A mensagem ainda ecoava na minha mente.
> “Se você acha que virou rainha… cuidado com o tombo.”
E por mais que Gabriel tenha dito que ia resolver, algo dentro de mim sabia:
não era só ameaça. Era aviso.
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O dia amanheceu estranho.
O céu nublado. O ar mais pesado.
Gabriel saiu cedo, sem dizer pra onde ia.
Disse apenas:
— Se qualquer coisa acontecer, tranca tudo. Nando vai passar aí de tempo em tempo.
Fiquei sozinha.
Sentada no sofá da casa onde agora eu vivia, rodeada por grades, seguranças e paredes grossas.
Mas nenhuma parede era grossa o bastante pra proteger meu coração daquele medo.
Peguei o celular. Fiquei rolando o feed, fingindo normalidade.
Mas cada som vindo do lado de fora me fazia saltar.
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Horas depois, uma batida na porta.
— Amanda? — era a voz do Nando.
— Pode entrar.
Ele entrou, com a arma na cintura e olhar sério.
— Tá tudo bem por aqui?
— Tá. Mais ou menos.
— Essa ameaça…
— O chefe tá resolvendo. Mandou uns caras rastrear o IP da mensagem.
— A gente acha que veio de um celular clonado.
— Ou seja… foi alguém aqui de dentro, né?
— Talvez. Mas a gente vai descobrir.
Sentei de novo no sofá. Nando ficou parado na porta, como um cão de guarda.
Foi aí que perguntei:
— Nando… o Gabriel sempre foi assim?
— Como?
— Protetor. Intenso. Obcecado.
Ele riu de leve.
— Ele sempre foi fechado. Frio com quase todo mundo.
— Mas desde que você chegou, ele virou outra coisa.
— Parece que agora ele tem mais a perder.
— E isso é bom?
— Pro coração dele, talvez.
— Pro morro? Isso deixa ele mais perigoso.
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Horas depois, Gabriel voltou.
Suado. Tenso. Com sangue seco na blusa.
Corri até ele.
— O que aconteceu?
— Resolvi um problema.
— Que problema?
— Um cara que repassava informação pro inimigo.
— Ele mandou aquela mensagem.
— E…?
— E agora não manda mais nada. Nem respira.
Senti um arrepio.
— Você o matou?
— Eu protegi o que é meu. É diferente.
Fiquei em silêncio.
Não era mais só palavras.
Agora, era real.
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Naquela noite, algo mudou entre nós.
Ele me levou até o quarto, mas não quis me tocar.
Deitou do meu lado, mas de costas.
— Tá tudo bem? — perguntei.
— Não sei.
— O que tá pegando?
— Eu matei por você hoje.
— Gabriel…
— E não me arrependo. Mas isso aqui… essa vida… ela vai te engolir uma hora.
— Você quer que eu vá embora?
Ele virou o rosto. Me olhou sério.
— Não.
— Só quero que você saiba o preço de ficar.
— E você acha que eu ainda tô aqui por acaso?
— Eu sei que não.
— E talvez por isso eu esteja com tanto medo de te perder.
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Passamos a noite em silêncio.
Mas era um silêncio denso.
Um silêncio de guerra interna.
De promessas que não foram feitas, mas já estavam escritas.
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Na manhã seguinte, resolvi sair sozinha.
Coloquei uma roupa simples, prendi o cabelo e saí pelos becos.
Os meninos do ponto de observação me olharam com respeito.
Mas o olhar de algumas mulheres… ainda era o mesmo.
Duro. Frio. Afiado.
Parei na vendinha da Dona Zuleide pra comprar pão.
— Você é a Amanda, né? — ela perguntou, enquanto separava os trocos.
— Sou sim.
— Cuidado, minha filha. Ser mulher de homem que tem poder… é como andar com gasolina no corpo.
— E por quê?
— Porque qualquer faísca vira incêndio.
— E nem sempre o incêndio mata o homem. Às vezes, só queima a mulher.
Saí dali com o coração apertado.
Todo mundo parecia saber mais do que eu.
Sentir mais do que eu.
Como se eles já tivessem visto esse filme antes.
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Cheguei em casa. Gabriel me esperava na varanda.
— Onde você foi?
— Comprar pão.
— E quem disse que podia sair sozinha?
— Eu não sou prisioneira.
— Mas é alvo.
— Eu preciso aprender a viver nesse lugar.
— Não posso ficar me escondendo o tempo todo.
— Enquanto eu não tiver certeza de que você tá segura… vai ficar, sim.
— Gabriel, eu tô aqui. Eu escolhi estar com você.
— Mas se for pra viver com medo, eu vou embora.
Ele se aproximou. Devagar. Firme.
Colou o rosto no meu.
— Você não vai embora.
— E quem ameaçar tirar você de mim…
— vai conhecer o lado mais sujo do morro.
— Eu só quero paz.
— Eu não posso te dar paz.
— Mas posso te dar proteção. E amor.
— Do meu jeito.
— Eu só quero que você não me deixe no escuro.
— Então vem comigo.
— Pra onde?
— Hoje à noite, tem reunião com os chefes de zona.
— Quero você lá.
— É seguro?
— Não.
— Mas você vai do meu lado. E quando você anda comigo… ninguém encosta.
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Mais tarde, me preparei como ele pediu.
Usei uma calça preta, uma blusa colada e uma corrente no pescoço.
Passei batom vermelho.
E deixei o cabelo solto, do jeito que ele gostava.
Quando saí do quarto, ele me olhou de cima a baixo.
— Tá linda.
— Tá com medo?
— Deles? Não.
— De você virar meu ponto fraco na frente de todo mundo? Sim.
Sorri. Me aproximei.
— Então me mostra forte.
— Eu sou forte.
— Mas você… é minha única fraqueza.
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Entramos no galpão onde a reunião ia acontecer.
Vários homens. Todos armados.
Olhares desconfiados.
Mas quando Gabriel entrou comigo do lado, todos abriram espaço.
Ele puxou uma cadeira.
Me fez sentar ao lado dele.
E durante toda a reunião… me manteve perto.
Cada vez que alguém falava algo mais duro, ele apertava minha mão.
E ali, no meio da tensão, eu entendi:
Eu não era só a mulher do chefe.
Eu era o coração de um homem que não podia se dar ao luxo de ter um.