Depois daquela noite no bar, ficou claro:
Darlan não queria só aparecer.
Ele queria reinar.
Mas diferente da Bruna, ele não gritava.
Ele sorria.
E o sorriso de um homem que quer o seu lugar… é sempre a primeira faca.
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— Ele tá marcando presença nos becos — Nando disse.
— Pagando cerveja, fazendo piadinha, apertando mão.
— O povo tá indo atrás?
— Alguns sim.
— As mulheres?
— As que têm medo de você.
Aquilo me cortou por dentro.
Porque eu nunca quis ser medo.
Eu fui medo porque o amor nunca foi opção no morro.
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— Vamos derrubar ele? — Gabriel perguntou.
— Ainda não.
— Ele quer palco.
— Se a gente agir agora, ele vira mártir.
— E você quer que ele cresça?
— Quero que ele ache que tá crescendo.
— Porque é aí que os fracos tropeçam.
Na ilusão de que estão acima.
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Na semana seguinte, Darlan apareceu num evento da comunidade.
Distribuiu brinquedos.
Fez discurso.
E teve a audácia de dizer:
— "Não é o medo que segura o morro.
É a confiança.
E eu quero devolver isso ao povo."
O povo aplaudiu.
E eu?
Engoli o gosto do sangue.
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Gabriel tentou me acalmar.
— Isso vai passar.
— Vai não.
— Porque ele não tá tentando ser rei.
Ele quer apagar o reinado que já existe.
— E você vai deixar?
— Eu vou ensinar ele que pra reinar…
tem que estar pronto pra enterrar.
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Chamei Rosa, duas vizinhas e três mães da comunidade pra um café.
Todas me olharam com aquele olhar dividido entre respeito e tensão.
— Eu sei que vocês acham que eu mudei.
— Que eu virei algo que assusta.
— Mas não esqueçam:
quando tudo explodiu, quem tava aqui era eu.
Quem segurou comida, quem socorreu ferido, quem deu cara a tapa… fui eu.
Silêncio.
— Eu não vim pedir desculpa por ser forte.
— Vim lembrar que vocês só tão em paz agora… porque eu não abaixei a cabeça.
Rosa foi a primeira a segurar minha mão.
— A gente só queria você de volta, Amanda.
— Sem as armas.
— Sem a pose.
— Eu ainda sou eu.
— Mas eu aprendi que ser doce demais nesse lugar… só faz a gente morrer cedo.
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Dois dias depois, Rosa postou uma foto com a legenda:
> "Ser forte não é ser c***l.
Amanda é a prova."
E a maré começou a virar.
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Mas Darlan não gostou.
Na sexta-feira, Gabriel foi avisado por um dos olheiros:
— O Darlan vai fazer um “evento” no campinho à noite.
— Pra “celebrar o povo”.
— Vai ter música, bebida e discurso.
— Sem autorização?
— Diz que não precisa mais pedir.
— E quem tá com ele?
— Uns cinco caras novos… e dois que já foram da antiga equipe da Bruna.
Meu estômago revirou.
Ele não tava só crescendo.
Ele tava se armando.
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Fui até o local antes de tudo começar.
Sozinha.
Ele me viu chegando, ainda ajeitando o microfone.
— Amanda.
— A rainha em pessoa.
— Isso aqui é tentativa de golpe?
— Isso aqui é festa.
— Você devia se soltar mais.
— Me soltar?
— E deixar você plantar mentira no coração do povo?
Ele sorriu.
— O povo ama quem escuta eles.
E eu escuto.
— O povo também tem memória.
— E eu vou lembrar eles de tudo que fiz por esse lugar.
Ele se aproximou.
— Você tem medo de perder?
— Eu tenho medo de ser obrigada a mostrar do que sou capaz.
— Então mostra.
— Mas lembra:
quem briga por poder… morre pela boca.
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Saí dali com as pernas tremendo, mas com a cabeça fria.
Porque agora eu sabia:
a guerra era contra palavras.
E a minha voz teria que ser mais forte que os tiros.
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Na manhã seguinte, convoquei uma reunião na quadra do morro.
Não com arma.
Mas com documento.
— A partir de hoje, vai ser criado um conselho comunitário.
— Com representantes das mães, dos comerciantes, da juventude.
— Eu não quero só mandar.
Quero ouvir.
E vocês vão falar.
O povo olhou, desconfiado.
Mas quando Gabriel subiu no parlatório e disse:
— Amanda me ensinou que um trono só é forte… quando o povo não quer derrubá-lo.
A quadra aplaudiu.
E Darlan, vendo de longe, soube:
A rainha tinha voltado.
Mais humana.
E mais perigosa.