Os prints se espalharam.
As páginas de fofoca aumentaram.
O nome “Amanda, a Rainha do Morro” virou manchete.
Mas não era admiração.
Era julgamento.
E o pior?
Vindo de gente que nunca subiu um barraco.
Gente que nunca passou fome.
Gente que nunca viu a guerra sem filtro.
---
— Eles tão tentando te criminalizar — Rosa disse.
— Tão tentando transformar minha história em roteiro de bandido.
— E se a polícia vier com tudo?
— Que venha.
Mas eu vou mostrar quem eu sou antes que inventem uma versão de mim.
---
A tensão crescia.
O posto de saúde parou de receber doações que Amanda mandava.
O cursinho comunitário que Gabriel bancava com dinheiro da quebrada teve a luz cortada.
A cidade queria apagar a favela.
E tava começando pela liderança.
---
Gabriel começou a considerar a fuga.
— A gente vai acabar preso.
Ou pior, Amanda.
— E se for pra fugir, a gente perde tudo.
— E se for pra ficar, a gente morre?
Silêncio.
— A gente não pode deixar que eles transformem a gente nos vilões dessa história.
— Mas a gente também não é santo.
— Eu sei.
Mas eles não estão atrás de justiça.
Tão atrás de controle.
---
Naquela noite, recebi outra mensagem anônima:
> “O juiz já foi pago.
Não adianta correr.
Teu nome vai estar no papel.”
Congelou o sangue.
Não porque era surpresa.
Mas porque agora era oficial: iam usar a lei pra me enterrar.
---
Gabriel me olhou sério:
— A gente vai precisar tirar o dinheiro das contas.
— Passar os negócios pra outros nomes.
— Isso é agir como culpado.
— Não.
É agir como quem não quer perder tudo pra quem nunca construiu nada.
---
Rosa me puxou num canto, mais tarde.
— Cê lembra da Dona Anésia?
— A parteira?
— Ela foi presa nos anos 90 por "tráfico de remédios".
Mas ela só ajudava mulher a parir com dignidade.
— Lembro sim.
— Então.
Ela me disse uma coisa que eu nunca esqueci:
> "Quando o Estado quer te tirar do mapa, ele não precisa de arma.
Ele só precisa de carimbo."
---
Sentei sozinha na laje naquela madrugada.
Olhei a cidade lá embaixo.
A vista que antes me dava força… agora me dava medo.
Porque não era mais o morro que me ameaçava.
Era o mundo lá fora.
---
— Amanda — Gabriel me chamou com voz baixa.
— Tão dizendo que vão mandar um mandado.
— De prisão?
— Não.
Ainda não.
De busca.
Meu estômago virou.
— Quando?
— A qualquer momento.
---
Corri pro barraco.
Escondi documentos.
Queimei cadernos antigos.
Zerei celular.
Mas uma parte de mim sentia:
Não importa o quanto eu limpe…
Eles já me enxergam como suja.
---
Na manhã seguinte, bateram na porta às 7h.
Polícia civil.
Mandado na mão.
— Amanda Rodrigues?
— Sou eu.
— Temos autorização pra entrar e revistar.
— Com licença.
Não gritei.
Não reagi.
Olhei nos olhos de cada um.
Como quem sabe que já morreu muitas vezes… e renasceu em todas.
---
Vasculharam tudo.
Roupa.
Sapato.
Quadro.
Livro.
Levaram o notebook.
Levaram fotos.
Mas o que não conseguiram levar foi minha história.
E nem a coroa.
---
— Encontraram alguma coisa? — perguntei.
— Por enquanto, não.
— Então vou seguir meu dia.
— Você pode ser chamada pra depor.
— Quando quiserem.
Eu não fujo.
Eu encaro.
---
O morro tava em silêncio.
Como se tivesse medo de falar meu nome.
Mas quando subi até a quadra, quatro meninas se aproximaram.
— Cê que é a Amanda, né?
— Sou.
— A gente viu você falando naquele vídeo.
— A gente achou forte.
— Obrigada.
— É que… a gente achava que você era tipo vilã.
Mas agora, a gente acha que cê é só…
humana.
---
Sorri.
Mas por dentro, chorei.
Porque ser humana naquele lugar…
é o mesmo que ser alvo.
---
— Eles podem tirar tudo de mim, Gabriel.
— Mas não vão tirar isso.
— Isso o quê?
— O fato de que agora,
tem menina me vendo como espelho.
E não como ameaça.
— E é por isso que eles querem te apagar.
— Porque mulher que vira símbolo…
incomoda mais do que homem armado.
---
E se é pra ser símbolo…
Que seja de coragem.
De revolta.
E de realeza nascida no barro.