Capítulo 13 – O Peso de Ser a Mulher do Dono

995 Palavras
As vozes no morro nunca param. Mesmo quando tudo parece calmo, os becos ainda sussurram. E naquele dia, depois de tudo o que aconteceu, eu comecei a ouvir as vozes de outro jeito. --- Desde que Gabriel me assumiu como “dele”, o clima ao meu redor mudou. Os olhares deixaram de ser apenas curiosos… E passaram a ser atentos. De respeito. De inveja. Ou de julgamento. — Tá preparada pra isso? — ele perguntou enquanto ajeitava o relógio, sentado à mesa. — Pra quê? — Ser minha mulher. Mesmo. — Isso vem com muito mais do que beijos e proteção. — Vem com o quê? Ele me olhou nos olhos, sério. — Vem com peso. — Todo mundo vai saber quem você é. — Vai te olhar esperando que você caia. — Vai te testar. — Vai te odiar só por andar ao meu lado. — Eu não tenho medo deles. — Então só promete que não vai desistir de mim na primeira turbulência. — Prometo. Ele respirou fundo. Como se isso fosse mais importante do que qualquer tiro que já levou. --- Durante os dias seguintes, Gabriel não me deixou sozinha um minuto. E mesmo com o ombro ainda se recuperando do tiro, ele fazia questão de mostrar pra todos que tava de pé — e no controle. Aos poucos, ele começou a me inserir no universo dele. Mas devagar. Passo por passo. No primeiro dia, me mostrou o bar que “lavava” parte do dinheiro. No segundo, o ponto de observação dos olheiros. No terceiro, me ensinou os sinais que os meninos usavam no rádio. — Você não precisa saber de tudo. — Mas precisa saber sobreviver se eu não estiver por perto. E, pela primeira vez, eu entendi o quanto ser a mulher dele me colocava no centro do perigo. --- Mas nem todo mundo gostava da ideia. — Essa menina não é daqui — ouvi uma voz sussurrar num dos becos. — Só chegou e já quer sentar na janela… — O chefe tá cego de amor. Isso não vai acabar bem. Fingi que não ouvi. Mas doeu. Porque eu sabia que, ali, respeito se conquista com sangue. E eu ainda era só uma garota tentando se encaixar. À noite, contei isso pro Gabriel. — Eu sabia que ia rolar. — Mas dói. — Eu não quero que pensem que tô aqui por status. — Amanda, você tá aqui porque é minha. — Eles que aprendam a respeitar. — E se não aprenderem? Ele me puxou pro colo. — Aí eu ensino. Um por um. --- Naquela noite, não rolou nada além de carinho. Deitamos juntos, mas ele só me abraçou. Ficou com a cabeça no meu colo, em silêncio. — O que foi? — perguntei. — Tô cansado. — Mas quando eu tô contigo, meu corpo descansa mais rápido. Fiquei passando a mão no cabelo dele, devagar. — Quando você dorme aqui, eu sinto paz. — Quando você dorme aqui, eu durmo com as armas guardadas. Nos olhamos. E naquele olhar silencioso, eu vi o quanto ele confiava em mim. E o quanto isso, naquele mundo, era raro. --- No dia seguinte, acordei antes dele. Olhei ele dormindo, respirando pesado, com o rosto mais tranquilo do que de costume. Pela primeira vez, ele não parecia o homem que mete medo no morro. Parecia só um menino que cresceu demais, rápido demais. A camisa dele tava jogada no chão. Peguei e vesti, me sentindo protegida. Saí da casa em silêncio, só pra tomar um pouco de ar. Mas fui surpreendida logo na esquina. — Você é a Amanda, né? Era uma mulher. Moreno clara, cabelos lisos presos num coque alto. Deve ter uns trinta e poucos anos. Olhar afiado. — Sou, sim. — Eu sou a Vanessa. Mãe do filho do Gabriel. Meu coração travou. --- Ela cruzou os braços e me encarou. Tinha uma firmeza ali que me deixou desconfortável. — A gente nunca teve nada sério, se é isso que tá pensando. — Mas eu conheço ele bem. — Por que tá me dizendo isso? — Porque eu já vi esse filme. — Você acha que tá segura. Mas com o Gabriel, ninguém nunca tá. — Eu não tenho medo dele. — Não precisa ter dele. Precisa ter do mundo que gira em torno dele. — E se você fraquejar… ele não vai parar o mundo pra te proteger. Ela me olhou por mais um segundo e foi embora. Fiquei parada, engolindo aquela conversa. Mas não consegui tirar a frase da cabeça: > "Precisa ter medo do mundo que gira em torno dele." --- Quando voltei, Gabriel já estava de pé. Mexia no celular com cara fechada. — Onde você foi? — Só tomar um ar. — Sozinha? — Sim. — Amanda, eu te deixei dois minutos e você desaparece? — Calma. Não aconteceu nada. Ele se aproximou e pegou meu queixo com firmeza. — Você pode não ter medo. — Mas eu tenho. — Porque perder você agora… seria o meu fim. — Gabriel… eu encontrei com a Vanessa. Ele ficou tenso. Soltou meu rosto. — O que ela te disse? — Que você tem um filho. E que ela já viu esse filme. — E o que você achou disso? — Que talvez eu precise entender mais do seu passado pra ficar no seu presente. Ele suspirou e se sentou. — Eu não n**o nada. Tenho filho sim. Mas nunca fui pai. — Porque o meu mundo nunca foi limpo o bastante pra criar alguém. — E comigo? Você conseguiria? Ele me olhou, sério. — Se fosse com você… eu parava tudo. — E construía um mundo novo. --- Ficamos em silêncio depois disso. Mas era um silêncio diferente. Carregado de promessas. De possibilidades. E de medo. Porque o futuro ainda era um campo minado. Mas, mesmo assim… eu tava disposta a caminhar com ele. Mesmo que fosse com o coração na mão.
Leitura gratuita para novos usuários
Digitalize para baixar o aplicativo
Facebookexpand_more
  • author-avatar
    Escritor
  • chap_listÍndice
  • likeADICIONAR