou fazendo um café na máquina de café expresso, o meu telefone toca com uma nova mensagem. Desta vez é de um número local pertencente ao estado, número que também não tenho cadastrado nos meus contatos. Bom dia, ruiva. Você gostou do Theo? Isso é tudo que o texto diz.
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