Bryan acordou com o coração batendo como um punho fechando contra as costelas.
Por um segundo, achou que estava sonhando.
Mas o quarto estava ali — a penumbra, o vento entrando pelas janelas, o cheiro de sal vindo pela janela semiaberta.
Tudo normal.
Exceto ele.
Ele mesmo não estava normal.
Ele soltou um gemido rouco e sentou na cama de uma vez, apoiando os cotovelos nos joelhos.
— Droga… — murmurou, apertando a região com a mão firme.
A respiração saía curta.
Os músculos doíam como se tivesse corrido quilômetros.
E a marca no abdômen…
Aquela marca n***a e prateada, símbolo dos Blackwolf,
queimava como brasa viva, de novo como antes…
Ele grunhiu baixo, apertando a região com força.
— De novo não… — murmurou, a voz rouca.
A dor não era literal.
Era como se algo estivesse pressionando de dentro para fora, querendo romper, escapar, acontecer — mesmo que ele não tivesse nome para isso.
O ar no quarto estava quente demais.
Denso demais.
Pesado como antes de uma tempestade elétrica.
Bryan se levantou devagar, sentindo as pernas tremerem num aviso silencioso.
Caminhou até o banheiro e acendeu a luz.
O reflexo no espelho o encarou de volta.
Ele próprio… mas também não.
Seus olhos azuis estavam mais claros, quase luminosos.
As pupilas dilatadas.
O suor escorrendo pelo peito, marcando o abdômen definido.
E, bem ali, sobre a costela:
A marca brilhava.
A tatuagem da herança respirava.
— Merda… — Bryan sussurrou, encostando as duas mãos na pia.
Foi quando a lembrança veio.
Não um pensamento.
Mas um puxão.
Um clarão.
Um eco do passado invadindo o presente.
⸻
FLASHBACK – QUATRO ANOS DE IDADE
⸻
A sala parecia enorme para um garotinho loiro, magrinho, de olhos arregalados pelo choro.
A tempestade lá fora rugia com força — trovões quebrando o céu ao meio, a chuva açoitando as janelas.
E Bryan corria, segurando o abdômen onde a marca queimava feito fogo.
— Mãe! MÃE! — ele soluçava, tropeçando nos próprios pés. — Dói! Tá queimando, mamãe, tá queimando!
Babi o pegou no colo num reflexo imediato, o coração disparado.
— Bryan! Calma, meu amor, calma… — sussurrou, ajeitando o cabelo dele com mãos trêmulas. — Respira com a mamãe. Respira…
Mas o menino tremia demais.
Nathanael surgiu na porta da sala, pálido, o maxilar travado.
Ele conseguia sentir a energia que saía do próprio filho — um calor estranho, uma pulsação que não pertencia a lobos normais.
E então…
A porta abriu com força.
O Beta Alaric entrou ensopado de chuva.
E atrás dele… Elizabeth.
Os olhos dela estavam inchados.
A expressão — devastada.
Mas quando viu Bryan, algo brilhou dentro da dor.
— Ele sentiu… — ela murmurou, levando a mão à boca.
Babi franziu o cenho.
— Sentiu o quê?
Elizabeth respirou fundo, a voz saindo fraca, quebrada, mas cheia de certeza:
— Que a companheira destinada dele nasceu.
Silêncio.
Um silêncio tão pesado que o próprio vento pareceu parar.
— E a…? — Babi tentou perguntar, mas a voz falhava.
— Katherine se foi. — Elizabeth respondeu, lágrimas caindo. — Mas Mia… Mia vive. E ela nasceu marcada. Com a marca de Bryan.
O trovão explodiu.
A luz piscou.
E o pequeno Bryan sussurrou contra o pescoço da mãe:
— Eu senti…
Ela chegou.
—
Fim do flashback
—
A lembrança se dissolveu com a mesma violência com que tinha vindo.
Bryan se apoiou na pia, ofegante.
— Não… não pode estar acontecendo de novo.
Mia… ele pensou nela, será que ela estava sentindo ?
Mas estava.
Ele sentia.
A tempestade no ar.
O calor na marca.
A pulsação no peito.
Tudo gritava a mesma coisa:
Algo estava despertando.
De novo.
No mesmo momento na MANSÃO ASHWORTH
A noite havia despencado sobre a casa como um manto pesado.
As árvores balançavam com o vento selvagem.
Relâmpagos riscavam o céu.
Elizabeth andava de um lado para o outro na sala, segurando o celular contra o peito como se fosse um talismã.
Ela havia examinado Mia — a menina dormia, mas quente demais, o corpo vibrando, a respiração acelerada.
Não febre.
Não doença.
Era o mesmo de anos atrás.
O mesmo da noite em que sua irmã morreu.
O mesmo da noite em que Mia nasceu.
Alaric observava da porta, braços cruzados, maxilar tenso.
— Ela está muito quente, Liz.
— Eu sei — Elizabeth murmurou, sem parar de andar. — E eu sinto no ar… algo está vindo.
O celular vibrou.
“Babi chamando”.
Elizabeth atendeu antes do segundo toque.
— Liz?! — a voz de Babi veio trêmula. — Você sentiu isso?
— Desde a tarde. O ar… o vento… Mia está estranha. E Bryan? Ele também?
— Acordou suando. Disse que a marca estava pulsando. Nathanael está em alerta. — Babi respirou fundo. — Liz… isso não é normal.
Elizabeth fechou os olhos.
— A última noite em que o mundo ficou assim…
— Foi quando Katherine morreu — Babi completou, a voz desaparecendo por um segundo.
Elizabeth segurou o choro.
— E quando Mia nasceu. — ela sussurrou. — Babi… Mia nasceu com a marca Blackwolf. Com a marca do seu filho.
— Eu lembro. — Babi respondeu, voz tremendo. — Destino. Sempre foi destino.
O vento soprou tão forte que a casa gemeu.
Elizabeth prendeu o fôlego.
— Se algo está despertando… — ela começou.
— Eles ainda são muito novos … não estão preparados — Babi murmurou angustiada do outro lado da ligação.
E então—
Um raio cortou o céu com violência.
A luz branca iluminou a casa inteira.
O barulho veio um segundo depois — um estrondo feroz que fez o teto vibrar.
O celular quase caiu da mão de Elizabeth.
— Liz?! Liz, o que foi isso?!
Mas Elizabeth nem ouviu.
Porque, logo acima delas…
…um som rasgou o silêncio.
Um som que não deveria existir.
Um grito.
Não humano.
Não normal.
Um grito que parecia vir da alma sendo quebrada.
— MIA?! — Elizabeth gritou, o horror paralisando as pernas por um segundo.
E, ao mesmo tempo, pelo telefone:
— BRYAN?! — Babi gritou.
Era o mesmo som.
Os dois gritos.
A mesma dor.
A mesma hora.
Elizabeth e Babi ouviram uma à outra gritando — as duas mães apavoradas.
— LIZ, BRYAN ESTÁ SE TRANFORMANDO! — Babi gritava ao fundo, com o som de portas batendo, Nathanael correu junto. — NÃO DEIXA MIA SOZINHA!
— EU VOU SUBIR! — Elizabeth disparou, largando o celular no sofá.
Ela correu pelas escadas como se a vida dela dependesse disso.
O vento batia as janelas.
As luzes piscavam.
O barulho do trovão engolia tudo.
Mas nada era mais aterrorizante do que o silêncio que veio…
…depois do grito.
Silêncio que não era paz.
Era prenúncio.
Era o mundo segurando a respiração…
…antes de Mia acordar.