📖 Capítulo 13 – Escolhas e Promessas

1072 Palavras
📖 Capítulo 13 – Escolhas e Promessas Narrado por Olivia Meu peito ainda doía com o peso de tudo que tinha acontecido. Cada lembrança da violência, do medo e das noites intermináveis na favela ainda queimava dentro de mim, como brasas que não se apagavam. Mas, pela primeira vez em muito tempo, eu respirava sem medo. Depois da ligação de Kael, algo em mim parecia se acalmar, como se o mundo finalmente estivesse me dando a chance de recomeçar, de escolher quem eu queria ser, de criar minha própria história. Foi por isso que eu decidi. Decidi que não queria mais viver naquele lugar — não queria carregar o cheiro das paredes que me viram chorar, que guardavam cada grito silencioso, cada noite de prantos escondida no escuro. Queria liberdade. Queria sentir o ar puro no rosto, a brisa da cidade que não conhece os mesmos gritos, o cheiro do mar, a sensação de poder ser eu mesma, sem medo constante. Queria o Rio. Queria a vida que senti naquela laje, com a música no ar, com o olhar firme e protetor de Kael cravado em mim, lembrando-me de que alguém se importava, de que eu não estava mais sozinha. Mas o medo, aquele velho conhecido, apareceu junto. Ele sempre voltava, mesmo quando eu mais tentava ignorá-lo, lembrando-me de tudo que poderia dar errado. — E se eu for e não tiver onde ficar? — falei para Júlia, numa chamada de vídeo, a voz tremendo de insegurança. — Eu não tenho emprego, não tenho grana... só tenho essa vontade louca de recomeçar. Júlia sorriu, com uma ternura que quase doía, como se pudesse ver através da minha insegurança e me lembrar da força que eu não via em mim mesma. — Livi, isso já é mais do que muita gente tem. Você tem coragem. O resto a gente ajeita. — Ela falou com firmeza, mas também com suavidade, como se estivesse me segurando pela mão mesmo estando a quilômetros de distância. Ficamos alguns minutos em silêncio, apenas sentindo a presença uma da outra pela tela. Era um conforto silencioso, um ancorar de alma que eu precisava antes de dar o próximo passo. Mais tarde, recebi a ligação de Kael. O rosto dele apareceu na tela, iluminado pela luz azul do celular, os olhos penetrantes que sempre me deixavam vulnerável e, ao mesmo tempo, segura. Meu coração pulou. — Então... vai mesmo fugir pra cá? — ele perguntou, com um sorriso que misturava brincadeira e desafio, aquele tipo de sorriso que me fazia sentir que tudo seria possível. — Não é fuga — respondi, tentando parecer segura. — É escolha. Eu escolhi viver. Só não sei ainda por onde começar. Ele ficou em silêncio por alguns segundos, olhando fixo para mim, como se pudesse ler cada dúvida, cada medo, cada fragmento do meu coração. — A casa da minha vó tá vazia. Tô reformando devagar, mas é um lugar seguro. Se quiser, é seu. — A oferta mexeu comigo profundamente. Não era só um teto; era um convite para recomeçar, para confiar, para me entregar a possibilidade de construir algo novo sem olhar para trás. — Kael... não sei se consigo aceitar isso assim, tão fácil — falei, a voz falhando, carregada de emoção e medo. Ele deu uma risada leve, aquela que sempre me acalmava, que parecia dissipar a tensão dentro de mim. — Olivia, você me deu uma razão pra acordar de novo. Não tô te oferecendo por pena. Quero você aqui, de verdade. — E, no fundo, eu soube que ele estava dizendo a verdade. Não era só proteção; era parceria, era confiança. Ficamos em silêncio, cada um sentindo o peso do momento. Era mais do que uma simples mudança de cidade; era a construção de um novo começo, de uma nova vida, onde não haveria espaço para o medo constante que marcara meus anos. — Quando eu te ver de novo? — sussurrei, quase sem ar, porque cada segundo longe dele parecia mais pesado que o mundo inteiro. — Amanhã. Me espera no mesmo lugar de sempre. — A promessa era simples, mas carregava o peso de tudo que havíamos passado. Antes de desligar, ele quebrou o silêncio com uma frase curta, mas carregada de significado: — Te espero pra viver. E ali, naquele instante, eu soube: eu ia. Eu ia porque finalmente podia, porque merecia, porque havia alguém disposto a lutar ao meu lado. Naquele mesmo dia, fui ao cemitério. O céu estava nublado, e o vento soprava gelado, como se o tempo também sentisse o peso da decisão que eu estava prestes a tomar. Levei flores simples, aquelas que a minha mãe gostava, não as mais caras ou vistosas, mas as que carregavam memória e amor. Ajoelhei-me diante da lápide, mãos trêmulas, coração pesado. — Mãe... eu tô indo. Tô indo porque não dá mais pra viver em pedaços. Sei que você me guiou até aqui, que me protegeu mesmo de longe. — As lágrimas escorreram silenciosas, cada uma lavando um pouco da dor acumulada, cada uma levando embora uma sombra do passado. — Eu vou ser feliz. Do meu jeito. Sem medo. Eu prometo. — Falei com o vento, desabafando tudo que estava guardado, tudo que precisava ser liberado. Por um instante, parecia que ela me ouvia, parecia que seu sorriso me encorajava a continuar. Na manhã seguinte, com a mala pesada e o coração leve, cheguei ao ponto de encontro. Kael já estava ali, encostado no carro, a postura firme, o olhar atento, pronto para qualquer situação, mas com um sorriso que me fez esquecer o mundo inteiro. Quando me viu, o sorriso se abriu de forma que me derreteu. Eu corri até ele, sem pensar em nada além de sentir a presença dele perto de mim. Sem dizer uma palavra, ele me puxou pela cintura, e enfim, nossos lábios se encontraram. Foi um beijo cheio de silêncio, de promessas, de medo e coragem misturados. Um beijo que falava tudo que ainda não sabíamos como viver, mas queríamos tentar. No instante em que nossos corpos se tocaram, percebi que aquela visita tinha se transformado em lar. Que aquela escolha, por mais assustadora que fosse, era o início de algo verdadeiro. E, pela primeira vez, senti que o mundo poderia ser diferente. Que minha vida poderia ser mais do que sobrevivência, mais do que medo. Que, finalmente, eu poderia viver — e que não estaria sozinha.
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