Alice Freitas
Nunca havia ido para tão longe dos meus pais. Nos meus quinze anos todas as viagens foram feitas em família, nós nunca nos incomodamos com essa vaidade de estar longe um do outro.
As minhas malas estavam todas prontas em cima da minha cama de casal. Cada vez que olhava em volta, lágrimas apareciam e faziam—me parecer à menina mais sensível do mundo e talvez eu fosse.
Por mais que não fosse estar sozinha no colégio, sabia que em algum momento precisaria dos meus pais comigo. Mamãe principalmente, ela me salvava de todas as minhas confusões.
— Quer ajuda? — Mamãe estava com os olhos vermelhos e inchados, como era cedo, provavelmente não teria dormido direito durante à noite.
— Sim. — Ela precisava daquele momento mãe e filha, estava ciente disso.
— Está preparada? — Perguntou procurando um assunto que pudéssemos conversar.
— Não consigo imaginar como as coisas irão ser. — Confessei amedrontada.
— É um lugar maravilhoso. — Contou. — Garanto que irá fazer diversos amigos.
A manhã passou tranquila, muitas conversas sobre como seria o meu comportamento no colégio, o que deveria ou não fazer... Entre muitos outros assuntos que fizeram questão de conversar comigo.... Ou seja, meninos.
— Não quero que você fique com qualquer garoto que aparecer. — Papai pediu, mas soou mais como um aviso.
— Lembre—se, seu principal objetivo é estudar e conseguir boas notas. — Mamãe sabia do que estava falando, mesmo porque era uma das melhores alunas da sua classe.
— Seprecisar de alguma coisa e não puder ligar, converse com Enzo, ele saberá o que fazer. — Papai confiava no filho do seu melhor amigo.
— Não aceite nada de estranhos. — Acabei sorrindo com a frase que me diziam desde que era pequena.
O horário do voo estava marcado para as 14h. Mamãe e papai iriam me levar ao aeroporto, onde encontraria Enzo junto de seus pais.
Meus olhos estavam marejados assim como os dos meus pais, o que me deixava ainda mais tristonha e já com saudade de casa. Posso dizer que foi h******l fazer a despedida. Nós nos abraçamos como se fossemos um grupo, os seis unidos.
— Você irá gostar. — Enzo falou, sentando—se ao meu lado na poltrona.
— Sei que sim. — Concordei. — Apenas sentirei saudade.
— Foi assim para eles também. — Confirmou. — Lembra a história da sua mãe?
A história da minha mãe era diferente da minha. Não consigo imaginá—la sendo uma menina má e rebelde. Quando soube que iria estudar em um colégio interno se revoltou, de jeito nenhum ela gostaria de viver isolada. Mas com o tempo se acostumou com a ideia e acabou se apaixonando pelo meu pai e já estão 19 anos juntos.
— Será que tudo está como 20 anos atrás? — Perguntou, talvez recordando as histórias que nossos pais haviam contado.
— Imagino que não. — Discordei.
— Será que terá bastantes meninas? — Realmente não estava interessada em saber se iria ter ou não as meninas no colégio.
— Me poupe de seus comentários. — Aposto que ele conseguiu ver meus olhos revirados, pois soltou aquela expressão de sempre.
Como mamãe havia nos contado, quando ela foi pela primeira vez ao colégio, um motorista com uniforme e um símbolo da escola estampado em seu peito, esperava com o porta malas e as portas abertas. Em sua mão havia uma plaquinha com os nossos nomes. Por sorte, ele solicitou que chegaríamos juntos e que pudéssemos dividir o mesmo carro.
Enzo o ajudou a colocar as malas no carro, mesmo o senhor falando que não era necessário já que trabalhava com isso há muito tempo. Admirei—me ao adentrarmos aqueles portões enormes com cores escuras em um tom de marrom. O lugar era antigo, bastante parecido com o que mamãe havia contado, mas dessa vez as cores estavam realçadas, nenhuma parede descascava, chamando ainda mais a atenção.
Como mostrava o mural enorme que ficava ao lado da recepção, havia 400 quartos, cada um para dois alunos. Algumas normas haviam sido alteradas, inclusive na concepção de amizade entre meninos e meninas.
Ou seja, os dormitórios foram dividimos da maneira seguinte: um quarto de meninas, outro para meninos e assim respectivamente. Seria ótimo se Enzo ficasse perto, assim sempre que precisasse não precisaria ir longe para procurá—lo.
— Qual é o número do seu quarto? — Perguntei ao Enzo que vasculhava sua mochila atrás de alguma coisa.
— Espere só um momento. — Pediu, tirando de lá um pequeno papel com os números 210, respondendo a minha pergunta.
— Pelo menos iremos dormir no mesmo corredor. — Comentei, mostrando o meu papel que continha os seguintes números: 205.
Andamos em meio à confusão que estava àqueles corredores, até que me deparei com uma ruiva tentando abrir o quarto 205, provavelmente minha colega de quarto. Como Enzo já havia sumido resolvi me aproximar para ajudá—la.
— Espera. — Falei do nada, em seguida segurei sua bolsa que a impedia de abrir a porta.
— Obrigada. — Agradeceu esboçando um sorriso. — Qual o seu nome?
— Me chamo Alice e você? — Perguntei, colocando as minhas malas para dentro do quarto.
— Milena. — Esticou a mão em minha direção para que eu apertasse, porém me surpreendeu puxando—me para um abraço.
— Seu cabelo não tem nada a ver com o seu nome. — Comentei, buscando por um assunto enquanto arrumávamos nossas coisas.
— Estava farta do meu cabelo castanho sem graça. — Fez uma careta adorável.
De algum modo sabia que iria gostar de conviver esses três anos com Milena. Gostava da sua maneira de viver, após ter me contado diversas histórias de como era uma luta conviver com sua nova madrasta ou encarar o drama que sua mãe fazia sempre que ela precisava passar um tempo com seu pai.
— Gostaria que eles nunca tivessem se divorciado. — Comentou atenciosa. — Mas talvez tenha sido melhor assim. — Parecia estar satisfeita.
— Você é de que cidade mesmo? — Perguntei, tentando descontrair o clima tenso que ficou no ar.
— São Paulo. — Respondeu.
— Meu pai era de lá. — Lembrei. — Mas moramos no Rio de Janeiro desde que nasci e antes mesmo quando resolveram casar.
— Você conhece alguém por aqui? — Perguntou—me, parecendo procurar alguém pelos corredores.
— Meu melhor amigo Enzo encontra—se no fim do corredor. — Apontei para o mesmo que estava ao lado da sua porta conversando com alguns garotos.
— São só amigos? — Perguntou com um olhar malicioso.
— São quinze anos de pura amizade. — Expliquei.
— No seu caso não sei se me aguentaria com um menino desses ao meu lado. — Fez um gesto de estar com calor o que me fez cair na gargalhada.
— Ele nem é tudo isso. — Desconversei mesmo sabendo que tinha o melhor amigo mais lindo de todos.
Tínhamos um pequeno guia do colégio em mãos e resolvemos que iríamos vasculhar cada canto daquele lugar para nos situarmos melhor e encontrarmos tudo com uma maior facilidade. Esbarramos com vários meninos e posso afirmar que de fato há muitos bonitos.
No lado de fora em um campo enorme, alguns meninos se aventuravam com a bola de futebol, como sempre uma mania dos jovens brasileiros. Paramos um momento e prestamos atenção neles, por sinal, havia um garoto bastante bonito que parecia levar jeito para o jogo, mas cá entre nós, uma cara de mulherengo.
— Vou me divertir muito aqui. — Milena parecia entre todos os alunos a mais alegre por estar presa.
— Podemos ir até o refeitório? — Perguntei. Minha barriga estava fazendo barulhos bizarros e não estava afim de esperar mais pelo jantar que talvez nem fosse anunciado.