Adam
— Vou levar a louça para a cozinha. — Murmuro, enquanto encaro a bandeja com os pratos absurdamente vazios.
As frutas são quase sempre desperdiçadas, mas ainda são colocadas no prato do meu filho com uma pequena súplica para que ele coma algo saudável.
É a primeira vez que o vejo comer com tanta facilidade, o que me faz acreditar que Anna é um verdadeiro milagre ambulante.
Andyn tem sorte de ter uma mulher como ela. Atenciosa, prestativa e será inteiramente amorosa com seus futuros filhos.
Não aguento olhar para ela por muito tempo antes que a amargura tome conta do meu corpo e eu me obrigo a sair do quarto.
Ouço a risada dos dois após alguma piada que não consegui ouvir de Lucas.
Quando chego ao andar térreo, a porta se abre bruscamente, revelando Lia. Suas bochechas estavam vermelhas e seus cabelos bagunçados, enquanto tropeçava nos próprios saltos, erguida e mantida de pé por uma de suas amigas.
Maria está na porta da cozinha, as mãos juntas ao corpo, enquanto ela encara com compaixão a sua bêbada patroa.
Ridículo! penso comigo mesmo.
— Não acha que já está muito velha para chegar nessas condições na minha casa? — Pergunto, grosseiro.
Maria pega a bandeja da minha mão rapidamente e não a agradeço. Por mais leal que seja a minha ex-namorada, ela ainda cuida muito bem do meu filho, que nunca reclamou dos cuidados da mais velha.
Mesmo com as câmeras de segurança que mostravam cada um de seus passos, me impressionei que até mesmo brincava com o menino pela tarde. Às vezes, acredito que a sua falta de filhos ou netos causou esse sentimento nela.
— Não é só a sua casa. — Ela dá uma risada áspera, limpando a língua. — É minha também.
Ela para por um tempo, me encarando.
— Eu não vou falar coisa alguma com você. — Solto um suspiro cansado. — E você, o que está fazendo na minha cama?
A menina me encara com olhos esbugalhados e limpa a garganta.
— Eu, hãn... — Ela encara Lia em pânico.
— Ela é minha amiga, pare de pegar no pé dela. — Ela franze o nariz andando até mim, seus dedos enrolam em meu pescoço. — É a minha casa também.
— Estou pensando seriamente em expulsar você junto com ela. — A empurro, fazendo-a cambalear. — Não tem necessidade de fazer esse teatrinho de casal apaixonado para qualquer pessoa aqui, Lia. Essa sua amiga já deve ter percebido que você me causa asco.
Ela me encara com raiva, engolindo em seco depois.
— Você não precisa ser grosseiro comigo. — Reclama. — Pode ir, amanhã eu ligo para você.
— Sim! — a garota acena com a cabeça e sai pela porta rapidamente.
— O que pensou antes de trazer alguém para a minha casa, Lia? — Pergunto, perfurando-a com meus olhos. — Achou mesmo, por um único segundo, que eu não saberia? ou, que eu seria benevolente? Já disse várias e várias vezes que não quero essa gentinha na minha casa.
— Respeite meus amigos! — Ela levanta o dedo indicador
— Eu falo do jeito que eu quiser. Estou na minha casa, se estiver incomodada, pegue todas as suas casas e vá morar com todos eles, em qualquer lugar que eles morem — balanço as minhas mãos. — tentei ser simpático com você hoje, mas você sempre acha que pode montar em mim. Ofereço a mão e você sempre quer o corpo inteiro!
Ela engole em seco, enquanto me encara.
— Não quero seus amigos, sua família ou o papa na minha casa, entendeu? — Eu aponto o dedo em seu rosto. — O que pensou? Que eu disponibilizaria um quarto para ela? Compraria roupas e a trataria como uma rainha? Eu sempre deixei bem claro tudo que acho dessas pessoas.
— Eles fazem parte do meu passado. — Ela levanta o queixo. — Como ousa em me pedir que eu deixe de andar com as pessoas que me acolheram?
— Não, não, eu não quero ou ouso pedir. Mas não quero essas pessoas na minha casa, nunca! — Eu dou de ombros.
— Você proíbe a minha mãe de ter contato com o neto, Adam. Acha isso justo? — Ela eleva o tom de voz.
— Acho! Por mim, sequer você teria contato com o menino. — Eu cruzo meus braços sobre o peito. — Mas, você joga sujo, muito sujo e sabe que, quando está com os pés na forca, pode conseguir a ajuda de Lucas e você brinca com ele. Sabe que eu faço qualquer coisa que ele me pedir... mas, isso vai acabar tão breve quanto começou, Lia. Eu vou me livrar de você e para sempre!
— Isso é uma ameaça? — Ela ergue as sobrancelhas.
— Eu nunca sujaria as minhas mãos com você. Na verdade, isso é uma promessa. Você nunca mais será um incômodo e terá todo tempo do mundo para ficar com os seus amigos drogados e a sua família ridicula. — Sorrio para ela. — Entendeu?
— Isso não é justo comigo! — Ela diz ,fazendo bico.
— Porque não vai para o seu quarto, quero dizer, quarto que eu emprestei para você? Tome um banho, você está fedendo a cigarro e bebida. — Falo, por fim. Subo a escadaria, encarando o meu relógio de pulso por alguns segundos
Eu tinha perdido quase vinte minutos nessa conversa com Lia, o que me resultou em vinte minutos a menos na presença de Anna — que é extremamente agradável.
Como uma pessoa consegue ser a mesma, mesmo depois de tantos anos? Eu nunca vou me cansar de dar a ela, todos os adjetivos mais bonitos que poderia dar a alguém.
Ela é inefável! É uma criatura tão linda por dentro e por fora, que por algum motivo, encanta a tudo e a todos. Eu a quero para mim, assim como e nunca quis outro alguém.
Perde-la foi doloroso e até hoje, eu me culpo por coisas que eu não sei quais são.
Quando chego na porta do quarto, o silêncio faz a minha testa franzir e eu encaro a brecha de luz pela porta.
Olho para trás, ouvindo os sons dos passos pesados de Lia e abro a porta do quarto, entrando e fechando-a atrás de mim..
Sabendo o tipo de mãe que ela é, não espero que ela passe aqui para dar um beijinho de boa noite em nosso filho, por isso, me permito encarar a cena a minha frente, pronto para gravar cada mínimo detalhe do que está acontecendo.
É lindo. Penso comigo mesma. Dou um sorriso fraco e me recosto na parede.
Eu pagaria qualquer coisa para poder admirar isso para sempre.
Lucas e Anna dormem. A mão dela apoiada sobre a sua cabeça, Lucas enrolado sobre o peito dela, enquanto ressona.
Ele parece tranquilo, enquanto segura a blusa dela sobre seus dedos magros. Anna e ele se encaixam tão bem, que agora dormindo, conseguem ser até parecidos de aparência.
Poderiam facilmente passar como mãe e filho. O que, na verdade, seria o princípio dos meus próprios sonhos.
Anna sempre disse que queria ser mãe e eu sempre quis tudo que pudesse ter com ela. Filhos, casamento, uma casa no campo.
Eu faria qualquer coisa para que ela tivesse paz, tranquilidade e a vida estável que ela nunca teve antes. E, por mais incrível que pareça, ela conseguiu tudo isso sozinha.
Anna sempre foi genial e eu sempre tive consciência de que ela só precisava das oportunidades certas. Eu estava trabalhando para convence-la a aceitar a minha ajuda, fazendo inclusive uma poupança — que ela não gastava um único centavo.
E então, tudo aconteceu tão rápido. Ela chegou com aquele exame, Lia contou para todos e eu passei a ter um filho, enquanto tentava encontrar Anna para poder entender tudo — inclusive, se Lia conversou com ela antes de mim.
Eu até tive um ou dois rastros dela, um pouco de dinheiro sacado e estava perto demais de encontrar, e então... ela sumiu novamente.
E agora, ela retorna! depois de anos e se dá tão bem com a primeira pessoa mais importante da minha vida, que não posso deixar de pensar em como nós três seríamos lindos juntos. Em como nós seríamos tudo aquilo que eu sempre desejei que fossemos.
O som da porta ao lado me arranca dos meus devaneios e eu pulo no meu lugar, encarando a porta bem atrás de mim. Suspiro, encarando o meu relógio e constato que já está na hora de Anna ir.
Não que eu tenha problemas que ela fique, na verdade, adoraria que ela ficasse aqui, no meu quarto, na minha cama e comigo para sempre, mas sei que isso não é possível. Ela está noiva e segundo, Lia ainda mora aqui e sei que ela gosta de arrumar problemas, seja lá com quem fosse.
Me aproximo da cama, tocando seu braço levemente. A vejo despertar e me encarar:
— Eu dormi?
— Sim. — Dou um sorriso sem graça. — Achei vocês tão lindos juntos, que quase não consegui quebrar o momento de vocês.
Suas bochechas ficam levemente avermelhadas e ela pisca para mim, dando uma risada fraca.
— Desculpe. — Sussurra, voltando a encarar Lucas. — Ele é ótimo!
— Eu sei; — Eu digo, dando uma risada. — Não é mérito meu. Não sei como tive o prazer e o privilégio de ter um filho tão incrível quanto Lucas.
Observo Anna alisar os cabelos dele por mais algum tempo, antes de finalmente se pôr de pé e parar seus olhos em mim.
— Eu vou deixar você em casa. — Eu digo, enfiando as mãos em meus bolSos.
— Eu não quero atrapalhar, eu pego um táxi! — Ela segura a bolsa e dá um sorriso.
— Não, eu não posso deixar você andando por essas ruas sozinha, Anna. Ainda é perigoso. — Ele dá um meio sorriso. — E ademias, você me fez um grande favor hoje.
— que favor? — Anna ergue as sobrancelhas.
— Além de fazer Lucas comer frutas? — Rio. — O colocou para dormir sem muitos rodeios. Isso é quase um milagre.
— As vezes, só falta os estímulos certos. — Ela dá de ombros e o encara. — Ele é um menino muito doce, Adam. Você precisa cuidar dele.
— Eu cuido, tento dar o meu melhor todos os dias. — Também mantenho meus olhos nele, que ressona. — Mas, parece que eu não sou o suficiente. Ele precisa de mais, ele precisa de mais amor... entende?
Ambos ficamos em silêncio por algum tempo, as palavras que queria sair da minha boca não saem. Me sinto sufocado.
Ele precisa de Anna. Precisa do amor que Anna tem para dar. Ele precisa dela.
— Eu entendo, e sinto muito que Lia não possa dar isso a ele. — Ela engole em seco. — Todas as mulheres tem o dom de dar a luz, mas nem todas servem para ser mãe.
Eu apenas aceno com a cabeça, concordando com ela por um segundo. Ela está certa. Muito mais do que certa...
— Então, vamos? — Eu pergunto, por fim
Ela apenas da um aceno com a cabeça e andamos em direção a saída do quarto. O corredor estava vazio agora e quando descemos, Maria ainda está na sala.
— Pode ir se deitar, ele está na cama. — Digo, enquanto ela encara a nós dois.
Penso em como amanhã, ela irá contar tudo a Lia. A única mulher do mundo a quem tenho uma pequena abominação.
Ela consegue ser a pior pessoa do mundo e não precisa de muito esforço para isso, simplesmente, rejeitando o nosso filho.
Quando abro a porta do carro e embarco com Anna, deixo meus pensamentos voarem em lembranças antigas de nós dois. De um tempo em nós dois éramos apenas dois jovens desejando o mundo inteiro.
Ela fala o endereço da sua casa e partimos, enquanto me esforço para não segurar a sua mão e prende-la a mim para sempre.