Observo e tento ignorar a figura única e exclusiva em mais um final de reunião. Algum dia eu pensava que as coisas poderiam melhorar entre mim e Samuel, mas era impossível, parecia que agora a relação com meu irmão estava ainda pior. Nem na cara dele eu queria olhar, parecia que ele iria debochar de mim ou da situação toda.
Quando finalizou, eu me levantei e arrumei minhas coisas rápidas, vendo a sala ficar vazia tão depressa.
Papai já havia cuidado do meu afastamento com o dele desde quando começamos nos negócios da família, em questão de trabalho ele ficava de um lado e eu do outro, mas sempre tinha reuniões como essa que podiam demandar a presença dos dois.
Eu detestava.
Mas ele agora parecia gostar.
Podia adivinhar o motivo.
Ana Luiza havia dado a luz fazia alguns bons dias.
- Irmãozinho - Respirei devagar, tentando não parecer tão incomodado, ele continuaria se soubesse que o que ele falasse iria me incomodar. Era óbvio. - Quero dizer, papai.
Encaro ele, a forma que sorri diabólicamente.
- O que quer agora, Samuel?
- Desejar parabéns pelo filho, soube que a criança é a sua cara, sabe o que eu não imaginava quando contei aquela coisa toda pra você?
- Não quero ouvir nada disso.
- Saiu melhor que eu esperava, você não só terminou o casamento fajuto, como abandonou o próprio filho, infelizmente eu tinha que falar aquilo, mas eu esperava pelo menos sua dúvida e não seu descaso com um bebê que poderia ser seu.
Fico o olhando.
Dou um passo para frente e vejo a sala sair a última pessoa, meu pai devia ter ido com algum acionista, agora só estava eu e Samuel.
Eu gostaria de saber como a cabeça dele se parte quando cai no chão de andares de altura, como seria o som ou como ficaria ele caso sobrevivesse.
- Conseguiu o que queria de novo.
- Dessa vez foi melhor.
- Escuta aqui - Ele gargalha.
- O que você faria se ela não tivesse te traído?
- Cala a sua boca - A voz dele entra na minha mente e eu quero calar ele, quero fazer ele parar de falar ou deixar o nome de Ana da boca dele, nem que eu tivesse que arrancar todos os dentes dele ou até os olhos para ele nunca mais olhar pra ela.
- Perdeu a mulher e o filho, que triste. Pelo menos foi mais fácil entrar na sua mente com seu histórico passado, assim você não deu o tal voto da dúvida pra garota. Você deve pensar que ela é como Íris, mas as vezes isso é apenas uma aparecia barata. Ana te acompanharia por ser inocente e ingênua, ela não tem maldade.
Antes que eu consiga evitar, empurro ele com força e ele bate na parede, antes que possa dizer ou fazer algo, ele não abaixa e vem pra cima.
Então aquilo desperta toda a rixa entre mim e ele, algo tão r**m que quando percebo, estou no chão. Ele esquiva da mesma forma que eu faço, mas quando acerta, acerta com força.
Só paramos de tentar nos bater, quando algum pessoal entra no meio e separa os dois, deixando cada um logo, um em cada ponto da sala, meu pai fala com ele antes de se virar mim.
- Estão malucos? Aqui na empresa? - Meu pai tira os óculos, está visivelmente nervoso. Aquilo me deixa ainda mais irritado, por saber que mais uma vez cedi as provocações de Samuel. - Vou ter que aguentar suas brincadeiras até você ir pra Nova York, Samuel? Não pode sair em paz e sabedoria, sem brigas ou discussão.
Tenho uma surpresa com a fala.
Samuel iria pra Nova York?
- Eu apenas estava tranquilo, ele veio pra cima de mim - Eu me afasto de quem me segura e me aproximo do meu pai.
- Eu vou sai daqui - Falo e antes que eu consiga sair, meu pai puxa meu braço.
- Nossa família sempre tem isso por vocês dois, como vão tomar conta de tudo se não param com as desavença e diferenças, vocês agem como inimigos. Já são grades, já passou da hora de melhorar a atitude de vocês um com o outro. Estou cansado, sua mãe também, queremos nossos filhos próximos e não como inimigos.
Eu e ele ficamos em silêncio, ninguém cede.
Respiro devagar, me acalmando, sinto meu celular vibrar e ignoro até que saia da sala.
Meu sangue ainda está quente.
- Sinto muito, pai - Samuel não fala nada, ele nunca iria admitir nada, nem que ele era um tipo de sociopata pronto pra me fazer de palhaço e brincar comigo.
- Vamos Samuel, diga alguma coisa também.
- Vou sair em silêncio, não preciso ficar com esse cara por perto. Quero distância dele pai.
- Digo o mesmo.
Antes que eu possa fazer algo, ele passa por nós e sai da sala.
Meu pai suspira fundo e coloca os óculos, vai até a porta e a fecha, voltando e me encarando sério.
- Pra mim chega - Ele fala e eu fico parado, enquanto ele puxa a cadeira e se senta.
Aproveito a pausa e pego o celular, vendo que minha mãe ainda está me ligando, atendo e tento focar na ligação.
- Pronto.
- Está muito ocupado, filho?
- Um pouco, a senhora precisa de algo?
- Sim, estou com um projeto pessoal, queria sua opinião, o que me diz de um cafezinho pra conversar.
- Sobre um projeto?
- Sim, por favor, aquela noite foi r**m. Não quero nem lembrar, então vem pra cá e passe um tempo com a sua mãe.
Penso um pouco, penso na forma que aquela noite ficou r**m.
- Está bem, manda o endereço e a hora certa, assim que terminar algumas coisas fico pronto.
- Ótimo, te espero então.
Ela desliga e eu me movo, puxando uma das cadeiras da sala de reunião e me sentando, encarando meu pai, ele não fala nada agora, está com os olhos inertes.
Da um receio pensar, parece que ele vai dar bronca ainda, mas ele não faz, fica algum tempo em silêncio me olhando, até tomar atitude de falar algo, limpando a garganta.
- Seu irmão vendeu as ações no nome dele e algumas que ele comprou desde que entrou aqui, ele vai abrir um negócio pra ele e a esposa em Nova York, ele não quer mais trabalhar com a empresa, ele também quer ajudar a esposa dele, além de querer ser pai - Meu pai tira o óculos novamente, se inclina para trás da cadeira e tira o lenço do bolso, fazendo a limpeza, ele ergue o olhar para as janelas, fica um bom tempo olhando pra fora. - Ele sempre foi bom em administrar negócios, temos que admitir que tirando esse gênio dele, essa personalidade e até o jeito r**m da natureza dele, bem, ele é muito bom no que faz e se propõem.
- Sim, eu admito.
Samuel tinha uma sagacidade impressionante, não sabia o motivo do meu pai estar me falando aquilo, eu podia lembrar os prêmios na escola e até universidade, ele se destacou como o melhor. Meu irmão era ambicioso e fazia sempre o melhor para ele. Lembro que por vezes ele enchia a boca de papai ao falar dele e do que ele conseguiu, ele passou no vestibular aos dezesseis, se formou aos vinte um, entrou na empresa antes mesmo de mim. Ele era inteligente demais. Não desmereçia o que ele era na empresa e o que ele poderia conseguir fora dela.
- Eu queria que vocês fossem próximos ao ponto de contar um com o outro Charlles, não brigar como inimigos, essa rixa de vocês faz tanto m*l, não só pra ele e pra você, mas pra mim e sua mãe.
- Papai...
- Desde que você nasceu ele se sentiu ameaçado, sempre foi assim e até hoje, ele tem medo de ser substituído e eu entendo ele.
- Eu nunca quis ameaçar ninguém, eu tentei ser amigo dele, tentei ser bom e relevar as coisas ruins que ele já me fez e até falou.
- Você nunca se perguntou o motivo disso, Charlles?
- Eu não sei pai, as memórias boas que tenho com ele são tão poucas, eu queria que ele fosse mais amigo e irmão mesmo, mas desde que me conheço por gente tem sido assim. Pra ele eu sou um inimigo e que precisa ser eliminado. Um sociopata.
- Ele não é um sociopata - Meu pai se levanta.
- Não é o que parece, olha a missa Ana Luiza, até Íris, o que ele faz pra me atingir.
- Seu bem pra ele sempre vai ser r**m. Parece que isso é tão grande nele. Acho que sei um dos motivos dele se afastar agora, espero tanto que ele tome uma atitude, eu não quero mais falar e ter que entrar no meio de briga. Dois caras velho e de barba, um agora e um pai omisso e i****a, o outro é um bobão r**m! Acho que ele não quer ver algumas coisas acontecerem com pessoas inocentes, assim como foi com ele.
- Do que o senhor esta falando?
- Nunca se perguntou o motivo de Samuel se sentir tão ameaçado por você, de te ver como um inimigo?
- Eu já cansei de procurar a resposta.
- Eu acho que devia ter sido franco com você quando criança, sabia?
- Vocês sempre foi, vocês não tem culpa do que a gente faz ou brigamos, criaram a gente bem, nunca faltou nada, vocês sempre ajudaram a gente.
- Lembra que uma vez você perguntou da minha irmã?
- Tia Mey? - Estranho, lembrando de algumas fotos e a história da irmã r**m de papai, que morreu de overdose aos 21 anos, uma época que eu nem era nascido, apenas Samuel que era um bebê.
- Ninguém nunca falou isso, duas semanas antes dela falecer ela deu a luz a um bebê, um menino, sabe, ela era esperta e sagaz, só que se envolveu com um cara r**m que apresentou coisas ruins pra ela, fez ela pensar que o mundo era um brincadeira e ela era uma criança, até que se viciou em h*****a e cocaína, na época meu pai, seu avô, internou ela várias e várias vezes - Meu pai se senta. Escuto de forma atenta, sendo a primeira vez que escuto a história completa que ele parece querer contar. Tudo vira uma surpresa. Até o fato dela ter tido um bebê que eu nunca soube e nunca conheci. - Mas ela sempre fugia e voltava pior, até que ela também engravidou, uma burguesa da alta sociedade viciada em cocaína e h*****a, seus avós tentaram de tudo com ela, tentaram até mesmo durante a gravidez. Mas não conseguiram.
- O que aconteceu com o bebê que ela teve?
Meu pai deu um sorriso triste e então, algo ali ficou estranho e ele ficou sério.
- Ele saiu da sala faz alguns minutos.