O Jogo Duplo de Lucas

979 Palavras
Lucas (18) estava sentado na poltrona, o livro de Direito Constitucional aberto no colo, mas seus olhos não viam as palavras. Ele só via a fúria de Daniel, as acusações veladas, e a frieza cortante de sua mãe. Ele não era um garoto. Ele sabia que a história do "conflito de interesses" era uma cortina de fumaça. Sua demissão foi forçada, e a reação de Daniel, Promotor que ele tanto admirava, ia muito além de um simples caso de fraude fiscal. — Eu sou o quê? O peão? — Ele sussurrou para o livro. Lucas sentia-se um estrangeiro na vida que pensava conhecer. Ele sempre acreditou em sua mãe, na sua força, mas a ameaça dela de cortar o contato se ele não se afastasse de Daniel era um golpe baixo e desesperado. Isso significava que o segredo era profundo. Ele decidiu. Não faria a Minha Escolha de nenhum dos dois. Faria a dele. Ele descobriria a verdade. Sua investigação começou de forma simples: o passado de Helena. Ele vasculhou as caixas de pertences antigos, aquelas que Helena guardava no fundo do closet, longe dos olhos de todos. Ele encontrou álbuns de fotos. Imagens de Helena jovem, sorrindo de forma despreocupada, vestida de forma simples, em cenários que não pareciam pertencer ao luxo da capital. A maioria das fotos era de quando ela tinha por volta de dezoito anos. Em muitas delas, havia um rosto recorrente. Um homem jovem, forte, de sorriso largo e olhos azuis. O mesmo formato de mandíbula, o mesmo olhar intenso. Lucas sentiu um frio percorrer sua espinha. O homem na foto tinha uma semelhança assustadora com Daniel Albuquerque. Ele comparou a foto antiga com a imagem profissional de Daniel na internet. Não podia ser coincidência. Daniel e Helena se conheciam de uma forma muito mais íntima do que um "relacionamento profissional no passado". Naquela tarde, Lucas foi ao Fórum, ignorando a ordem da mãe. Ele não foi procurar Daniel, mas sim a pessoa que sabia tudo sobre o Promotor. Encontrou Viviane na cafeteria do Fórum, olhando criticamente um processo. — Doutora Viviane? — Ele se aproximou, hesitante. Viviane o olhou e sorriu, um sorriso que era calculado, mas eficiente. Ela viu a oportunidade de obter informações sobre Helena. — Lucas. Você por aqui? Pensei que estivesse aproveitando suas novas "propostas". — Eu vim... devolver um livro que peguei emprestado de Daniel. E eu queria pedir um conselho. — Lucas hesitou, mas a necessidade de respostas era mais forte que o orgulho. — Sobre a demissão? — Sobre a Doutora Monteiro. — Ele baixou a voz. — A senhora conhece bem o Promotor Albuquerque. E pelo que vi no tribunal, a senhora também conhece as táticas de Helena. Por que tanta briga? Viviane se inclinou na mesa, a satisfação interna quase palpável. Daniel havia proibido Lucas de voltar, mas ali estava ele, buscando uma aliada. Perfeito. — Sente-se, Lucas. Eu e Daniel somos parceiros há anos. Eu sei que ele está com a cabeça quente. Ela continuou, tecendo a teia: — Helena Monteiro o abandonou. Não sei os detalhes, mas foi há muito tempo, e ele nunca superou a traição. Quando ela voltou, ela usou a PHOENIX para atacá-lo, e usou você para espioná-lo. Você é o alvo pessoal dela, Lucas, não o profissional. Lucas sentiu a pontada da confirmação, mas não da forma que Viviane esperava. Daniel não estava com raiva porque ele era um espião, mas porque ele era o lembrete de um passado. — E por que a senhora a odeia tanto? — Lucas perguntou diretamente. Viviane não se abalou. — Eu não a odeio. Eu a respeito como advogada, mas não respeito quem usa a vida das pessoas para ganhar um jogo. E Daniel merece paz. Ela deu um sorriso cúmplice. — Você me parece um bom rapaz, Lucas. Você é muito parecido com Daniel, na verdade. Se você está preocupado com o passado, talvez devesse olhar a fundo na vida da sua mãe. Às vezes, as pessoas mais fortes são as que mais escondem. Lucas saiu da cafeteria com a cabeça latejando. Viviane confirmou o abandono, confirmou a traição. E confirmou que ele se parecia com Daniel. No mesmo momento, Daniel estava em sua sala, o relatório de Viviane sobre as manobras da PHOENIX em mãos. Ele estava prestes a enviar um mandado judicial à empresa, quando Viviane entrou. — Encontrei Lucas. — Ela disse, com um tom neutro. Daniel largou o papel. — Ele não está mais estagiando aqui. Eu não quero que você se envolva com ele, Viviane. — Calma. Ele veio atrás de mim. Ele está confuso, Daniel. Ele sente que a Doutora Monteiro o traiu. Ele me perguntou por que você e ela se odeiam tanto. Daniel cerrou os dentes. — E o que você disse? — Eu disse a verdade. Que ela te abandonou, que a briga é pessoal. E eu disse que ele se parece muito com você. Daniel congelou. Ele se virou lentamente. — Você o quê? — Acalme-se. É um elogio. Ele tem seu jeito analítico. Mas ele está buscando respostas. Ele vai cavar o passado. Isso pode ser útil para nós, Daniel. Se ele encontrar o ponto fraco dela, ele o fará por conta própria, por decepção. Viviane se aproximou, os olhos fixos nos dele. — Lembre-se, Daniel, ele é um agente livre agora. E ele está magoado com a mãe. Daniel sentiu um calafrio. Ele odiava a ideia de Lucas investigando, mas a perspectiva de descobrir o segredo da fuga de Helena, de descobrir por que ela o trocou por aquele garoto, era tentadora demais. Ele tomou sua decisão. — Mantenha contato com Lucas. Mas seja sutil. Eu quero saber o que ele descobre. Viviane sorriu. O jogo estava em andamento. Lucas seria a ferramenta perfeita para destruir a mãe, e de quebra, afastar Daniel de qualquer possibilidade de reconciliação.
Leitura gratuita para novos usuários
Digitalize para baixar o aplicativo
Facebookexpand_more
  • author-avatar
    Escritor
  • chap_listÍndice
  • likeADICIONAR