Em minha conta bancária já havia um valor obsceno, e por mais que isso me deixasse desconfortável, ainda me deixava aliviada. Para quem nunca teve nada, ter a possibilidade de ajudar a salvar a vida da minha amiga ainda parece irreal. Ontem fui até o hospital e Poly fez várias piadinhas com o meu novo visual. Nem é tão diferente assim, mas ela não deixa nada passar. Não pude deixar de perceber que a cada dia a sua pele fica mais seca, os seus olhos mais tristes e sem esperança. Aquilo é como a morte para mim. Odeio vê-la daquela forma. Agora estou aqui deitada nessa cama imensa e de certa forma sinto-me solitária. Queria a minha amiga aqui, saudável e cheia de vida.
Esses dias nessa casa, já refém de um namoro de mentira, eu sentia-me estranha. Estava sob um teto que não é meu, usufruía de um dinheiro que não ganhei, e tudo graças a alguém que nem conheço. Porém, sendo sincera, tenho medo de como será quando conhecê-lo, e esse dia será amanhã. Não me sinto pronta.
Quase não durmo pensando nisso, mas já no meio da madrugada os meus olhos se cansaram de olhar para o nada e a minha mente cansou de pensar em tudo, sem encontrar solução nenhuma.
Quando acordo, o encontro de hoje a noite é o pilar dos meus pensamentos. Saio da cama sem sequer arrumá-la, acontecimento raro, mas meu nervoso já começa a ferver o meu sangue.
Entro no banheiro e coloco a banheira para encher enquanto me dispo. Não posso dizer que não gosto de ter uma banheira. Na verdade, não posso dizer que não gosto de todos os confortos que essa casa me oferece. É, eu posso me acostumar com esse luxo todo, e talvez seja isso que esteja me deixando tão preocupada, eu não deveria estar gostando tanto.
Depois do banho, meu corpo se sente mais relaxado apesar da minha mente ainda estar atormentada. Vou para cozinha e preparo umas torradas com queijo e um suco de laranja para o café da manhã. A todo momento eu fico pensando como Poly se sentiria se estivesse aqui, nesse luxo todo. Com certeza ela estaria se sentindo bem menos culpada do que eu. Posso até ouvi-la falando: Deixa de besteira Lara, se ele pode te bancar esse luxo todo por que não aproveitar? Respiro fundo, estou com tanta saudade da minha amiga, aquela feliz e despreocupada. Ainda não me conformo com seu diagnóstico. Parece um pesadelo do qual eu não consigo acordar.
Vou para a sala de estar e alcanço minha bolsa para procurar o meu celular e verificar as mensagens, quando percebo o cartão do Doutor Carter. Todo esse pensamento na minha amiga me fez ter a necessidade de saber como ela estava. Quem melhor para me informar do que ele? Quer saber? Vou ligar para ele agora mesmo.
Disco o número no cartão e espero até que ele atenda.
— Maurício Carter. — Sua voz soa.
— Ah, bom dia Doutor, eu sou Lara Pinheiro, não se lembra...
— Ah sim, a amiga de Polyana.
Sorri, ele se lembra de mim.
— Sim, ela mesma. O senhor está ocupado?
— Não, acabei de chegar de um plantão.
— Ah perdoe-me, eu ligo outra hora, o senhor deve estar muito cansado.
Arrependo-me imediatamente de ter ligado, mas como eu ia saber?
— De maneira alguma Lara, já estou acostumado, diga, em que posso ajudá-la.
— Eu queria saber quando podemos transferir a Poly para o hospital que o Doutor falou.
— Em primeiro lugar eu já enjoei de ser chamado de Doutor. Me chame de Mauricio. E sobre a transferência, eu já adianto que vai custar muito caro.
— Dinheiro não é mais o problema Maurício, e sim a parte burocrática. O que é preciso?
— Além do dinheiro tudo é relativamente simples, eu só preciso solicitar a transferência no hospital, acompanhá-la até lá e será preciso assinaturas do responsável e algo do tipo.
— E isso demora? Por que eu gostaria que ela começasse o tratamento o quanto antes.
— Faz assim, eu vou dormir por algumas horas e me encaminho para o hospital em que a Poly se encontra para começar o procedimento, apesar do fim de semana eu acredito que amanhã mesmo ela já estará no HST.
—Ah Maurício, eu fico tão constrangida de estar te dando trabalho, mas eu realmente tenho medo pela Poly, ontem ela estava tão abatida, acho que o fato dela mudar para outro hospital já será o bastante para ela se sentir melhor, pelo menos ela terá esperanças.
— Isso sem dúvidas. Mas Lara, eu posso te fazer uma pergunta pessoal?
— Claro, sem problemas.
— Como conseguiu o dinheiro tão rápido?
Aquela pergunta me pega desprevenida.
— Bem, eu disse que daria um jeito não disse? Foi isso que eu fiz.
— Tenho medo do jeito que você pode ter dado, você é uma garota especial, pude notar isso e raramente me engano. Por isso aceite um conselho, muito cuidado nas suas escolhas, cuidado com sacrifícios que não tem volta.
— Estou tentando Mauricio, juro que estou tentando.
Ele ficou em silêncio e eu apressei-me em me despedir.
— Agora vá descansar e muito obrigada por estar me ajudando.
—Já disse que não é trabalho algum. Te ligo mais tarde com novidades, pode ser nesse numero?
— Pode sim. Vou ficar esperando.
Ele desliga e eu encosto a cabeça no sofá, espero que minha escolha não traga consequências sem volta. Mas desde que salve a vida da Polyana eu não me importo com nada que vier.