Capítulo 2 - Hades

2521 Palavras
Eros POV Desde pequeno eu soube que estava destinado a grandeza. Não como as pessoas comuns que sonham em ser médicos ou bombeiros, não. Eu sabia que havia nascido para ser famoso, para ser amado, para ser adorado. Nem todos tinham essa consciência, claro. Também nem poderiam, apenas pessoas com a visão ampla para esse tipo de coisa poderiam reconhecer um talento como o meu. E era por isso que eu não culpava meus irmãos ou meus pais por não acreditarem em mim quando eu disse que era completamente inocente, mas fato de que aquela delegada viu o que eu estava fazendo e ainda sim decidiu se opor a mim estava me deixando louco. Se fossem em circunstâncias diferentes, eu teria visto a delegada Welsh como, ou uma fã doida minha pedindo para assinar sua mais nova tatuagem com o meu rosto, ou como uma possível escolha nas boates em que eu frequentava. Ela era bonita, precisava admitir. Tinha belas curvas, era adoravelmente rechonchuda e eu não podia negar que gostava daquilo. Seus cabelos pareciam quase loiro escuros mas estavam mais para um castanho claro e seus olhos eram da mesma cor. As sardas em seu rosto complementava seu visual, e eu até mesmo lançaria um flerte em sua direção se não estivesse ocupado demais odiando ela com todasfibras do meu corpo - Você tem cinco minutos contados no relógio para explicar essa merda! Apontou meu pai batendo com a mão sobre a mesa, mas a verdadeira figura de autoridade estava em minha frente de braços cruzados - Não fui eu. Já me defendi e vi minha mãe rir incrédula e eu sabia bem que viria coisa r**m apenas vendo sua expressão. Conhecia bem aquelas duas pessoas que me encaravam e tinha plena convicção de que eles não pegariam leve comigo independente da minha resposta - Elabora, Eros. Mandou ela em um tom calmo, mas eu não consegui responder no mesmo nível sabendo bem que tinha pouco tempo até eles tirarem suas próprias conclusões sobre o assunto - Eu já disse o que aconteceu! Apareceram uns caras do nada e despejaram aquele material sobre a mesa! Eu não tive nada a ver com aquilo! Repeti mais uma vez a minha versão dos fatos, a versão real da coisa, mas vi tanto meu pai quanto minha mãe revirarem os olhos como se a pergunta deles tivesse sido retórica, e não para saber de fato a verdade. O que me ocorreu naquele momento então foi a dolorosa verdade de que eles já acreditavam na figura de autoridade daquela delegada enquanto se recusavam acreditar no próprio filho Comportamento típico dos pais. Eles sempre preferiam acreditar nos professores, babás, diretores de escola, qualquer autoridade acima dos filhos, mas nunca nos próprios. - Você quer mesmo que a gente acredite que traficantes colocaram suas vidas e produtos em risco para te incriminar?! Meu pai foi o primeiro a contestar e eu arregalei meus olhos injustiçado com as palmas de minhas mãos expostas sobre a mesa em uma tentativa falha de fazer eles acreditarem em mim. - Sim! Porque foi isso o que aconteceu! Protestei e vi minha mãe estreitar os olhos em minha direção sem dizer nada, como se ela ainda estivesse tentando entender o que via em sua frente. - Olha, eu espero que para o seu bem você decida contar toda a verdade para a delegada quando ela chegar! Meu pai disse batendo com o indicador sobre a mesa e eu quis gritar, espernear, me jogar no chão como uma criança birrenta mas não pude. - Mas essa é a verdade! Mais uma vez tentei convencê-lo, mas antes que recebesse outra resposta negativa, um ruído peculiar das chaves de Daphne que carregavam consigo um milhão de chaveiros cor-de-rosa invadiu a sala de jantar. - Baba, você pode me dar uma carona até a faculdade? Bufei irritado. Não era possível que essa garota não pudesse fazer nada sozinha! E atraindo os olhos ainda irritados de minha mãe, ela parou de frente para a mesa. Para seu conhecimento apenas, Daphne era a pirralha mais sortuda da família. Além de ser a mais nova e a única menina, também era a única que puxou a parte alemã da família, nascendo de olhos azuis e cabelos claros. Não loiros, apenas claros. Também era, obviamente, a filha favorita do meu pai que agora sorria tranquilo em sua direção nem mesmo disfarçando sua predileção. Quando contestado ele sempre dizia que mulheres precisam ser protegidas e mimadas e não o contrário. Enquanto eu e Linux éramos levados a sério como dois adultos dentro de casa, Daphne era paparicada como uma princesa. - Agora não, Daphne. Estamos ocupados. Ditou minha mãe, mas logo foi seguida pela fala complacente de meu pai: - Claro que sim, princesa. Espera só um pouquinho que o baba já vai. Disse ele abanando a mão e a pirralha sorriu feliz e mandou um beijo para meu pai saindo do nosso campo de visão. Irritante... Pensei revirando meus olhos mais uma vez. - Dimitri, tem como você prestar atenção nesse problema de agora? Daphne já sabe dirigir! Minha mãe parecia compartilhar da mesma indignação que eu, mas eu fiz questão de me colocar de pé percebendo que a conversa já deveria ter terminado a muito tempo. - Não existe problema nenhum acontecendo, eu só preciso de um bom advogado e um dinheiro em espécie para tirar essa delegada da minha cola. Ao dizer aquilo, tive os olhos fulminantes de minha mãe me encarando com horror. - Eros Nikolai Zervas, eu espero que você não esteja falando o que eu acho que você está! Me ameaçando, ela também se colocou de pé. - Mama, me escuta- Tentei mais uma vez me explicar mas ela me interrompeu. - Chega! Você vai obedecer tudo o que a polícia mandar você fazer, e se por um acaso eu souber...- Pausou dramaticamente. - Eros, se eu souber que você está envolvido com drogas eu juro que te mato antes mesmo de você parar na cadeia! Exclamou me deixando sem nenhuma alternativa a não ser permanecer calado e assentir. [...] Sophie POV Aquela era uma quinta-feira chuvosa, quase desisti de levantar da cama com uma preguiça fora do normal, mas me forcei a levantar me lembrando de que as contas infelizmente não seriam pagas sozinhas. Respondi duas ou três mensagens em meu celular, deixei ração para minha gata, limpei a caixa de areia, reguei minhas plantas, tomei um banho e me arrastei para dentro de uma roupa qualquer que fosse quente. Tateei a minha escrivaninha abarrotada de coisas que incluíam roupas limpas para guardar e roupas sujas para lavar em busca do meu distintivo e assim que o encontrei o pendurei em meu pescoço. Não era nada fácil ter depressão e ainda viver sozinha, mas depois de um certo tempo lidando com aquilo a vida parecia se tornar apenas um borrão tolerável. Minha família ainda vivia na Escócia e eu tinha poucos amigos aqui, então minha vida agora se resumia basicamente a trabalhar, dormir e periodicamente comer. Não sabia como meu corpo ainda se mantinha naquele peso já que eu comia tão pouco, mas também não me preocupava demais com isso. Até porque não precisava agradar ninguém, nem mesmo eu. E de maneira igualmente preguiçosa eu desci as escadas pouco iluminadas do meu condomínio carregando o lixo para fora e entrei em meu corsa cinza que estava comigo desde que tirei minha habilitação. Um presente dado por meu avô. Abri o GPS em meu celular e coloquei o endereço que apontava para uma zona nobre da cidade e quis bater com minha cabeça no volante diversas vezes. Não seria nada fácil ter que seguir aquele lutador esnobe por tanto tempo sem surtar ou sem perder meu emprego, mas eu precisava fazer o meu melhor. Ao menos eu não precisaria me preocupar em me adaptar aos meus colegas de trabalho da delegacia por um bom tempo. O comissário havia deixado bem claro de que queria um relatório detalhado do dia a dia de Eros Zervas no final de cada semana. E o que eu poderia fazer além de vagarosamente remar a favor da maré esperando que um dia ela me afogue por completo? Em meio a tantos pensamentos negativos eu finalmente cheguei ao endereço que o assistente do lutador me repassou e ergui meus olhos para ver que não se tratava de uma casa e sim de um condomínio. Um condomínio que destoava de maneira alarmante do meu. Era um prédio enorme todo espelhado, a recepção era toda em vidro e a iluminação era quente deixando todo o ambiente mais chique e inacessível. Deixei meu humilde corsinha na esquina e voltei andando para subir a escadaria que antecedia a fachada do prédio. "Edifício Grécia" Li o nome escrito em letras de aço escovado e passei pela porta giratória logo dando de cara com a enorme recepção onde tinham duas atendentes com cara de nojo. Típico de ambientes de classe média alta. - Bom dia, como posso ajudar? Disse uma delas claramente sem nenhuma vontade de que meu dia fosse bom ou de me ajudar. - Bom dia, estou aqui para o apartamento 2215. Olhei o endereço mais uma vez para ter certeza de que não tinha dito nada errado e vi as atendentes se entreolharem com certo humor em seus olhos. - Apartamento 2215? Me diga seu nome e informarei que você está aqui. Aquela frase dita em um tom que beirava a arrogância me fez respirar fundo e tirar minha identificação do bolso onde meu distintivo brilhava em um dourado chamativo sob as luzes quentes da recepção. Com tédio certamente estampado em minhas feições, observei as atendentes se movendo como duas baratas tontas para me atenderem de maneira correta ao perceberem que eu era policial. Patético. Pensei ao receber um cartão magnético. - Aproxime isso do painel para desbloquear o botão da cobertura. O senhor Zervas já está a sua espera. Disse a atendente um pouco receosa e mesmo após me virar para andar até o elevador eu pude ouvir os murmúrios das duas sobre eu ser a pessoa que Eros estava esperando. Suspirei. Elas deviam estar acostumadas com um tipo muito diferente de mulher chegando e pedindo para ir até o apartamento dele, que agora sabia ser uma cobertura. Tentei não me sentir afetada por aquilo, apenas segui as instruções aproximando o cartão do painel do elevador vendo um dos botões começar a piscar em verde e eu o apertei. Logo o elevador fechou e só parou ao chegar no vigésimo segundo andar onde se abriu em um corredor onde havia apenas uma porta. A disparidade entre aquela realidade e a minha era tanta que eu certamente não conseguiria prestar atenção em todos os detalhes de uma vez só. Meu cérebro funcionando apenas por osmose. Toquei a campainha e logo a porta se abriu com um bipe e eu acabei dando de cara com o assistente careca de Eros. Ele tinha feições simpáticas, parecia ser apenas um pouco mais velho que o lutador e também usava um óculos de armação fina. - Delegada Welsh, por favor entre. Ele abriu a porta para mim e eu tirei meus sapatos logo na entrada e os trocando por slippers que o assistente me concedeu. - Meu nome é Simon Smith, eu sou o assistente do Sr. Zervas, nós nos falamos naquele dia na delegacia, se lembra? Comentou me guiando até a sala de estar decorada em tons escuros de grafite e preto, algumas peças de arte moderna aqui e alí e uma TV enorme que parecia nunca ser ligada logo acima da lareira elétrica. - Sim, obrigada por me enviar o endereço. Agradeci me dando ao luxo de olhar em volta e perceber como as enormes janelas de vidro contrastavam com o ambiente escuro e sem vida. A cozinha ficava logo a esquerda em conceito aberto com a sala de estar. Balcões de inox, eletrodomésticos pretos e cristaleiras lotadas de porcelanas caras. Do lado direito da cobertura, havia um corredor com algumas portas as quais eram possivelmente os quartos. No final do corredor, onde agora Simon me levava, ficava uma piscina interna, uma sala de jantar e uma academia privativa. Era muito mais luxo do que eu esperava que eu fosse encontrar. Bem, não era para menos, já que se tratava da casa do maior e mais famoso lutador da atualidade. E me recepcionando de maneira calorosa a imagem de Eros socando um saco de areia em sua academia particular me atingiu como um golpe. Ele suava, deixava sons ritmados e graves saírem de sua garganta a cada golpe que ele desferiu contra o saco de pancada que parecia já ter sido furado antes. Uma música alta tocava no ambiente, por incrível que pareça um pop bem animado, mas mesmo assim ainda podia escutar sua respiração e seus sons guturais. Passando a música no painel integrado a parede do interruptor das luzes, o assistente chamou sua atenção de imediato para nós e as feições no rosto do lutador imediatamente escureceram. - Sr. Zervas, a delegada Welsh chegou. Simon constatou o óbvio e o homem de corpo escultural em minha frente retirou as luvas de suas mãos rapidamente em um gesto que transbordava raiva. Veja bem, eu não tinha medo de homem nenhum, até porque eu vivia armada, mas aquele gigante em minha frente todo musculoso e com aqueles olhos verdes assustadores conseguia me deixar um pouco apreensiva. Um soco desse cara deve doer demais... Pensei estendendo a minha mão para apertar a dele que ainda estava em suas bandagens vermelhas. Ele devolveu o gesto apertando com firmeza e me fazendo sentir a quentura e o suor em sua mão. - Espero que minha humilde residência seja do seu agrado, delegada. Comentou um pouco debochado demais para o meu gosto e eu estreitei meus olhos por um segundo. - Não é com o que eu acho da sua casa que você deve se preocupar agora, Sr. Zervas. Comentei comedida e ele não pareceu surpreso ao receber minha resposta grosseira, apenas riu um pouco virando-se para pegar sua garrafa d'água. Daquele ângulo eu podia ver melhor seu corte de cabelo e percebi que ele estava cortado em um fade mullet fato esse que eu só sabia por ter um irmão homem e adolescente. Mas isso não vem ao caso agora. Eros, sem brincadeiras envolvidas, parecia um deus grego. Sua pele era imaculada, seus olhos verdes, seus cabelos negros muito bem cortados, sua boca levemente volumosa... eu poderia dar um milhão de descrições diferentes para ele o dia inteirinho. Mesmo que eu tivesse visto ele com toda aquela quantidade de droga sobre sua mesa no camarote, meu cérebro não queria acreditar que ele era um bandido. - Simon, por que não nos deixa a sós por enquanto e prepara um café para a delegada, hm? Sugeriu Eros colocando sua garrafa de volta no lugar e jogando suas luvas para um canto qualquer. E para o meu desespero Simon apenas afirmou e nos deixou sozinhos. Ou melhor, me deixou sozinha sob os olhos vigilantes de Hades.
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