05 - Terror

1143 Palavras
Terror Narrando Assumir o trono do Chapadão não foi sobre baile, fogos ou festa. Antes de qualquer brinde, de qualquer celebração, eu fui direto pro sistema. Tinha que ver o que meu pai deixou pra trás. Muita pasta arquivada, papelada acumulada, e o velho gostava de esconder coisa. Mesmo admirando ele como patrão, como comando, eu sabia quem ele era. O Leleco era pïca, comandava com pulso firme, todo mundo respeitava. Dentro de casa, era pai e marido. Mas fora era puteïro. Nunca respeitou minha mãe como merecia. Fazia de conta que era casado só quando tava no portão de casa pra dentro. Comecei a vasculhar as pastas uma por uma, tudo classificado certinho. Transporte, armamento, lavagens, segurança, morador. Aí achei uma escrita em caneta vermelha: Marmitas. Só pelo nome já me deu o estalo. Abri. E era isso mesmo. Cinco nomes. Cinco vadïas que ele bancava. Casa, carro, cartão, até silicone. Tudo pago com o dinheiro do comando. No topo da lista, ela: Elís. — Nunca fui com a cara daquela pïranha — falei alto, sozinho na sala, lendo os extratos. Tinha recibo de clínica estética, aluguel de cobertura em Paris, transferência pra conta dela. Tudo batendo. O velho tava desviando grana do Chapadão pra bancar amante. E não era pouca coisa não. Era grana preta. — Agora sim, agora é minha vez. Chegou a hora de vingar minha mãe. A raiva queimava por dentro, mas meu rosto continuava gelado. Sem expressão. O sangue já era frio, mas ali ferveu por dentro. A decisão foi rápida, lógica. — Tudo que foi gasto, eu quero de volta. Quem tiver dinheiro, paga. Quem não tiver, paga com a vida. Peguei o rádio. — Bradock, Bubu, comparece aqui na laje. Agora. Demorou menos de dois minutos pros dois aparecerem. — Tem uma missão. Quero a Elís. Aquela vadïa. Era amante do meu pai, ele bancava ela com grana nossa. Vê se ela ainda tá na casa lá da Grota. Se tiver, traz viva. Se não tiver, descobre pra onde correu. — Pode deixar, Terror — disse o Bubu já pegando o rádio pra acionar os vapor. — Se essa pïranha fugiu, eu quero saber até o nome da vizinha que levou o cachorro dela pra passear. Os dois sumiram no beco. O morro ferveu naquele dia. Todo mundo cochichando, os vapor já sabiam que o novo patrão não tinha coração. A noite caiu e nada. Já tava ficando impaciente quando Bradock voltou, suado, cara fechada. — Rodamos o morro todo, irmão. Nem sombra dela. Barraco vazio. Roupa, móvel, tudo ainda lá, até o carro, mas ela vazou. — Quando? — Um vapor falou que viu ela descendo o morro logo cedo, com uma mochila. Só isso. — Ela fugiu — falei baixo, cerrando o punho. — A vadïa fugiu. Silêncio. Fiquei olhando pro alto do morro, vendo o breu tomando conta. — Ela pode se esconder no inferno, mas eu vou atrás. E ela vai me pagar. Por bem ou por mäl. Bradock me olhou de canto. — Vai querer botar na lista? — Já tá. Nome dela tá no topo. Quero cada centavo de volta. Quero casa, carro, cartão, tudo cancelado. E se ela vendeu alguma coisa, vai me devolver com a vida. A partir dali, ninguém mais dormiu no morro. Quando o Terror fala, geral escuta. A guerra tava só começando e eu não tinha tempo pra luto. O velho morreu. Eu enterrei com ele o pouco de respeito que restava. Agora é comando puro. Sangue no olho e dedo no gatilho. A vadïa sumiu. Escorregou igual rato. Só que ninguém some pra sempre. Principalmente quando tem rastro. E eu fui atrás de cada pegada que a Elis deixou. Comecei puxando dados. Contato, CPF, tudo. Conversei com dois contatinhos da polícia da Zona Oeste, uns cara que gostam de fofoca e dívida antiga. E aí veio o ouro: a Elis tem uma filha. Moleca de uns dezessete anos, morando com a avó na Baixada Fluminense, em São João de Meriti. Quando passou a fita de que a Elís tinha fugido, mandei meus homens irem atrás da filhinha dela. Quero ver se ela não vai dar as cara de novo. A vadïa achou que ia me enganar. Sumiu do morro, largou tudo e foi se esconder. Mas deixou raiz. Deixou sangue. E sangue se cobra com sangue. Já tô com tudo na mão: endereço da casa da velha, rotina da menina, os horários certinho da escola, até o caminho que ela faz com a mochila nas costas. Me passaram até o nome da diretora do colégio, de tão completo que tá o dossiê. Era só escolher o momento. Chamei o Bubu e mais dois vapor de confiança. Gente que já sabe como funciona o meu jogo. Sentaram comigo na laje e eu fui direto: — Ó, tem uma missão. E é sem erro. Quero essa menina aqui comigo até amanhã. Inteira. Sem arranhão. Nada de grosseria, nada de desespero. Só traz. Entendido? — Fechado, Terror. — Bubu respondeu sem pestanejar. — Já tamo ligado no movimento. Tem que abordar na volta da escola ou na porta de casa? — Melhor na rua. Mais fácil da velha não ver. E se ela gritar, dá um susto, mas sem levantar poeira demais. Nada de chamar atenção. Os dois vapor só assentiram com a cabeça, olharam pro Bubu, que já tava com a moto separada. — A gente sai logo cedo. Amanhã essa garota já tá na tua frente. Assenti com a cabeça, calmo. Frio. Meu coração não bate mais forte nem quando tô mandando sequestrar criança. Isso aqui é negócio. É guerra. E quem peita o comando tem que pagar. A Elis achou que era esperta. Achou que podia se esconder. Agora quero ver se ela não aparece quando a filha dela tiver sentada na minha frente, assustada, perguntando pela mãe. Fiquei na laje, olhando o céu fechar. Nuvem pesada, vento frio vindo da serra. O clima ideal pra desgraça acontecer. Peguei o rádio. — Bradock, fica de plantão. Se essa vadïa aparecer, quero saber antes dela respirar. — Pode deixar. Os vapor já tão avisados. — Ótimo. A partir de agora, ninguém dorme. Fiquei pensando como minha mãe ia se sentir vendo isso tudo. Talvez com medo. Talvez com raiva. Mas no fundo, no fundo, ela ia entender. Eu tô limpando o nome dela. O velho sujou a honra da minha coroa, e agora sou eu que tô lavando na bala. Essa menina não tem culpa? Talvez não. Mas azar. Filho de vadïa também paga. Não é pessoal, é código. Eu não deixo rastro e não deixo dívida. E essa conta ainda tá aberta. Agora é esperar. Quando a garota chegar, eu vou mandar foto. Vamos ver se a Elis continua fingindo que não tem passado. Se não aparecer por bem, vai vir por mäl.
Leitura gratuita para novos usuários
Digitalize para baixar o aplicativo
Facebookexpand_more
  • author-avatar
    Escritor
  • chap_listÍndice
  • likeADICIONAR