🟥 Capítulo 6 – Antes da Tempestade

1363 Palavras
A manhã começou silenciosa demais. O céu estava limpo, mas havia um ar denso na cidade. Como se o calor não viesse do clima — mas de algo prestes a explodir. Noah estava na universidade, tentando retomar a rotina. Mesmo com os acessos acadêmicos ainda parcialmente bloqueados, ele insistia em frequentar o laboratório. Precisava mostrar que estava ali. Firme. Mas bastou uma mensagem para quebrar o equilíbrio precário do dia: 📲 "Tem algo na sua vaga do estacionamento." — enviada por um colega de curso. Ele estranhou. Pegou o crachá e saiu do prédio em passos rápidos. Ao chegar no pátio, o mundo pareceu parar por um segundo. O para-brisa da moto estava destruído. O tanque arranhado com força. E uma palavra riscada com algo pontiagudo no assento de couro: “TRAIDOR.” O estômago de Noah revirou. Não havia dúvida. Não era um roubo. Não era vandalismo aleatório. Era aviso. Era Leonardo. O coração batia forte, mas ele se manteve calmo. Tirou fotos. Respirou fundo. E ligou para Atena. — Você tá segura? — foi a primeira pergunta. — Sim. Por quê? O que aconteceu? Ele contou. Ela não respondeu de imediato. Depois apenas disse: — Começou. --- Enquanto isso, em outro ponto da cidade, Letícia Ferreira digitava com atenção máxima em sua sala abafada de redação. A matéria estava quase pronta: datas, testemunhos, histórico de denúncias encobertas, o áudio de Lorena — tudo organizado, verificado, cruzado. Uma bomba prestes a ser lançada. Mas ela também sabia o risco. E por isso, agia com cautela. > "Antes de ser justiça, é guerra." Ela recebera um e-mail anônimo naquela manhã. 📧 “Cuidado com quem você entrevista. Alguns nomes somem da lista mais rápido do que você publica. Só uma dica.” Ela leu. Sorriu com desdém. E respondeu com uma frase simples: > “Então corre. Porque essa bomba já tá com o pavio aceso.” --- Naquela noite, Atena e Noah estavam juntos no apartamento dela. Ela trancava as janelas com mais firmeza, verificava trincos, conferia as luzes. Ele observava tudo, sem interferir. Sabia que ela precisava controlar o que ainda podia. — Isso é só o começo — disse ela, sentando no chão da sala. — E a gente já tá no meio. — respondeu ele, sentando ao lado. — Eu tô com medo. — Eu também. Ela encostou a cabeça no ombro dele. E pela primeira vez, sussurrou algo que não esperava dizer: — Obrigada por não ir embora. Ele virou o rosto, encarando-a de lado. — E você... obrigada por confiar. Eles ficaram assim. Sem beijos. Sem promessas. Só o calor entre dois sobreviventes que sabiam que o pior ainda não tinha nome. Mas quando a madrugada caiu, e as ruas se calaram, alguém parou diante do prédio deles. Vestia um capuz. Carregava um envelope pardo. Colocou-o discretamente na portaria. E sumiu nas sombras. > Dentro do envelope: uma foto da mãe de Noah saindo da clínica onde trabalhava. Atrás da foto, uma frase rabiscada com caneta vermelha: "Você sabe o que eu posso fazer. Não me teste." A foto estava sobre a mesa. A mãe de Noah, sorrindo levemente enquanto saía do trabalho, envolta pela ameaça silenciosa rabiscada no verso. Noah permanecia de pé, em silêncio, os punhos fechados. O sangue pulsava nas têmporas. Por dentro, um campo em chamas. Atena o observava de longe, sentada no sofá. Sabia exatamente o que era aquela raiva: o tipo que não grita — o tipo que consome. — Você vai fazer alguma loucura? — ela perguntou, num sussurro. Ele olhou para ela, e a fúria no olhar se dissolveu um pouco. — Não. Não agora. Mas a partir de hoje, eu não espero mais que ele se exponha. Eu vou expor ele. --- Noah enviou as fotos do ataque à moto e da ameaça contra sua mãe para Letícia, junto com um áudio gravado por ele mesmo: > “Ele sabe que estamos perto. E está ficando desesperado. Isso é o que faz um predador quando perde o controle. Mas nós não vamos recuar.” Letícia respondeu em minutos: 📧 “Preparo uma publicação parcial para amanhã. Um teaser. Se ele tentar censurar, o público reage primeiro. Ele não vai conseguir parar o que já começou.” --- Enquanto isso, Atena trancava a porta do banheiro do apartamento. Olhou-se no espelho. Sem maquiagem. Sem vestido. Sem salto. Apenas ela, como não se via há muito tempo. E de repente, sentiu as lágrimas virem — não por medo, mas por exaustão. Ela desabou no chão frio. Não por fraqueza. Mas porque estava finalmente se permitindo sentir. > “Ele não vai me quebrar de novo. Nem ele. Nem o passado.” Lembranças vieram como ondas: — o primeiro show, — a primeira ameaça, — o rosto do pai no hospital, — a porta do camarim batendo após a primeira investida de Leonardo. Por tanto tempo, guardou tudo isso atrás de uma máscara de resistência. Mas agora, ao lado de Noah, de Letícia, até mesmo de Matheus... > Ela não precisava mais fingir ser feita de ferro. Podia ser carne. Podia ser alma. E ainda assim lutar. --- Mais tarde, ela saiu do quarto com os olhos inchados. Noah a esperava, quieto, com um cobertor nas mãos. — Choveu aqui dentro — ela disse, forçando um meio sorriso. Ele não respondeu. Só abriu os braços. E ela foi. Deitou a cabeça no peito dele. E juntos, permaneceram ali. Não como vítimas. Não como sobreviventes. Mas como dois seres renascendo, pouco a pouco, no meio do caos. --- Na manhã seguinte, a matéria parcial de Letícia saiu no site da Revista Verdade. Título: 📰 “Poder, silêncio e chantagem: os bastidores do império Calazans começam a ruir” O artigo não citava nomes diretamente. Mas quem conhecia a história sabia quem estava sendo exposto. A internet reagiu. Comentários, compartilhamentos, indignação. Leonardo recebeu o link de três fontes diferentes. Leu cada linha com um sorriso escuro. Depois ligou para um número restrito. — Hora de tirar a Dama do tabuleiro. De vez. A noite caiu com um silêncio incomum. Nenhuma mensagem chegou. Nenhuma ameaça nova. Nenhuma movimentação de Leonardo visível. E, por algum motivo, isso parecia ainda mais assustador. Noah e Atena jantavam juntos na pequena varanda do apartamento dela, onde duas cadeiras improvisadas e uma mesinha de madeira serviam como refúgio. As luzes da cidade brilhavam à distância, como se o mundo inteiro continuasse... ignorando a guerra deles. — Faz quanto tempo que você não tem um dia inteiro de paz? — ele perguntou, com a voz baixa. Ela riu, sem humor. — Desde os dezessete. — Então hoje... é uma raridade. Ela o olhou com carinho silencioso. — Com você, é a primeira vez que isso não me assusta. Noah apoiou o cotovelo na mesa, observando os traços dela à meia-luz. Cada curva do rosto, cada marca sutil de expressão parecia mais viva, mais real — mais livre. — Você sabe que mesmo que tudo dê errado... — ele começou — eu não vou te deixar. Ela respirou fundo. Por um instante, o impulso de dizer algo grandioso surgiu. Mas ela escolheu a verdade. — E mesmo que tudo dê certo... eu quero que você fique. Os olhos se encontraram. Não houve beijo. Não houve toque. Houve entrega. Atena encostou a cabeça no ombro dele. O mundo parecia distante. Intocável. — Eu queria congelar esse instante — disse ela. — Só por hoje. Só pra lembrar que a gente também pode ser leve, sabe? — Então congela. — respondeu ele. — Fecha os olhos. Finge que o amanhã não existe. Só agora. Ela fechou. E por alguns minutos, a cidade desapareceu. Leonardo desapareceu. A dor, o medo, as cicatrizes... Só existia o agora. --- Longe dali, porém, no silêncio de um escritório escuro, Leonardo terminava de digitar um documento. Fez uma ligação. Curta. Fria. — Eles querem fogo? Então vamos incendiá-los de dentro. > No dia seguinte, uma denúncia anônima chegaria à universidade. Acusando Noah de assédio contra uma colega de turma. Falsa. Planejada. Calculada. Mas naquela noite... Atena e Noah dormiram em paz. > Pela última vez em muito tempo.
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