Capítulo 26 – A Arte de Fingir Paz

748 Palavras
Depois daquela noite no bar, ficou claro: Darlan não queria só aparecer. Ele queria reinar. Mas diferente da Bruna, ele não gritava. Ele sorria. E o sorriso de um homem que quer o seu lugar… é sempre a primeira faca. --- — Ele tá marcando presença nos becos — Nando disse. — Pagando cerveja, fazendo piadinha, apertando mão. — O povo tá indo atrás? — Alguns sim. — As mulheres? — As que têm medo de você. Aquilo me cortou por dentro. Porque eu nunca quis ser medo. Eu fui medo porque o amor nunca foi opção no morro. --- — Vamos derrubar ele? — Gabriel perguntou. — Ainda não. — Ele quer palco. — Se a gente agir agora, ele vira mártir. — E você quer que ele cresça? — Quero que ele ache que tá crescendo. — Porque é aí que os fracos tropeçam. Na ilusão de que estão acima. --- Na semana seguinte, Darlan apareceu num evento da comunidade. Distribuiu brinquedos. Fez discurso. E teve a audácia de dizer: — "Não é o medo que segura o morro. É a confiança. E eu quero devolver isso ao povo." O povo aplaudiu. E eu? Engoli o gosto do sangue. --- Gabriel tentou me acalmar. — Isso vai passar. — Vai não. — Porque ele não tá tentando ser rei. Ele quer apagar o reinado que já existe. — E você vai deixar? — Eu vou ensinar ele que pra reinar… tem que estar pronto pra enterrar. --- Chamei Rosa, duas vizinhas e três mães da comunidade pra um café. Todas me olharam com aquele olhar dividido entre respeito e tensão. — Eu sei que vocês acham que eu mudei. — Que eu virei algo que assusta. — Mas não esqueçam: quando tudo explodiu, quem tava aqui era eu. Quem segurou comida, quem socorreu ferido, quem deu cara a tapa… fui eu. Silêncio. — Eu não vim pedir desculpa por ser forte. — Vim lembrar que vocês só tão em paz agora… porque eu não abaixei a cabeça. Rosa foi a primeira a segurar minha mão. — A gente só queria você de volta, Amanda. — Sem as armas. — Sem a pose. — Eu ainda sou eu. — Mas eu aprendi que ser doce demais nesse lugar… só faz a gente morrer cedo. --- Dois dias depois, Rosa postou uma foto com a legenda: > "Ser forte não é ser c***l. Amanda é a prova." E a maré começou a virar. --- Mas Darlan não gostou. Na sexta-feira, Gabriel foi avisado por um dos olheiros: — O Darlan vai fazer um “evento” no campinho à noite. — Pra “celebrar o povo”. — Vai ter música, bebida e discurso. — Sem autorização? — Diz que não precisa mais pedir. — E quem tá com ele? — Uns cinco caras novos… e dois que já foram da antiga equipe da Bruna. Meu estômago revirou. Ele não tava só crescendo. Ele tava se armando. --- Fui até o local antes de tudo começar. Sozinha. Ele me viu chegando, ainda ajeitando o microfone. — Amanda. — A rainha em pessoa. — Isso aqui é tentativa de golpe? — Isso aqui é festa. — Você devia se soltar mais. — Me soltar? — E deixar você plantar mentira no coração do povo? Ele sorriu. — O povo ama quem escuta eles. E eu escuto. — O povo também tem memória. — E eu vou lembrar eles de tudo que fiz por esse lugar. Ele se aproximou. — Você tem medo de perder? — Eu tenho medo de ser obrigada a mostrar do que sou capaz. — Então mostra. — Mas lembra: quem briga por poder… morre pela boca. --- Saí dali com as pernas tremendo, mas com a cabeça fria. Porque agora eu sabia: a guerra era contra palavras. E a minha voz teria que ser mais forte que os tiros. --- Na manhã seguinte, convoquei uma reunião na quadra do morro. Não com arma. Mas com documento. — A partir de hoje, vai ser criado um conselho comunitário. — Com representantes das mães, dos comerciantes, da juventude. — Eu não quero só mandar. Quero ouvir. E vocês vão falar. O povo olhou, desconfiado. Mas quando Gabriel subiu no parlatório e disse: — Amanda me ensinou que um trono só é forte… quando o povo não quer derrubá-lo. A quadra aplaudiu. E Darlan, vendo de longe, soube: A rainha tinha voltado. Mais humana. E mais perigosa.
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